Deve embarcar hoje em Hamburgo, na Alemanha, e chegar no dia 15 de agosto ao Rio de Janeiro o primeiro blindado Centauro II-BR adquirido pelo Exército Brasileiro. Fabricado pelos italianos do Consórcio Iveco-OTO Melara (CIO), sua torre é equipada com um canhão de 120 mm. Trata-se de um Veículo Blindado de Combate de Cavalaria (VBC Cav), cuja compra faz parte do projeto de modernização das forças blindadas do País. Quando entrar em operação, O Centauro II-BR será o mais poderoso veículo do tipo na América do Sul.
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A chegada da primeira unidade do blindado ao Brasil teve de superar a decisão do governo do primeiro-ministro alemão Olaf Scholz de reter o equipamento no porto de Hamburgo. As autoridades alemãs negaram se tratar de um embargo. A aduana daquele país justificou a medida alegando a falta de uma guia de transporte do Ministério Federal de Assuntos Econômicos e Ação Climática, o BMWK (sigla alemã para Bundesministerium für Wirtschaft und Klimaschutz).
O impasse começou no dia 28 de maio. Fazia quatro dias que a fábrica da Iveco, em Bolzano, no norte da Itália, havia enviado por terra o blindado até porto alemão de Hamburgo, onde a navio o aguardava para trazê-lo para o Brasil, a fim de passar por testes no Centro de Avaliações do Exército (CAEx), no Rio. Segundo a Iveco, os alemães verificaram que o despachante não havia solicitado a autorização de transporte do veículo pelo país. O pedido foi feito ao BMWK, em 31 de maio.
No dia 20 de junho, quando finalmente o blindado devia ser embarcado, a operação foi suspensa. No dia seguinte, a fabricante do Centauro II-BR enviou carta ao Exército brasileiro na qual informava a decisão dos alemães. Esperava-se que tudo se resolvesse em questão de dias, caso tudo dependesse apenas da obtenção da autorização de transporte. Havia a desconfiança de que fatores geopolíticos estivessem por trás da ação da autoridade portuária alemã.
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Em 2023, a Alemanha havia embargado a venda de blindados Guarani do Brasil para a Filipinas. Fabricado pela Iveco em Minas Gerais, o Guarani tem componentes alemães, que precisam de autorização do governo de Berlim para serem vendidos. Pouco antes, o Brasil havia se recusado a fornecer à Ucrânia, uma aliada da Alemanha, armas e munições para enfrentar a invasão russa de seu território.
O conflito no Leste europeu e a ameaça representada pelo regime de Vladimir Putin fez a Alemanha aumentar seus gastos militares em cerca de € 100 bilhões, saltando de 1,3% para 2% de seu PIB. Embora as autoridades tenham negado desde o começo agir por razões geopolíticas, a desconfiança de que a alfândega de Hamburgo se movia em razão do descontentamento do governo Scholz com a política de neutralidade brasileira na Ucrânia aumentou com o tempo.
Havia ainda um outro fator que complicava o episódio. É que o fabricante, conforme o estipula o contrato, tinha até o fim deste ano para entregar as duas primeiras unidades do blindado para os últimos exames. O Brasil assinou em 22 de dezembro de 2022 o contrato de € 900 milhões, que previa a realização desses testes antes da conclusão da compra de outros 96 VBC CAV. Se, por qualquer motivo, esse prazo fosse descumprido, a Iveco seria desclassificada e o 2º colocado na licitação ocuparia seu lugar.
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Para impedir que novas surpresas surjam no episódio, o Exército brasileiro a Iveco decidiram que a segunda unidade do blindado deixará o solo italiano diretamente para o Brasil, sem passar por nenhum outro país da União Europeia. Em vez de sair por um porto da França, como se chegou a cogitar, o segundo Centauro II-BR deve embarcar na Itália no dia 5 e atracar no Brasil no fim do mês.
A chegada dos dois Centauros resolve apenas um dos imbróglios vividos pelo Exército em relação às suas compras. Os militares aguardam a assinatura do contrato para a compra de 36 viaturas blindadas de combate, conhecidas como obuseiros de calibre 155 mm autopropulsados sobre rodas (VBCOAP-SR). A assinatura do contrato foi suspensa no dia 8 de maio, segundo o Exército, para uma nova análise jurídica do Ministério da Defesa.
Mas a verdade é que a escolha do vencedor da licitação que pode chegar a R$ 750 milhões, a empresa israelense Elbit Systems – e suas subsidiárias brasileiras Ares Aeroespacial e Defesa e AEL Sistema – despertou uma reação do Itamaraty e de lideranças petistas, que viram no contrato uma forma indireta de sustentar o esforço de guerra de Israel na Faixa de Gaza. O fabricante ofereceu o sistema Atmos 2000.
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Também aqui suspeita-se que fatores geopolíticos tenham paralisado o processo. Do lado brasileiro, haveria pouca disposição de concluir o negócio enquanto Israel não concordar com o cessar-fogo votado pelo Conselho de Segurança da ONU. Do lado israelense, as necessidades da operação em Gaza e a de seus aliados envolvidos na operação na Ucrânia teriam alongado os prazos de entregas para países como o Brasil.
Foi o que aconteceu com outro equipamento que o Brasil: os mísseis Spike LR2 que o Exército brasileiro recebeu em julho. Uma centena deles chegou ao Rio de uma só vez em um carregamento embarcado em Israel após um atraso de um ano e meio – eles haviam sido comprados pelo Exército brasileiro em 2021 e deveriam ter sido entregues em outubro de 2022 pela Rafael Advanced Defense Systems Ltd. Os Spike LR2 vão equipar uma nova unidade do Exército: a 1.ª Companhia de Mísseis Anticarro Mecanizada (1.ª Cia Msl AC Mec), que fará parte da 11ª Brigada de Infantaria Mecanizada.
A Força Terrestre anunciou ainda a compra de 420 veículos blindados multiuso Guaicurus, um investimento de R$ 1,4 bilhão nos próximos dez anos. Atualmente, o Exército tem 32 desses blindados em serviço – parte deles foi enviada à 1.ª Brigada de Infantaria de Selva, em Boa Vista, Roraima, para enfrentar a ameaça representada pelo exército venezuelano diante da ameaça do regime de Nicolás Maduro de invadir a Guiana.
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E, por fim, em um contrato de cerca de R$ 5 bilhões, o Exército acertou a compra de 12 helicópteros Black Hawk para a aviação da Força. O documento que autorizou a operação foi publicado no Diário Oficial no dia 19. Estava assinado pelo titular da Defesa, o ministro José Múcio e afirmava que a operação seria feita sem “compensação tecnológica, industrial e comercial”. Eles serviriam para manter a atual capacidade aeromóvel do Exército, que dispõe atualmente de quatro Black Hawk e oito helicópteros Cougars – todos chegando ao fim de sua vida útil. O pacote americano inclui ainda a venda de motores para reposição.
Trata-se ainda de um movimento insuficiente. O que cada um desses episódios mostra é que, sem uma base industrial própria, a defesa estará sempre sujeita aos humores estrangeiros. E não há País que possa dissuadir ameaças desses tempos novos apenas aproveitando oportunidades que a competição estratégica entre as potências pode oferecer à demais nações. Existe pouco consenso na Defesa. Mas um deles devia ser: ela não pode ser, primordialmente, um terreno de disputas partidárias e de interesses corporativos.