RIO - Estudantes do curso de Geologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) relataram ao Estadão que foram ameaçados por um grupo bolsonarista que bloqueou a Rodovia Presidente Dutra na altura do km 276, em Barra Mansa, no sul do Estado do Rio, nesta segunda-feira, 31. Segundo o relato, por cursarem uma universidade pública os alunos foram identificados como petistas e passaram a ser hostilizados pelos manifestantes. Os ativistas protestam contra a derrota do presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) na disputa com Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na eleição presidencial que se encerrou neste domingo, 30. Mobilizaram-se em vários estados para pedir um golpe militar.
Segundo os estudantes, os ativistas ameaçaram queimar os estudantes. Também conforme os universitários, agentes da Polícia Rodoviária Federal testemunharam as ameaças e não intervieram. O Estadão não conseguiu entrevistar, na noite desta segunda-feira, 31, nenhum porta-voz da PRF sobre essas reclamações de estudantes em relação à suposta omissão de integrantes da corporação quando foram ameaçados pelos manifestantes.
“Nós saímos do Rio às 8h desta segunda, num ônibus da UFRJ, rumo a Uberaba, para fazer um trabalho de campo da disciplina Estratigrafia”, contou por telefone uma aluna que participa da viagem e prefere não se identificar.
Leia mais
A jovem relatou que havia 44 pessoas no ônibus: dois motoristas, dezenas de alunos e alguns professores. O trabalho de campo se estenderia até o final desta semana. Por volta das 10h da segunda, o grupo chegou a um ponto da rodovia onde o trânsito estava parado devido ao protesto dos bolsonaristas. O motorista conseguiu fazer um desvio e chegou perto da barreira onde estavam os líderes da manifestação, na altura do km 276.
“Nós vimos que alguns veículos, principalmente ônibus, eram autorizados a seguir viagem. Então os professores desceram para conversar com os manifestantes e tentar liberar a passagem. Mas eles viram que somos da UFRJ, porque o ônibus é identificado. Aí, em vez de autorizar que seguíssemos viagem, passaram a nos ameaçar, chamar de petistas e filmar”, conta a aluna.
Refúgio em hotel
De acordo com a estudante, os manifestantes não chegaram a entrar no veículo, mas o cercaram e passaram a intimidar os seus ocupantes, que, temendo agressões, não saíram do veículo por horas.
“Ficamos dentro do ônibus até por volta das 16h, quando já estávamos sem água e comida”, conta a estudante. “Então descemos aos poucos, para não chamar a atenção dos manifestantes. Em grupos de quatro, fomos a pé até a churrascaria Pampas, que fica bem perto da barreira.”
Depois de usarem o banheiro e comprarem água, o grupo decidiu seguir a pé até a cidade de Barra Mansa. Os dois motoristas continuaram no ônibus. A estudante conntou que os universitários caminharam cerca de seis quilômetros, apenas com a roupa do corpo e objetos pessoais básicos, em mochilas. A bagagem ficou no veículo. Durante esse trajeto, manifestantes continuaram fazendo ameaças ao grupo.
“Um deles chegou a ameaçar jogar óleo diesel e atear fogo na gente. Todos ficamos com muito medo, e uma colega teve uma crise de ansiedade e começou a chorar”, conta. “Os policiais viram as cenas, as ameaças, e não fizeram nada.”
O grupo andou até um hotel em Barra Mansa, onde estava hospedado na noite de segunda-feira.
“Queremos denunciar a situação porque estamos todos com medo, precisamos de algum tipo de escolta. E nossas coisas ficaram no ônibus, não sabemos se foram roubadas, se alguém colocou alguma coisa ilegal dentro do veículo, para depois nos incriminar.”
Universidade repudia ‘bloqueio e hostilização’
A Reitoria da UFRJ, em nota divulgada na segunda, 31, criticou “a postura da Polícia Rodoviária Federal (PRF)”, que,, segundo o texto, “para não criar conflito com os caminhoneiros manifestantes, não se esmerou inicialmente para que a comunidade acadêmica da UFRJ ali representada pudesse ter o direito a estudar e prosseguisse com sua viagem de trabalho de campo”.
Segundo a universidade, três professores, 30 estudantes do Instituto de Geociências e quatro motoristas estavam em um ônibus e uma van que “foram bloqueados e obrigados a permanecer retidos na Rodovia Presidente Dutra, em Barra Mansa (RJ)” na segunda 31. O texto atribui a ação a ”caminhoneiros manifestantes apoiadores do candidato derrotado, que se posicionam contra o resultado das eleições presidenciais realizadas no último domingo, 30/10″.
A nota diz que os professores orientaram os estudantes a se dividirem em grupos e ir para o hotel mais próximo, apenas com as roupas do corpo e documentos. “Durante o caminho, os estudantes foram xingados, filmados, ameaçados e hostilizados pelos manifestantes, que impediram o direito constitucional de ir e vi., diz o texto”
Na nota, a Reitoria da UFRJ “repudia veementemente o bloqueio e a hostilização protagonizados pelos manifestantes que impossibilitaram os estudantes de prosseguir viagem de pesquisa acadêmica” e se solidariza com os estudantes, professores, motoristas e seus familiares. O texto lembra que a universidade sofreu, em 2022, sucessivos bloqueios orçamentários, chegando a “um estado de penúria financeira” e reclama dos “bloqueios terrestres que impedem o livre tráfego para produzir pesquisas”.
“A UFRJ não permitirá que seus estudantes, professores e funcionários sejam ultrajados e hostilizados e com anuência de outros entes do Poder Executivo” diz o texto. “Caso os estudantes e professores não sejam liberados até terça-feira, 1º/11, a reitora da UFRJ, Denise Pires de Carvalho, irá pessoalmente ao local do bloqueio para diálogo e intercessão junto à PRF para que haja liberação pacífica e imediata do tráfego para minimização dos prejuízos causados à comunidade acadêmica e liberdade do fazer acadêmico. A Reitoria e a Prefeitura Universitária acompanham o caso.”
Na manhã desta terça, 1, a Reitoria atualizou a nota. Informou no texto que os professores e alunos provavelmente desistiriam da viagem a Uberaba e voltariam ao Rio. Segundo o texto, todos estão bem.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.