Lula une esquerda, acumula deslizes e, na mira dos adversários, fica à sombra da corrupção

Petista forma amplo leque de aliados sem apresentar versão final de programa de governo nem explicar como vai controlar gastos

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Atualização:

O petista Luiz Inácio Lula da Silva recebia um ex-ministro de seu governo em sua casa pela manhã quando, como de costume, seu celular tocou. Do outro lado da linha, o ex-prefeito Fernando Haddad trazia notícias sobre a aproximação com Geraldo Alckmin, da qual Lula já estava ciente. O ex-presidente deu um sorriso discreto, passou a mão no bigode e virou-se para o interlocutor: “O que você acharia de uma chapa minha com o Alckmin?”. “Pela sua cara de entusiasmo, acho que daria certo”, ouviu.

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Era mais uma das etapas do namoro que já havia começado algumas semanas antes, por intermédio de Haddad e de Gabriel Chalita, e que nortearia a sexta campanha presidencial – e a última, segundo ele.

Na época, Alckmin ainda precisava de uma sigla para abrigá-lo. Depois de ver a ascensão e a derrocada do PT, o ex-presidente repetia a quem quisesse ouvir que precisaria de duas coisas para uma boa candidatura. Primeiro, um check-up médico com seu cardiologista, Roberto Kalil. Depois, a construção de uma frente anti-Bolsonaro que pudesse sinalizar ao País que ele não concorreria por revanche, mas por pacificação social.

Lula faz campanha em Salvador, na Bahia; petista lidera as pesquisas de intenção de voto no Nordeste Foto: Felipe Iruata/REUTERS

Lula vinha da prisão, condenado na Lava Jato. Perdeu, durante os 580 dias no cárcere, o neto Arthur, de 7 anos, o irmão Vavá e um dos melhores amigos, o advogado Sigmaringa Seixas. Só pôde comparecer ao velório de Arthur.

Lula deixou a prisão em 8 de novembro de 2019, mas continuava cético sobre a volta à política. Na época, a condenação por corrupção e lavagem de dinheiro continuava de pé e ele fora solto porque o Supremo Tribunal Federal (STF) mudou o entendimento sobre a prisão após julgamentos de segunda instância. Foi em março de 2021 que o petista recebeu, em casa, a notícia de que os processos haviam sido anulados e se tornara de fato um postulante ao Palácio do Planalto.

A aproximação com Alckmin, com quem trocou “caneladas” no passado, começou no primeiro semestre do ano passado e os dois apareceram em público pela primeira vez juntos em dezembro, em jantar organizado pelo Prerrogativas. O grupo, liderado pelo petista Marco Aurélio Carvalho, é composto por advogados de acusados na Lava Jato que criticavam os métodos da força-tarefa que revelou o esquema de desvios na Petrobras – tema sobre o qual o petista foi reiteradamente chamado por adversários a se explicar.

A esquerda chega unificada em torno de Lula, que atraiu também setores e siglas de centro. O arco de alianças é superior aos pleitos anteriores e engloba PSB, Solidariedade, PSOL, Rede, Avante, Agir, PROS, PCdoB e PV. Antigos desafetos, como quadros históricos do PSDB, juntaram-se à candidatura. Parte do MDB também embarcou.

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Na lista de personalidades que pedem voto a Lula estão Marina Silva (Rede), o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, um dos autores do impeachment de Dilma Rousseff, Miguel Reale Júnior, sete ex-ministros de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e cinco ex-ministros do STF, incluindo o relator do mensalão, Joaquim Barbosa.

‘Garantia’

Alckmin passou a ser apresentado como um fiador do compromisso com a responsabilidade fiscal e foi colocado para abrir caminho no interior de São Paulo e em setores resistentes ao PT, como o agronegócio. A volta à política exigiu também uma espécie de reconciliação entre Lula e o empresariado. O petista usa seus dois mandatos como “garantia”. Ele deixou o governo com mais de 80% de aprovação.

Sob o argumento de evitar desgastes com aliados, o ex-presidente não apresentou uma versão final de seu programa de governo. Um dos temas sobre os quais há pouca clareza é a nova âncora fiscal para substituir o teto de gastos, que será revogado em um eventual governo Lula 3.

Deslizes

Ao longo dos últimos meses, Lula fez movimentos ora para a base petista, ora para o centro. Em comícios e entrevistas, acumulou escorregões e teve de se retratar depois. Foi assim quando disse que Bolsonaro não gosta de gente, mas, sim, de policiais, e quando se referiu a parcela do agronegócio como “fascista e direitista”. Afirmou ainda tratar aborto como questão de saúde pública, pauta que agrada à base, mas afasta o eleitorado evangélico, que o PT perdeu para Jair Bolsonaro (PL).

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O partido não poupou dinheiro na disputa presidencial. Foram R$ 57 milhões empenhados, de uma receita de R$ 90 milhões composta quase toda por fundo eleitoral. Somente o marqueteiro Sidônio Palmeira custou R$ 25 milhões. Ele foi o responsável por combinar, nas peças, a cor vermelha do PT com o verde e amarelo para reforçar a imagem centrista.

Em maio, na pré-campanha, Lula se casou com a socióloga Rosangela da Silva, a Janja, que integrou a vigília na frente da carceragem da Polícia Federal em Curitiba. Tem se dito feliz, aos 76 anos, com “energia de 30 e tesão de 20″.

Após sair da prisão, o ex-presidente deixou o apartamento onde morava em São Bernardo e se mudou para o Alto de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo. Com Lula cercado de segurança em bairro de alto padrão, a preocupação dos agentes passou a ser a campanha na rua. O petista aposta na força do corpo a corpo e do seu contato com a militância. “Eu vou por acaso deixar de abraçar uma senhora que fica quatro horas na chuva ou no sol me esperando? Não vou”, diz Lula a seus seguranças.

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