Enterrada no Senado depois de ser aprovada a fórceps pelo então presidente da Câmara, o então deputado Eduardo Cunha, em 2015, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para redução da maioridade penal será reapresentada pelo deputado federal Ubiratan Sanderson (PL-RS) e deve contar com apoio maciço dos bolsonaristas da Casa.
Sanderson quer uma PEC ainda mais ampla do que a aprovada por Cunha, que previa a responsabilização penal apenas para adolescentes acima de 16 anos que cometessem crimes hediondos. “O jovem de 16 anos pode votar e escolher o presidente da República, portanto, é responsável pelos seus atos. Se ele furta uma goiaba ou se mata alguém”, disse. Ou seja, o deputado quer que a redução da maioridade alcance todos os crimes. Para quem furta goiabas ou quem estupra e mata. “Mas se furtar goiabas, não irá para cadeia, como também não vai quem tem 30 anos e furta goiabas. Apenas ficará o registro do crime”, afirmou.
No passado, a proposta enfrentou resistência não apenas dos partidos de esquerda, mas também das bancadas evangélica e católica, daí porque Cunha contornou as críticas por meio da restrição da mudança apenas para os crimes graves. Tratava-se de proposta semelhante à feita pelo então senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), que condicionava a quebra da maioridade de adolescentes, a partir dos 16 anos, apenas aos casos de crimes hediondos ou graves, segundo pedido feito pelo Ministério Público.
Na mesma época, outro senador tucano – José Serra (SP) – propôs uma alternativa à PEC: mudar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para ampliar o prazo máximo de internação dos adolescentes infratores que cometessem crimes hediondos de 3 para 10 anos. Atualmente, os adolescentes que cometem crimes, como matar uma professora na escola, só podem ficar internados por até três anos, com exceção dos casos de medida de segurança, quando laudo psiquiátrico classifica o jovem semi-imputável ou inimputável.
Sanderson, que é policial federal, disse à coluna ter conversado com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que se mostrou favorável à retomada dessa proposta de Serra. Ela já foi defendida no passado pelo então governador paulista Geraldo Alckmin, hoje vice-presidente da República. “A maioria dos países fixa a maioridade em 16 anos. O mundo mudou. O jovem de 16 anos de 2023 não é o mesmo daquele de 1940, quando o Código Penal foi aprovado”, disse o deputado.
Ele contou que procurou ainda o presidente da Comissão de Segurança do Senado, Sérgio Petecão (PSD-AC). Petecão lhe contou que a proposta aprovada em 2015 pela Câmara foi definitivamente arquivada e não poderia ser retomada. “Vou reapresentar o texto, pois é importante retomar essa discussão.” Para o bolsonarismo, a discussão de pautas como a maioridade penal é uma forma de manter a mobilização de sua base e desgastar ainda mais o governo, como aconteceu em 2015 com a petista Dilma Rousseff.
Apesar da grande repercussão de crimes graves cometidos por adolescentes, de acordo com dados levantados pelo Ministério Público de São Paulo, apenas 3% dos delitos cometidos por jovens de 16 e 17 anos são crimes hediondos. Entre petistas, a estratégia bolsonarista de retomar a pauta de costumes em um momento em que Jair e Michelle Bolsonaro cada vez mais têm o que explicar à Polícia Federal soa como uma forma de desviar os holofotes, como foi o caso da até agora não instalada CPI de 8 de janeiro.
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Sanderson tem ainda outros planos. A comissão está tomada por uma profusão de militares e policiais. São 20 policiais civis e militares e dois oficiais do Exército entre 36 integrantes. A pauta da segurança não será ocupada só pela maioridade, mas por outros projetos que prometem endurecer o cumprimento de pena de presos faccionados, como o que planejado pelo deputado coronel Ulysses (União-AC). A ideia é importar a experiência do código penitenciário italiano, que define por meio do artigo 41 bis, o isolamento das lideranças mafiosas em relação aos outros presos.
Na Câmara, aos poucos, a atual composição vai mostrando suas pautas e interesses. Depois dos anos do presidencialismo de coalizão e do quadriênio do presidencialismo de colisão, o governo vai se dando conta que um novo arranjo tomou conta da Esplanada: o presidencialismo do Centrão. Às vezes, surgirá um fato, como a cassação de Deltan Dallagnol, para desviar a atenção dos debates, das misérias e das confusões da capital federal. Nada, no entanto, que afaste da cidade as suas três tentações: dinheiro, poder e privilégio. A nova Legislatura está só começando.
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