A Polícia Federal havia descoberto documentos que provavam pela primeira vez que o Primeiro Comando da Capital (PCC) entrara no tráfico internacional de drogas, mandando uma missão secreta à Bolívia e ao Paraguai para trazer cocaína e maconha ao Brasil. A notícia bombástica passou quase despercebida naquele dia 30 de março de 2008. A audiência e os leitores de São Paulo e do País só tinham interesse em uma única história: o mistério em torno da morte da menina Isabella Nardoni.
Na noite anterior, a criança havia sido lançada de uma janela no sexto andar do edifício London, em Santana, na zona norte de São Paulo. De imediato, as suspeitas da polícia se dirigiram para o pai, Alexandre Nardoni, e a madrasta, Anna Carolina Jatobá, que ocupariam ininterruptamente as manchetes dos jornais até o dia 1º de maio, quando a polícia prendeu o casal após conseguir na Justiça a decretação de sua prisão preventiva. Dois anos depois, eles seriam condenados pelo tribunal do júri.
Nunca se viu um caso como o da menina Isabella. Não que um infanticídio seja coisa rara neste País, onde a violência da palmada muitas vezes se transforma em fúria assassina. A questão era outra. Antes das redes sociais assumirem a proporção que assumiram, era difícil encontrar uma pessoa na rua que não tivesse o seu veredicto sobre o caso. E invariavelmente, ele era “culpados”. “Foram eles”, gritava a multidão em frente ao Fórum de Santana no julgamento que parou o País. O grito de “Justiça, Justiça, Justiça”, em uma sequência monótona, era repetido de manhã até anoitecer.
Escritores como Ilana Casoy, criminalistas como Luiz Flávio Gomes, centenas de jornalistas que precisavam se revezar no pequeno plenário do 2º Tribunal do Júri buscavam acompanhar cada depoimento e explicação técnica fornecida pelos peritos da acusação e da defesa. Foi no caso Nardoni que surgiu para o público em geral palavras como luminol – a luz que aplicada a uma superfície identifica vestígios de sangue – e shaken baby, a lesão cerebral grave causada normalmente pelos pais, que, irritados com o choro da criança, balançam de forma agressiva.
Todos acompanharam os detalhes e a linha do tempo traçada pelos peritos com base nos telefonemas feitos pelos suspeitos e pelos vizinhos do casal, que informaram à polícia a queda da menina. Tudo se fechava em torno dos Nardoni. Surgiram a delegada Renata Pontes, o promotor Francisco Cembranelli e o advogado Roberto Podval, figuras que se tornaram quase tão conhecidas como os acusados do crime.
Todos estão no documentário Isabella: O Caso Nardoni, exibido pela Netflix. Ele mostra Ilana Casoy contando como tudo isso contribuiu para dar à polícia provas da autoria do delito e o embate entre a defesa e a acusação – Ilana escreveu dois livros sobre o caso, A Prova e a Testemunha e Casos de Família. Arquivos Richthofen e Arquivos Nardoni – e o jornalista Rogério Pagnan, autor do livro O pior dos crimes: A história do assassinato de Isabella Nardoni. Pagnan enfatiza as falhas da investigação e o fato de que desde o começo a polícia dirigia o inquérito para prender o casal.
O enredo do documentário trata de uma história que ainda desperta repulsa, paixões e dúvidas. A falta de confissão dos réus, depois de tanto tempo presos, é mais uma delas; ausência que só se explicaria hoje em dia como a única forma que Alexandre e Anna Carolina ainda dispõe para retomar a vida ao sair da cadeia e poder olhar para os filhos e seus familiares sem o peso da culpa de um delito terrível. De fato, depois de tantos anos, uma confissão retiraria de Alexandre e de Ana Carolina o último fio de sustentação da solidariedade familiar, que se manteve ao longo desses 15 anos: a dúvida que permite aos seus acreditar que o casal foi uma vítima a mais do pior dos crimes.
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