Cidades paulistas registram 734 obras atrasadas ou paralisadas que já consumiram cerca de R$ 15,4 bilhões dos cofres públicos, segundo levantamento feito pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP). Os custos ainda aumentarão, já que os contratos iniciais dos empreendimentos inacabados giram em torno de R$ 30 bilhões e, segundo especialistas, a demora para a conclusão gera necessidade de atualização contratual, o que eleva o valor das construções.
As obras com algum tipo de problema estão distribuídas em 288 dos 645 municípios de São Paulo e envolvem convênios com governos estadual, federal e municipal. Os dados mais recentes foram publicados neste mês e são referentes ao primeiro trimestre deste ano. Há casos de obras prontas, no entanto, com necessidade de solucionar questões contratuais burocráticas para serem liberadas e que, por isso, aparecem na lista divulgada pelo tribunal. A divulgação dos dados é uma forma de pressionar o gestor público em busca de soluções para evitar maior perda de verba pública, informou o presidente do TCE, Renato Martins Costa (leia abaixo).
São vários motivos apontados pelos gestores para os atrasos. O principal é o inadimplemento das empresas contratadas. São quase 100 construções com problemas diante da incapacidade das contratadas de continuarem os empreendimentos. Na sequência, há apontamento para fatos supervenientes, ou seja, problemas que surgiram após a assinatura do contrato e situações técnicas que surgiram depois da licitação.
A obra mais atrasada em território paulista está em Ferraz de Vasconcelos, na região metropolitana de São Paulo. Com previsão para ser concluída em novembro de 2009, a população aguarda até o momento a entrega de 188 casas populares no programa residencial Morar Bem 2.
Em 2021, quando o empreendimento já contava com 12 anos de atraso, a prefeitura publicou, em seu site, que a obra estava em “ritmo acelerado”. Em 2023, pediu ajuda ao governo de São Paulo para concluí-la. O problema para o andamento da obra começou em 2008, segundo registros do TCE, quando a empresa contratada para a construção entrou em recuperação judicial.
Procurada, a prefeitura de Ferraz de Vasconcelos disse que a licitação para retomada das obras será realizada, de novo, no próximo dia 25. A administração diz que o projeto foi iniciado em 2007, com investimento de R$ 27,3 milhões do governo federal e R$ 2,7 milhões da prefeitura e que, desde o início, enfrentou dificuldades na sua execução. Segundo a prefeitura, a primeira empresa contratada não cumpriu as cláusulas de contrato, houve um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com outra empresa para finalizar as casas, mas esta também não conseguiu cumprir o acordo devido a “dificuldades financeiras”.
Apesar de o TCE-SP não fiscalizar a capital paulista, que é responsabilidade do Tribunal de Contas do Município (TCM), a cidade aparece com 67 obras paradas ou paralisadas de responsabilidade do governo estadual. No relatório, há citação de 24 contratos da Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô).
Entre os empreendimentos, a ampliação da Linha 2-Verde aparece com obras atrasadas, como o trecho da futura estação Guilherme Giorgi. Já foram desembolsados pouco mais de R$ 570 milhões pela obra, que é tocada pela Mendes Júnior Trading e Engenharia S.A.. Segundo o TCE, o valor original do contrato era de R$ 432,7 milhões.
Em nota enviada à reportagem, a direção do Metrô alega que todos os contratos mencionados pelo TCE se referem a obras em execução ou já concluídas. No caso da Linha 2-Verde, se referem a obras de ampliação que estão em execução da Vila Prudente à Penha, com a conclusão prevista até 2027, além do trecho até Guarulhos, em que foram iniciados os projetos executivos. Sobre as demais obras da empresa que aparecem no relatório, o metrô diz que os serviços estão em andamento, com trechos já em funcionamento, ou concluídos do ponto de vista das obras.
Ainda no sistema ferroviário, a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) aparece com 13 contratos avaliados como problemáticos no painel de obras. A mais cara diz respeito a um contrato com a Siemens Mobility, para readequações e ampliação do sistema de suprimento de energia de tração das Linhas 11-Coral E 12-Safira da CPTM. A obra deveria ter sido entregue em agosto de 2015. O valor do contrato é de R$ 110,2 milhões. A previsão de conclusão, agora, é para julho deste ano.
Em resposta, a CPTM diz que as duas linhas já contam com as melhorias implantadas e que as empresas contratadas e a companhia estão em ajustes finais para emitir os documentos para o encerramento do contrato, o que deve se dar em julho.
A CPTM admite que, no ABC Paulista, há ainda obras a serem feitas nas estações Capuava, prefeito Saladino e Utinga (as estações ficam em Mauá e Santo André). No entanto, diz que essas obras estão em áreas exclusivas para funcionários e devem ser retomadas no segundo semestre deste ano. “Dos 10 contratos restantes, 3 continuam paralisados, 3 foram retomados em junho e outros 4 serão retomados no 2º semestre deste ano”, informou a CPTM”.
No relatório, há citação do rodoanel norte, dividido em seis lotes – cinco em São Paulo e um em Guarulhos – como paralisados. A obra, no entanto, voltou a ser executada no fim de abril deste ano, deixando de ser paralisada para atrasada. Isso porque o empreendimento começou a ser implementado em 2013 e deveria ser concluído em 2014. Problemas licitatórios adiaram a retomada da obra na última década. Agora, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), espera que o projeto seja concluído até o final de seu mandato, em 2026.
As obras com problemas envolvem, principalmente, as áreas de educação, urbanismo e saúde, de acordo com relatório do TCE. Na área de segurança, o TCE cita problemas em seis delegacias na capital e no interior. Uma dos casos envolve a reforma do 3º Distrito Policial (1ª Seccional) da capital paulista, na região central. Prevista para ser entregue em julho de 2023, a reforma para acessibilidade “está em fase de conclusão, restando apenas pequenas adequações para a expedição do AVCB e reinauguração do imóvel”, segundo a Polícia Civil.
No interior, a Polícia Civil enfrentou problemas nos últimos anos para tocar reformas. Em Cosmópolis e Nova Odessa, a empresa responsável propôs aditivo, que está sob análise pela instituição. Já em Santo Anastácio, a reforma da delegacia estava prevista para ser entregue em 2015, mas se tornou inquérito policial, após suspeita de irregularidades e, por isso, a gestão municipal não teve interesse em renová-lo. A corporação informou que não foram detectadas responsabilidades por parte de policiais civis.
‘Não há obra mais cara que a obra parada’, diz presidente do TCE
O presidente do TCE-SP, Renato Martins Costa, demonstrou preocupação com a situação em São Paulo. De acordo com ele, há casos de obras paradas que não podem ser aproveitadas, caso os empreendimentos sejam retomados.
“As condições, inclusive, de aproveitamento daquilo que já foi feito, se tornam duvidosas. Um negócio que está parado há tanto tempo, de repente você já fez uma parte do serviço, mas essa parte feita, muitas vezes, não pode mais ser aproveitada. Há uma frase que é muito utilizada. ‘Não há obra mais cara do que a obra parada’, porque você já consumiu parte dos recursos necessários à sua realização”, avalia.
“Em segundo lugar, se você contratou uma obra, é porque ela vai atender a uma necessidade pública, uma necessidade da sociedade local. É outro prejuízo”, completa.
Costa diz ainda que os gestores públicos precisam tomar decisões com intenção de evitar a continuidade de desperdício de verba pública. A depender do caso, a melhor opção, segundo ele, é recomeçar o processo licitatório.
“O melhor, muitas vezes, é você abandonar aquele contrato e relicitar a obra, apurando responsabilidade do motivo da paralisação e, eventualmente, até cobrando esse prejuízo de quem lhe deu causa. O que não pode acontecer é a obra ficar nesse limbo aí, paralisada, sem nenhuma ação do Estado”, diz o presidente.
Em casos em que o corpo técnico do TCE identifica suspeitas de crimes contra a administração pública ou improbidade administrativa, o tribunal encaminha o caso para o Ministério Público de São Paulo apurar eventuais responsabilidades.
Rafael Marinangelo, doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), especialista em direito da construção, contratos de construção e processos licitatórios, afirma que dificilmente os valores de contratos antigos ficarão mantidos com o retorno do andamento das obras.
“O valor com o qual você comprava a brita há dez anos, nove anos, não é o mesmo com o qual você compra a brita hoje. Então, teria que fazer esse ajuste. Também pode acontecer de a administração pública falar: ‘Se eu fizer simplesmente o reajuste, sai mais caro do que se eu fizer uma nova licitação’. Então, a administração pública pode optar por encerrar aquele contrato e aí fazer uma nova licitação”, explica.
Marinangelo diz que a legislação hoje torna inviável financeiramente tirar um projeto do papel se for levado todo o processo em consideração. Ele exemplifica com o trabalho de sondagem do solo, por exemplo, que é caro. “Se fosse fazer tudo que tem que ser feito, ficaria inviável. Então, você faz com algumas estimativas, pesquisas básicas. Isso significa dizer que, eventualmente, pode, de fato ocorrer, no decorrer da execução da obra, que se apresentem situações e você vai ter que adotar outra técnica para superar”, explica.
O especialista finaliza dizendo que a nova lei de licitações, aprovada em 2021, exige uma qualidade maior da gestão dos recursos públicos e uma maior cautela no procedimento que antecede a licitação. “Hoje o administrador público, na verdade, vai ter um pouco mais de trabalho nessa fase que antecede a licitação, mas o objetivo é minimizar esses riscos”, diz.
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