Era abril de 1994. O coronel Luiz Perine mandou prender 14 oficiais do batalhão do Guarujá. A turma havia montado uma escala de serviço paralela, e os PMs deviam trabalhar fardados como “fiscais de praia”, em troca do dinheiro de empresários espertalhões. Perine é uma lenda da Corregedoria da PM. Tem no seu currículo o raro fato de ter posto em cana um coronel.
A PM tinha como comandante Francisco Profício: ele concordou com a decisão de recolher o batalhão inteiro. A falta que fazem oficiais como eles nas polícias ajuda a explicar a atual situação da segurança pública no País.
Perine era discreto. E inteligente. Adorava pescar no Pantanal. Morava a maior parte do tempo na sede da corregedoria e – conta um antigo subordinado – não dispensava uma espingarda calibre 12 nas suas andanças. Profício organizou o Centro de Inteligência da PM. Eram avessos à política no quartel.
Recentemente, o coronel Fábio do Amaral, o corregedor da PM, publicou uma mensagem em grupo de WhatsApp sobre Guilherme Boulos, candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo: “Ele não!”. Profício e Perine tinham alergia à esquerda, mas nunca fizeram política partidária. É o corregedor quem deve coibir esses casos. O que fará se um sargento publicar: “Nunes não!”? O prefeito é o candidato do governador Tarcísio. Como punir um e esquecer o coronel?
Uma praga se alastra pelo País e atinge indistintamente as polícias: a invasão da política partidária. Nos Estados governados pelo PT a situação não é diferente. A Bahia de Rui Costa conheceu uma explosão de afagos à PM – uma major foi a candidata petista a prefeito de Salvador. No Ceará de Camilo Santana havia 189 oficiais emprestados para outros órgãos em 2022. E isso enquanto a letalidade policial explode nos Estados.
O coronel José Vicente da Silva lembra um sintoma desse mal: as promoções por merecimento privilegiam oficiais distantes do policiamento territorial. Apenas 20% dos promovidos são de homens dessas unidades. Há oficiais que saem da academia e vão trabalhar em gabinetes de apadrinhados. E por lá ficam, ascendendo na hierarquia.
E, assim, a disciplina vai para o beleléu. E com ela o profissionalismo e a proteção da sociedade, substituídos pela defesa de interesses pessoais. Quando a busca de votos faz o comando proteger PMs acusados de assassinato, achando que o crime organizado se combate à bala, são as facções que comemoram.
Os chefões do PCC não estão mais nas favelas, mas em coberturas de luxo e dirigem Lamborghini e Ferrari. A turma do bangue-bangue da PM não sabe? Houve um tempo em que o corregedor prendia até coronel. Quando falta o exemplo, a tropa se espelha em quem?
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