Um dia antes de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ir à festança da entrega da fragata Tamandaré, o almirantado se reuniu no Conselho Financeiro e Administrativo da Marinha (Cofamar) a bordo do navio multipropósito Atlântico, o maior da Armada, em Itajaí (SC). Nas planilhas e nos cálculos da cúpula da Força Naval estavam desenhados os detalhes da maior crise da história recente da Armada.
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O clima da reunião era tenso em razão dos novos cortes do orçamento da Força e foi descrito como “desolador e dramático”. O almirantado estava ali tomando conhecimento das consequências do Decreto de Programação Orçamentária e Financeira nº 12.120/2024. A conclusão do almirantado foi que os piores cenários dos últimos dez anos, de obsolescência da Força, serão agravados. E muito.
Falava-se em naufrágio, paralisia da Marinha. De imediato, os estaleiros de Itaguaí, no Rio, que cuidam do programa de desenvolvimento de submarinos da Força, o Prosub, terão de demitir cerca de mil trabalhadores – já haviam acertado as contas de 200 em maio, após os primeiros cortes orçamentários. Teme-se o êxodo dessa mão de obra qualificada para outros centros de produção naval, dificultando a retomada do projeto.
Haverá ainda atrasos no programa nuclear da Marinha. Aqui existem complicações diplomáticas, pois ele está ligado à construção do submarino à propulsão nuclear, outro objeto do Prosub, feito em parceria com a França. Os almirantes concluíram que, sem os recursos, haverá também impactos nos testes dos submarinos convencionais da classe Riachuelo, assim como no desenvolvimento do míssil antinavio Mansup.
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Não havia clima para festa. Seria a segunda vez que o governo Lula agiria assim. Em 27 de março, reuniu os almirantes e o presidente da França, Emmanuel Macron, para a entrega do submarino Tonelero. Um dia depois do encontro a Força Naval teve bloqueados recursos do orçamento, atingindo o total de R$ 240 milhões no ano, dos quais 83% eram destinados justamente ao Prosub.
Desde 2023, o comandante da Marinha, almirante Marcos Sampaio Olsen, alerta congressistas e o Ministério da Defesa de que, sem os recursos, a Marinha pode parar. Haveria um “naufrágio à vista”. Desde a década de 1980, a Força Naval já perdeu 50% dos meios que integravam a Armada. E nos próximos quatro anos, ela terá de dar baixa em mais 40% da frota (43 embarcações) em razão de ela ter atingido sua idade limite.
Há casos como o corveta Caboclo, que está há 70 anos patrulhando a costa brasileira. E isso em um momento em que o País pede à ONU a ampliação de suas águas jurisdicionais por meio do Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira (LEPLAC). Atualmente, as águas jurisdicionais somam 5,7 milhões de km², a chamada Amazônia Azul. Além deles, há outros 14,7 milhões de km² nos quais o País tem, em função de compromissos internacionais, a “responsabilidade de salvaguardar a vida humana no mar”.
Os almirantes rejeitam soluções simplistas como a venda de alguns imóveis como força de obter recursos para a Força, pois eles não garantiriam nem os recursos suficientes, bem como não permitiram a previsibilidade necessária para esses investimentos. Ou seja, para os almirantes, o quadro aproxima “a incapacidade atual, com forte tendência de piora nos próximos anos, do cumprimento da missão constitucional da Marinha: a defesa da Pátria nos mares e rios”.
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É aqui que entram situações de risco, como a redução dos estoques de munição convencional, de combustível e de sobressalentes, além do aumento do passivo de manutenção – que já é crítico – dos meios navais, sendo que sua maioria é obsoleta. No quadro levado pelos almirantes ao Ministério da Defesa entram ainda prejuízos ao treinamento de militares, com aumento do risco de acidentes, diminuição de inspeções da capitania dos portos e no controle do tráfego aquaviário e na proteção ambiental contra a poluição hídrica.
No dia seguinte à reunião do Cofamar, os almirantes foram ao estaleiro de Itajaí para a cerimônia de lançamento da fragata Tamandaré. E lá ouviram um discurso do presidente completamente diferente dos números. “A Marinha terá quantas fragatas forem necessárias para cumprir a sua missão”, afirmou Lula. Só esqueceu de mandar Fernando Haddad e o Congresso pagarem a conta.
A Tamandaré é baseada no projeto alemão MEKO, executado pela Sociedade de Propósito Específico Águas Azuis. Esta é composta pela alemã Thyssenkrupp Marine Systems, pela Embraer Defesa & Segurança e por sua subsidiária, a Atech. O programa da Marinha, que prevê a construção de quatro embarcações desse tipo, deve consumir R$ 13,8 bilhões até 2030. A Marinha estima que ele criou 2 mil empregos diretos e seis indiretos desde que o contrato foi assinado em 2020.
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Pior. O governo parece ter esquecido que o lançamento da Tamandaré é só o primeiro passo. A estreia do navio vai demorar, pois ele e as outras três fragatas do programa devem ser equipados em sua totalidade com armas e radares, um processo que, no caso da Tamandaré, só deve ser concluído em 2025, quando os primeiros mísseis Mansups estiverem finalmente em ação. Eis a conta que o governo esqueceu de pagar.
Também passou despercebido na conta do governo a falta de recursos para atender as populações ribeirinhas e as comunidades indígenas de regiões isoladas da Amazônia e do Pantanal. Por fim, mesmo atividades como as Ações de Busca e Salvamento (SAR, na sigla em inglês) estariam ameaçadas. Só em 2023, mais de 750 sobreviventes de acidentes marítimos e fluviais foram registrados, segundo o Comando de Operações Marítimas e Proteção da Amazônia Azul (COMPAAz), que supervisiona o serviço.
“Se nós tivéssemos uma previsibilidade, um quantum mínimo com o qual pudéssemos trabalhar, nós poderíamos fazer as nossas encomendas e poderíamos honrar os pagamentos. Nós compramos sem ter a certeza de que vamos pagar”, afirmou o ministro José Múcio Monteiro Filho em audiência pública, na Câmara dos Deputados. Na cerimônia de batismo da fragata Tamandaré, sua mulher, Vera Brennand, madrinha da embarcação, chorou durante a execução da canção Cisne Branco. Foi uma festa de Lula para alemão ver.
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E assim, enquanto bilhões do orçamento são sequestrados por emendas parlamentares de eficiência duvidosa, a Marinha naufraga. O País deve decidir se quer asfaltar estradas nas fazendas de deputados e irrigar os bolsos de empresários amigos ou pôr o dinheiro do contribuinte em projetos estratégicos para o desenvolvimento da Nação. O dinheiro que garante a eleição dos candidatos à sucessão de Arthur Lira e de Rodrigo Pacheco na presidência das duas Casas do Congresso falta para garantir o emprego de mão de obra especializada e para programas que podem trazer desenvolvimento, segurança e bem-estar ao Brasil.