Pablo Marçal (PRTB) chega às vésperas da eleição com chances reais de ir para o segundo turno na disputa pela Prefeitura de São Paulo, mas, independentemente do resultado, sua equipe e aliados comemoram o que já enxergam como uma vitória: diferente de 2022, quando tentou ser presidente e depois deputado federal, o ex-coach conseguiu transformar milhões de seguidores nas redes sociais em votos e capital político, o que o cacifa como um líder relevante da direita para as próximas eleições.
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Forte na internet, mas sem tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão, Marçal se tornou protagonista da principal eleição municipal do País ao levar ao limite uma estratégia que vinha sendo adotada aqui e ali em debates nas eleições anteriores: para ele, o que importa é a repercussão do que foi falado e não quem apresentou as melhores propostas ou teve o melhor desempenho nas discussões.
Com base nessa lógica, o ex-coach adotou uma postura agressiva e muitas vezes ultrapassou a linha do que é considerado aceitável no embate político para gerar trechos que viralizaram nas redes, obrigando os organizadores a endurecer as regras na reta final da campanha.
O ápice ocorreu na sexta-feira. Com o horário eleitoral gratuito encerrado, Marçal divulgou para milhões de seguidores em suas redes sociais laudo médico falso que apontava que Guilherme Boulos (PSOL) teria testado positivo para cocaína em 2021. O documento apresentava vários indícios de falsificação, como erro no número de RG do candidato e divergência na assinatura do médico, morto no ano seguinte.
A Justiça Eleitoral determinou a retirada das publicações diante da fraude evidente e suspendeu os perfis reservas do ex-coach por 48 horas. As contas principais já haviam sido retiradas do ar no início da campanha sob suspeita de abuso de poder por impulsionamento ilegal de conteúdo.
O terreno para a armação foi preparado por Marçal durante toda a campanha. Ele insinuou repetidas vezes que o psolista era usuário de drogas. O ex-coach também testou os limites da ética ao sacar uma carteira de trabalho para “exorcizar” Boulos, durante debate promovido pelo Estadão, Terra e Faap; ao chamar José Luiz Datena (PSDB) de “jack”, ou seja, estuprador, o que levou o apresentador a lhe dar uma cadeirada; e ao dizer que Ricardo Nunes (MDB) será preso no ano que vem, o que resultou em sua expulsão do debate do Flow; e nos numerosos apelidos que inventou para os adversários como “Bananinha”, “Boules”, “Chatabata” e “Dapena”. As propostas ficaram em segundo plano na campanha, mesmo as mais singulares, como a construção do prédio mais alto do mundo, com um quilômetro de altura, e a instalação de teleféricos nas periferias.
A tática, por um lado, deu certo: ele saiu de 11% das intenções de voto na Quaest ainda na pré-campanha em junho, para o pico de 23% no início de setembro. Agora oscila ao redor de 25% nos levantamentos da maioria dos institutos, crescimento que foi suficiente para chegar às urnas empatado tecnicamente com Nunes e Boulos.
Por outro, a postura levou à disparada da rejeição de Marçal, o que jogou contra a formação de uma onda maior a seu favor, o que empurraria um enorme desafio em eventual segundo turno. Também contribuiu o fato dele não ter tempo de rádio e televisão para responder à ofensiva de Nunes: o prefeito dedicou grande parte do horário eleitoral gratuito para explorar a condenação, prescrita, do rival por fazer parte de uma quadrilha que aplicava golpes bancários em 2005 e as supostas ligações de integrantes do PRTB com o Primeiro Comando da Capital (PCC) — nas redes, coube a Tabata Amaral (PSB) tecer as críticas mais duras.
O candidato até ensaiou uma mudança ao pedir perdão ao eleitorado por suas atitudes nos debates, justificou que precisava chamar a atenção do público para se tornar viável e disse que passaria a adotar “postura de governante” na reta final. Os ataques diminuíram, mas houve recaídas, como a expulsão no debate.
“Não tem como ganhar a eleição com rejeição baixa. Olhem Lula e Bolsonaro, sempre com a rejeição lá em cima e ganharam”, disse Marçal em uma coletiva de imprensa nesta semana. Ele concordou com a avaliação que pode ser mais votado do que preveem as pesquisas por causa do chamado “voto envergonhado”. “Vocês (a imprensa) bateram tanto em mim que as pessoas ficaram com vergonha de falar que votam em mim. Eu peço para vocês não afrouxarem porque está funcionando”, acrescentou ele em entrevista à jornalistas na terça-feira, 1º.
Para tentar mudar o foco, Marçal anunciou nas duas últimas semanas cinco nomes que farão parte de seu secretariado em um eventual governo. Entre eles, Marcos Cintra, ex-secretário da Receita Federal no governo Jair Bolsonaro (PL) e o bolsonarista Filipe Sabará, coordenador de sua campanha e secretário na gestão João Doria na capital paulista. Ele também foi presidente do Fundo Social no governo estadual, mas rompeu com o então governador em 2019.
Mesmo sem o apoio oficial de Bolsonaro, que se aliou a Nunes, Marçal ganhou a simpatia do eleitorado bolsonarista ao se colocar como o candidato antissistema contra o que chama de “consórcio comunista do Brasil”, formado por todos os outros adversários. O candidato do PRTB não rachou apenas a base, mas também a cúpula do bolsonarismo: o deputado federal Nikolas Ferreira (PL), o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles (Novo), e o pastor Marco Feliciano (PL) declararam apoio ao ex-coach.
O próprio Bolsonaro teve uma postura errática durante a campanha. Ele chegou a elogiar Marçal no início, mas alertado por aliados de que o influenciador pode ser um rival na disputa pela Presidência da República, corrigiu o rumo e passou a criticá-lo nos dias seguintes. A ofensiva durou pouco, já que Bolsonaro logo se conteve diante da reação de seus apoiadores nas redes sociais que desaprovaram a ofensiva contra Marçal.
O ex-coach foi um dos poucos, senão o único, a resistir a máquina bolsonarista de destruir reputações, que vitimou Doria, Wilson Witzel, Joice Hasselmann (Podemos) e Alexandre Frota nos últimos anos. Integrantes da equipe de Marçal acreditam que o ecossistema digital criado pelo influenciador e reforçado por parte de milhares de alunos de seus cursos que se transformam em “soldados” nas redes é mais forte e tem mais alcance que a estrutura comandada por Carlos Bolsonaro (PL).
Evidência desse poderio de Marçal é que ele conseguiu ter mais seguidores em sua conta reserva (5,5 milhões) no Instagram do que Nunes (1 milhão), Boulos (2,3 milhões) e Tabata (1,7 milhão) somados. O candidato teve que criar um novo perfil, que acabou retirado do ar neste sábado por causa do laudo falso, após a Justiça Eleitoral suspender suas contas originais em todas as plataformas diante da denúncia de que ele pagou usuários para produzir “cortes” de suas falas e divulgá-los nas redes sociais, o que é proibido pela legislação eleitoral.
Com Bolsonaro ausente, coube a Tarcísio de Freitas (Republicanos) assumir a linha de frente para tentar estancar a migração do eleitorado bolsonarista para Marçal. O candidato do PRTB se irritou especialmente depois que o governador apareceu na propaganda de Nunes para dizer que a ida dele para o segundo turno era o caminho mais fácil para a esquerda voltar ao poder em São Paulo.
Aliados do governador enxergam que as críticas de Marçal a Tarcísio servem não apenas para tentar neutralizá-lo como cabo eleitoral de Nunes, mas também para minar a liderança que o governador tem sobre a direita em um cenário que Bolsonaro está inelegível para disputar a Presidência em 2026.
O entorno de Marçal afirma que a divergência com Tarcísio faz parte do jogo político e demonstra confiança que o ex-coach receberá apoio do governador se passar para o segundo turno. Ao mesmo tempo, nem aliados nem o próprio influenciador escondem o desejo dele se tornar presidente no futuro. A única ressalva que fazem é que Marçal não repetirá Doria, que largou o mandato de prefeito pela metade para se tornar governador e depois o mandato de governador para tentar ser presidente.
“Eu coloquei 12 anos para estar no serviço público. Espero concluí-los e estar nesse lugar que você está imaginando”, respondeu Marçal ao ser questionado pelo Estadão se pretende alçar voos mais altos a partir da candidatura em São Paulo, acrescentando que será “promovido politicamente” depois de cumprir o mandato como prefeito. Seus olhos hoje miram muito além da prefeitura e eventual derrota não o tirará do jogo.
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