Nos Estados Unidos, voto de ministro da Suprema Corte não é secreto; entenda

Especialistas ouvidos pelo ‘Estadão’ afirmam que modelo brasileiro, de ampla transparência, diverge dos Estados Unidos e de países da Europa

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Atualização:

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu nesta terça-feira, 5, que os votos dos magistrados do Supremo Tribunal Federal sejam secretos após ver o ministro Cristiano Zanin virar alvo de ataques de apoiadores do governo por posicionamentos contrários a temas considerados progressistas. O modelo brasileiro – de ampla transparência do Judiciário – diverge dos Estados Unidos e da maioria dos países da Europa. Para juristas ouvidos pelo Estadão, o sistema nacional facilita o acesso ao Judiciário, mas pode fragilizar a Corte.

As posições que o ex-advogado do presidente na Lava Jato têm adotado em julgamentos sensíveis para a Corte (como drogas e crimes contra pessoas LGBTQIA+) o colocaram como alvo de crítica de movimentos que compõem a base do governo. Parlamentares evangélicos e conservadores, de outro lado, elogiaram Zanin.

Fachada principal do Supremo Tribunal Federal Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

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“No Brasil temos uma tradição de transparência em relação às deliberações tanto dos tribunais quanto dos juízes de primeiro grau”, diz Luiz Fernando Gomes Esteves, professor assistente do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa) e doutor em Direito do Estado pela USP. “Aqui, qualquer pessoa pode ir até o fórum, bater na porta da audiência e pedir para participar.”

Além disso, nos sites dos tribunais, as decisões, sejam de juízes de primeiro grau, desembargadores ou ministros, ficam disponíveis para consulta pública. A exceção é quando o caso é protegido pelo segredo de Justiça. Para Esteves, “isso é uma prática legítima e confere à população poder de controlar como as decisões têm sido tomadas”.

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A tratativa que o Brasil dá em termos de publicidade dos atos do Judiciário é oposta à maioria dos países da Europa e dos Estados Unidos – que, na análise de Maristela Basso, professora de Direito Internacional da USP e doutora na área, são a melhor referência nesse assunto. Para ela, no modelo estadunidense, há “uma proteção do próprio sistema, porque os ministros não ficam sujeitos à pressão da sociedade ou de quem quer que seja”.

O voto secreto, segundo a docente, também impede casos de corrupção na Corte. “Não tem como saber se o magistrado votou ou não naquele sentido. Os ministros não revelam suas opiniões, suas tendências, suas possíveis manifestações ou julgamentos.”

O professor membro do Núcleo de Justiça e Constituição da FGV-SP, Rubens Glezer, afirma que a proposta do presidente casa com a questão que envolve o grau de exposição saudável dos ministros no debate público. Glezer ressalta que deve ser separado nessa discussão o que é ação criminosa, que deve ser investigada pelas autoridades competentes, e as críticas recebidas aos trabalhos que ajudam na manutenção da instituição.

“Nem toda crítica é ataque. A crítica que vem da sociedade, da academia, se fundamentada e séria, serve para aperfeiçoar a instituição, para que melhorem as suas praticas porque é uma instituição sem quase nenhum outro mecanismo de controle. Isso ajuda o Supremo. Todas as vezes que o Supremo ouviu essas críticas pertinentes e agiu de acordo, fez bem”, disse.

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Outros países

Nos Estados Unidos, os votos da Suprema Corte são formados por maioria ou por unanimidade. Ao final da sessão, os ministros se reúnem em um ambiente separado para discutir o caso e, depois, a decisão é anunciada em nome de todo o Tribunal. Se o julgamento não for unânime, a Corte expõe a divergência.

Para Felippe Mendonça, especialista em direito constitucional, saber como cada ministro vota é importante para resguardar a segurança jurídica. “A nossa briga atual é exatamente pela necessidade de termos uma maior calculabilidade do risco jurídico no Judiciário brasileiro. Ninguém investe onde não sabe quais serão as consequências jurídicas de seus atos”, disse ao Broadcast Político.

O professor Elival Ramos, titular de Direito Constitucional da Universidade de São Paulo (USP), pondera que o presidente identificou corretamente o problema, mas errou em atribuir a causa à identificação dos votos. No diagnóstico do professor, que se dedica a estudar o chamado “ativismo judicial”, o motivo da animosidade contra ministros do Supremo é o papel político que a Corte assumiu nos últimos anos.

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Para ele, a adoção no Brasil de um modelo de votos sigilosos, como ocorre nos EUA e na França, por exemplo, é inviável. Na Suprema Corte norte-americana, todos os votos são expressados de forma conjunta - ou seja, os ministros discutem a portas fechadas para chegar ao resultado final. A fundamentação de cada voto não é publicada, como ocorre no Brasil. Para Ramos, a dificuldade em adotar o modelo aqui é a falta de tempo para buscar consensos. “A diferença é que a Suprema Corte (dos EUA) julga pouquíssimos casos, menos de 100 casos por ano. No Brasil, são milhares”.

Rabih Nasser, professor de Direito Internacional da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo, explica que nos EUA “apenas os juízes são permitidos na sala de conferências (Justice Conference) para decidir o caso. Todos os magistrados têm a oportunidade de expor os seus pontos de vista sobre o caso”. O nome dos ministros que adotaram cada posição é divulgado só depois da sessão de julgamento.

Na Suprema Corte dos EUA, os votos são formados por maioria ou por unanimidade Foto: J. Scott Applewhite/AP Photo

Basso menciona outros países que seguem esse mesmo sistema: “Reino Unido, Austrália, França. Na maioria dos países em que o Estado democrático de Direito é sólido funciona assim. O Brasil está muito atrasado, porque esse sistema de julgamentos televisionados (exibidos na TV Justiça e nos canais do YouTube das Cortes) deixa a mais alta Corte vulnerável a pressões e à corrupção”. A docente também aponta para a proteção das figuras dos ministros, que, segundo ela, ficam suscetíveis a ataques por causa das suas posições.

Esteves também fala do caso da Holanda. “A decisão final é atribuída à Corte e existe uma forte restrição para que votos dissidentes sejam publicados. Mesmo que um ministro tenha discordado em determinado julgamento, ele é proibido de divulgar seu voto contrário.”

Um dos sintomas dessa exposição dos ministros do STF é a quantidade de pedidos de impeachment protocolados contra eles no Senado Federal. Como mostrou o Estadão, Alexandre de Moraes, que reúne em seu gabinete a maior parte dos processos sensíveis para a gestão presencial passada, tem 40 pedidos protocolados contra si.

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Transparência no STF

O trabalho da Suprema Corte brasileira pode ser acompanhado pelos brasileiros com apenas um clique no controle remoto. Desde agosto de 2002, a TV Justiça transmite ao vivo os julgamentos do Plenário quanto pela televisão quanto pelos canais digitais. Sob a administração do próprio STF, a emissora foi criada após sanção da Lei 10.461/2002, pelo então ministro Marco Aurélio, na posição de presidente interino durante o governo Fernando Henrique Cardoso (FHC).

O site oficial da Corte afirma que o canal tem a função de “preencher uma lacuna” deixada pelas emissoras comerciais em relação às notícias ligadas às questões judiciárias. “A emissora tem como principal objetivo conscientizar a sociedade brasileira em favor da independência do Judiciário, da justiça, da ética, da democracia e do desenvolvimento social e proporcionar às pessoas o conhecimento sobre seus direitos e deveres”, afirma.

Além de assistir as sessões de julgamento, o cidadão também pode acompanhar os votos dos ministros no sistema de julgamento em ambiente virtual da Corte. Na plataforma, são disponibilizadas, em tempo real, tanto o relatório quando o posicionamento de cada magistrado durante as discussões.

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Segundo o STF, a ação tem como objetivo “dar maior transparência e publicidade ao procedimento e permitir que advogados, procuradores e defensores possam atuar nas sessões realizadas por meio eletrônico de forma semelhante à que fariam nas sessões presenciais”.

Entenda a declaração de Lula

Nesta terça-feira, 5, o presidente Lula defendeu que a sociedade não deveria saber os votos dos ministros do STF, como uma forma de controlar a “animosidade” contra as instituições brasileiras. “Se eu pudesse dar um conselho, é o seguinte: a sociedade não tem que saber como é que vota um ministro da Suprema Corte. Sabe, eu acho que o cara tem que votar e ninguém precisa saber. Votou a maioria 5 a 4, 6 a 4, 3 a 2. Não precisa ninguém saber”, disse no programa “Conversa com o Presidente”, live semanal produzida pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

A declaração do petista se deu após o ministro do STF Cristiano Zanin, indicado por ele ao cargo, sofrer críticas pela própria base do PT por posicionamentos contrários a temas considerados progressistas e sociais. Na última semana, nos primeiros primeiros votos na Corte, o magistrado se posicionou contra a descriminalização das drogas e a equiparação de atos de homofobia e transfobia a crimes de injúria racial.

Após o caso, Zanin chegou a receber uma alfinetada do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores, que defendeu a atuação da Corte máxima em prol da “reafirmação dos direitos dos povos originários”, com uma “atuação em defesa da civilização”, quanto à discussão do marco temporal. Após críticas, em um aceno à base de Lula, o magistrado votou contra a tese defendida por ruralistas de que os indígenas teriam direito apenas às terras que ocupavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal.

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