Posse de Lula: novo presidente terá o desafio de exercer governo amplo

Pressão é para que a gestão supere limites e dogmas programáticos da esquerda e espelhe a frente de apoios que se formou no 2.º turno

PUBLICIDADE

Foto do author Felipe Frazão
Atualização:

Luiz Inácio Lula da Silva assume neste domingo, 1º, pela terceira vez a Presidência da República com o desafio de melhorar os indicadores econômicos e sociais, recuperar a máquina federal e encerrar o ciclo recente de intolerância política e ameaças à democracia. Após tomar posse no Congresso, ele começará a enfrentar pressão de partidos de centro e de boa parte da sociedade para realizar um governo que supere os limites programáticos e vários dogmas da esquerda – e que espelhe a frente democrática da campanha vitoriosa do segundo turno da eleição, como ele mesmo prometeu quando estava no palanque.

Aos 77 anos, o petista subirá a rampa do Palácio do Planalto agora mais pragmático e cobrando resultados rápidos da equipe, segundo afirmam seus aliados. O presidente que voltará a despachar no gabinete do terceiro andar do palácio, porém, terá de reinventar uma imagem que vá além da figura de um retirante do Nordeste, do metalúrgico ou mesmo do “Lulinha, paz e amor”, como destacava o marketing em 2003. Lula terá diante dele um país dividido – e com rancor, de ambos os lados. O petista derrotou o atual presidente, Jair Bolsonaro, por uma diferença de 2,1 milhões de votos, menos do que 2% dos votos válidos, na mais apertada disputa da história republicana.

Presidente Lula tomou posse pela terceira vez este domingo, 1° de janeiro de 2023. Foto: Adriano Machado/REUTERS

PUBLICIDADE

Com o início do terceiro mandato, Lula já será o presidente de mais tempo no poder, após Getúlio Vargas – que ficou 18 anos no cargo. Desta vez, o petista promete não retomar o discurso do “nós contra eles” que marcou seus oito primeiros anos de governo, entre 2003 e 2010. E carrega o peso de casos de corrupção que atingiram suas gestões, como o mensalão e o petrolão.

O novo presidente critica ações de extrema direita e ameaças à democracia, mas diz que não haverá perseguição. Seus marqueteiros elaboraram a logomarca do governo com base nos conceitos-chave de “união” e “reconstrução”. A festa da posse, por exemplo, é o “Festival do Futuro”.

Tributária

O petista promete dar andamento à reforma tributária no Congresso e iniciar negociações para propor uma âncora fiscal que substitua o teto de gastos. Ele ao menos larga com fôlego dado por um ano pela PEC da Transição para pagar os R$ 600 do Bolsa Família, mais um adicional de R$ 150 por criança, e recompor programas sociais. Mas também enfrenta ameaça de inflação alta e taxas de juros.

Por outro lado, a conjuntura mundial ganhou contornos mais complexos do que nos dois primeiros mandatos do petista. A guerra na Ucrânia continua, a disputa comercial entre Washington e Pequim se acirra e a diplomacia climática ganhou novo patamar. Ainda assim, Lula aposta na retomada do discurso de revalorizar o multilateralismo e pregar reformas nas Nações Unidas, com a intensificação do pleito por um espaço fixo no Conselho de Segurança. Ele já tem na agenda imediata programadas viagens aos Estados Unidos e à China. Também receberá em Brasília o presidente da França, Emmanuel Macron.

No campo interno, o quadro partidário também mudou. Saíram de cena as grandes bancadas no Congresso, que nos anos 1990 passavam de cem deputados. Lula terá dificuldades para formar maioria. A vitória dele para o Planalto não foi acompanhada da eleição da maior bancada da Câmara pelo PT. Mesmo no campo da esquerda, grupos identitários e de pauta ambiental não devem atuar com subserviência ao partido.

Publicidade

Lula assume o País com 15 partidos aliados. Mas vai enfrentar a oposição de uma direita organizada. Diante da situação, montou um governo de forma pragmática. Ele indicou um político de direita experiente e de quem era amigo, José Múcio Monteiro, para apaziguar a relação com as Forças Armadas – que ganharam poder com Bolsonaro – e compôs com o centro, distribuindo ministérios a PSD, União Brasil e MDB. A fórmula já resultou em escândalos de corrupção no passado. Lula, porém, entregou os maiores orçamentos, a área social e o Planalto a petistas.

Os aliados avaliam que o presidente está mais experiente para enfrentar o novo mandato. “Desde que deixou o governo, esse período foi muito intenso na vida do Lula, principalmente a prisão, que marcou muito. Ele chega conhecendo muito o Estado brasileiro. Quando assumiu pela primeira vez, ele não conhecia. Ele sabe o que precisa fazer, conhece o povo, sabe mais quem é quem, para não se enganar”, disse ao Estadão a presidente do PT, Gleisi Hoffmann.

Rito

Após tomar posse e discursar no Congresso, Lula seguirá no Rolls-Royce presidencial para o Planalto. Na frente do palácio, com a primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja, vai se posicionar ao lado do vice Geraldo Alckmin (PSB) e de sua mulher, Lu Alckmin, diante das icônicas colunas em vela do edifício. Perfilados, os quatro ouvirão a banda dos Dragões da Independência executar o Hino Nacional. Subirão a rampa e entrarão no Salão Nobre, onde os 37 ministros nomeados e ao menos 20 chefes de Estado recepcionarão o presidente.

Se Fidel Castro já atraiu holofotes em cerimônias anteriores, desta vez não estará presente seu herdeiro político, Miguel Diaz-Canel. Hugo Chávez, que também chamou atenção em posses no passado, entretanto, será lembrado pela figura de Nicolás Maduro. Mas Daniel Ortega, que persegue opositores na Nicarágua, não estará em Brasília. Todos eram tradicionais aliados do PT na América Latina, mas passaram a ser contestados na comunidade internacional por violações de direitos humanos. Lula manterá relações, mas pretende guardar distância deles, ao menos no início da gestão.

PUBLICIDADE

No parlatório, o petista não receberá a faixa presidencial de seu antecessor, já que Jair Bolsonaro viajou para os Estados Unidos antes do fim do mandato. A primeira opção é uma quebra de protocolo: um grupo de pessoas comuns passaria a faixa.

Em seguida, o presidente discursará no parlatório, falando diretamente para o público previsto de 30 mil pessoas na Praça dos Três Poderes. Auxiliares observam que Lula gosta de improvisar, mas deve seguir os textos, que não passarão de 20 minutos. Ele preparou um discurso com menções aos problemas do País, mas foi aconselhado a falar sobre o futuro.

Lula vai dizer por que se candidatou novamente, afirmar que deseja “melhorar a vida do povo” e tentar passar uma mensagem de esperança. Petistas do núcleo mais próximo afirmam que, se citar, ele fará no máximo uma referência breve, e indireta, aos processos por corrupção na Operação Lava Jato.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.