Educação faria mais diferença para o Nordeste do que arrecadação, diz Maílson da Nóbrega

Ex-ministro da Fazenda afirma que é preciso considerar origem das transferências citadas pelo governador de Minas Gerais, Romeu Zema, e defende foco em educação de qualidade

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Foto: Marilia Vasconcelos - 26/9/2021
Entrevista comMaílson da NóbregaEx-ministro da Fazenda

BRASÍLIA - O ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega afirmou, em entrevista ao Estadão, que uma educação de qualidade teria mais poder para reduzir as desigualdades no Nordeste do que a mera transferência de recursos para a região.

Na semana passada, o Estadão mostrou que o Norte e o Nordeste receberam R$ 123 bilhões a mais em transferências da União do que arrecadaram em impostos federais desde 2019, quando passaram a atuar em bloco. Após esse ano, o saldo de recursos para as duas regiões aumentou 15%, enquanto o retorno para Sul, Sudeste e Centro-Oeste caiu 30%.

Os números motivaram o lançamento de uma frente do Sul e do Sudeste para se contrapor ao Nordeste, como anunciou o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo). “Sul e Sudeste vão continuar com a arrecadação muito maior do que recebem de volta? Isso não pode ser intensificado, ano a ano, década a década”, disse Zema em entrevista ao Estadão.

Maílson da Nóbrega foi ministro da Fazenda de 1988 a 1990 e é sócio da Tendências Consultoria Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Se a qualidade da educação tivesse melhorado, seria feito mais para a redução das desigualdades regionais do que a participação da região na arrecadação do bolo tributário nacional”, afirma Maílson, ao falar da manutenção das desigualdades apesar das transferências. “Não é tanto o dinheiro, é a qualidade da educação. Colocar mais dinheiro sem mudar a qualidade não adiantaria nada.”

Leia os principais trechos da entrevista:

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O senhor aponta um erro considerar todas as transferências da União na hora de comparar a situação entre os Estados. Por que?

A transferência para os fundos de participação não têm qualquer semelhança com as transferências voluntárias, que são negociadas. O fundo de participação é composto de recursos que pertencem aos Estados e municípios, não é por que o governo federal quis transferir. Aquilo é direito dos Estados. Por isso, também não haveria como a União estabelecer regras para um dinheiro que pertence aos Estados. Isso existia no passado, na época do regime militar, em que a aplicação dos recursos era feita de acordo com os projetos aprovados pelo governo federal. Era uma interferência indevida, feria a autonomia federativa.

A queixa de governadores do Sul e do Sudeste está com uma premissa errada?

O Zema dá a entender que tudo isso que os Estados do Nordeste recebem do fundo de participação é porque eles articularam, sendo que a articulação foi feita em 1988, quando ainda não existiam essas associações. O valor foi uma negociação que fez parte da própria Constituição. Os Estados do Nordeste apoiaram a reivindicação do Sul e do Sudeste para a incorporação dos impostos únicos sobre combustíveis, lubrificantes, minerais e outros na base do ICMS. Os Estados do Sul e do Sudeste passaram a ter uma arrecadação maior do ICMS e os demais uma arrecadação maior da parte que lhes cabe no Imposto de Renda.

O argumento do governador de Minas Gerais, Romeu Zema, de que as regiões Sul e Sudeste também têm localidades pobres faz sentido?

O argumento é pouco apropriado. Em todo o mundo onde existem mecanismos institucionais voltados para reduzir desigualdades regionais, não se discute se cada unidade mais rica tem ou não regiões pobres também. Na Alemanha, por exemplo, existe uma transferência entre os Estados e os mais ricos transferem uma parte da arrecadação do IVA (Imposto sobre Valor Agregado) para os menos ricos, mas nenhum Estado faz esse questionamento. Estudos mais recentes mostraram que o que vai fazer a diferença para Nordeste e para a Amazônia é a educação. Um estudo bem fundamentado é do economista pernambucano Alexandre Rands Barros no livro Desigualdades Regionais no Brasil Natureza, causa, origens e soluções. Se a qualidade da educação tivesse melhorado, seria feito mais para a redução das desigualdades regionais do que a participação da região na arrecadação do bolo tributário nacional.

É preciso direcionar mais recursos para a educação?

Não é tanto o dinheiro, é a qualidade da educação. Colocar mais dinheiro sem mudar a qualidade não adiantaria nada. Hoje, por exemplo, o Brasil gasta em educação com dinheiro público 6,3% do PIB. Isso é mais do que a média de gasto proporcional dos países da OCDE, que é de 5,8%, e mesmo assim a gente tem uma educação de qualidade lamentável. O Brasil gasta em educação proporcionalmente 1 vez e meio o que gasta a China, que está mandando o homem à lua, está na vanguarda da tecnologia 5G, de reconhecimento facial e é hoje, pelo critério de poder de compra, a economia maior do planeta. Os países asiáticos no geral são a prova de que você pode, com menos dinheiro do que o Brasil gasta, ter uma mudança grande na qualidade da educação.

O modelo atual de distribuição de recursos entre os Estados tem de ser rediscutido?

É um modelo feito em 1988 com uma certa correria, tem que ser discutido, mas é um assunto complexo. O sentido dessas transferências em qualquer país é atribuir aos Estados menos desenvolvidos uma capacidade de ação, sobretudo de investimento, para que eles diminuam a distância que os separam das regiões mais desenvolvidas. Isso merecia um estudo, um debate sério entre todos para discutir se ainda são válidas as premissas que levaram à fixação desse modelo. Eu não tenho certeza se é necessário mudar ou não, mas é possível discutir.

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A reforma tributária está passando ao largo dessa discussão?

A reforma tributária tem a ver com a tributação do consumo. Eu acho que as regiões menos desenvolvidas vão ganhar com a reforma tributária porque são Estados importadores e, como a tributação passa da origem para o destino, teoricamente eles vão arrecadar mais do que arrecadam hoje, por isso, tem uma transição longa de 50 anos. Sem essa regra, não haveria reforma tributária, como não houve no passado. No curto prazo, você teria perdas dos Estados mais desenvolvidos, sobretudo São Paulo. O que faz a reforma: durante 20 anos, nenhum dos membros da federação - União, Estados e municípios - vai ter perda de arrecadação.

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