Marco Mânlio Capitolino aspirou à realeza e acabou precipitado da Rocha Tarpeia. É o que Tito Lívio conta no livro VI da História de Roma – Ab urbe condita libri. A República condenou Mânlio, apesar de suas ações nobres, porque – movidas pela “vergonhosa paixão de reinar” – deixavam de motivar recompensa e glória para se tornarem odiosas.

Jair Bolsonaro, como os antigos acusados em Roma, compareceu ao fórum. Sua presença não constrangeu os ministros – Lula não esteve lá quando o STF definiu que os condenados em 2.ª instância deviam ir para o cárcere, antes do trânsito em julgado. Bolsonaro sabe o significado de seu gesto. É de manipular as redes e de explorar meias-verdades que o bolsonarismo é sempre acusado pelos adversários.
A última delas foi o caso da cabeleireira Débora dos Santos, que foi a Brasília se unir aos acampados em frente ao QG do Exército, onde a palavra de ordem era a sediciosa “intervenção das Forças Armadas”. O ataque à sede dos Poderes tinha o fim de ocupá-las para obter a adesão dos militares. Tudo provado à exaustão por centenas de mensagens entre os réus. A cabeleireira tem dois filhos. Uma condenação a 14 anos resultaria em dois de cadeia antes da progressão ao semiaberto.
Aqui é preciso diferenciar dois tipos de reações: a dos que procuram corrigir os excessos de uma Justiça afrontada e pedem aos julgadores equilíbrio e respeito ao estado democrático de direito e a da miríade de oportunistas, que usa o caso de Débora para atacar o dever que a Justiça tem de mandar para a cadeia os golpistas que cometeram o pior dos crimes em uma República: aspirar à tirania e atentar contra as liberdades.

Há políticos que, em vez de se preocuparem com o gangsterismo em suas cidades e Estados, resolveram “salvar” a cabeleireira. Mal conseguem esconder o verdadeiro interesse: herdar os votos de Bolsonaro, o réu que, em breve, será atirado pelo STF, não da Rocha Tarpeia, mas ao malfadado rol dos culpados.
O batom da cabeleireira é parecido com o qual a Procuradoria diz que Bolsonaro escreveu sua participação no golpe. Era chefe supremo das Forças Armadas. Tomou conhecimento da conspiração para anular as eleições. Militares puseram em execução duas operações por fora da cadeia do comando. Iniciariam a empreitada. Bolsonaro não os impediu. Como seria beneficiado, aderiu à conduta. Está no Código Penal: comete-se crime por ação ou omissão. Essa é a lei. Eis o batom de Bolsonaro.
Negar o golpe é como negar o Petrolão. Há muito este País espera uma revolução: a do cumprimento das leis. É isso que os Poderes da República e cada cidadão devem ao Brasil. Quando as leis são cumpridas, nenhuma anistia é “necessária”.