Era dia 11 de abril quando o brigadeiro do ar Eric Cólen, comandante do Centro de Operações Espaciais (COPE) da Força Aérea Brasileira, chegou à Base Peterson, da Força Espacial dos Estados Unidos, em Colorado Springs, no Estado do Colorado. Antiga Space Base Delta 1, é ali que está a sede do U.S. Space Command, a direção da mais nova Força Armada dos Estados Unidos. Criada em 2019, a U.S. Space Force cuida de todas as operações de guerra a cem quilômetros ou mais acima do nível do mar.
Entre as áreas de atuação do US Space Command está o planejamento integrado da defesa antimísseis americana, bem como operações de vigilância do espaço, de guerra eletromagnética, de segurança cibernética, vigilância, reconhecimento e inteligência espaciais, além de guerra orbital. Enquanto isso, a Força Aérea Brasileira criou seu Comando de Operações Espaciais (COMAE), ao qual o COPE do brigadeiro Cólen está subordinado. O brasileiro encontrou-se com o general Brian Gibson, diretor de estratégia, planejamento e política do USSpaceCom.
Do encontro, saiu a assinatura do acordo para que o Brasil mantenha um oficial de ligação na USSpaceCom. É que as ameaças nessa área vindas da China, da Rússia, da Coréia do Norte e do Irã estão fazendo os americanos ampliarem sua rede de parceiros na América do Sul, com os quais compartilham dados da chamada Consciência Situacional Espacial (SSA). Com o Brasil, os EUA mantêm um acordo nessa área desde 2018. No dia 9, eles haviam assinado um acordo com o Uruguai. Agora, negociam ampliar a cooperação na área com Peru e com a Colômbia.
Ao Estadão, o brigadeiro Cólen explicou o que significa a participação do Brasil na chamada SSA. “As informações dos radares de rastreamento do Brasil são utilizadas, ainda de forma embrionária, para alimentar a rede de compartilhamento de SSA que, somadas a outras informações providas por outros operadores de radar e telescópios, compõe o cenário espacial. Cabe destacar que a função primária dos citados radares é o rastreio de lançamento de foguetes.”
A passagem do brigadeiro por Colorado Springs foi descrita pelos americanos como uma “oportunidade a fim de fortalecer a parceria militar EUA-Brasil no domínio espacial”. De acordo com o USSpaceCom, o oficial de ligação brasileiro “fornecerá conhecimentos das forças armadas brasileiras ao USSpaceCom, facilitará as comunicações entre unidades espaciais brasileiras e norte-americanas, apoiará oportunidades de parceria EUA-Brasil relacionadas ao espaço e executará tarefas que são mutuamente benéficas para a cooperação de defesa EUA-Brasil”.
As preocupações brasileiras na área espacial não são estratosféricas como as americanas. A FAB, no entanto, alerta que “o setor espacial está cada vez mais presente na vida da sociedade e nas operações militares”. Ela defende a importância de seu Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE), um programa de uso civil e militar, relacionado ao Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE), com seus sistemas satelitais de comunicações, de sensoriamento remoto, entre outras atividades.
Há muito a Força Aérea defende a necessidade de autonomia nessa área a fim de colocar tais sistemas em órbita, por meios dos centros de lançamento e foguetes. Se a área espacial ainda está longe dos combates em órbita, ela seria importante não só para aumentar a capacidade de se empregar de forma eficiente as Forças Armadas, mas também para apoiar o Estado na segurança pública, hídrica e alimentar, bem como no apoio a operações em desastres ambientais e na gestão patrimonial.
“O desenvolvimento do setor espacial está atrelado à definição dele como um programa de Estado, promovendo o desenvolvimento dos setores acadêmicos, de pesquisa, indústria e operadores de sistemas espaciais”, afirmou o brigadeiro. Para ele, o oficial de ligação no USSpaceCom, possibilitará “maior estreitamento com a US Space Force, o que permitirá a capacitação dos militares do Ministério da Defesa (MD) em áreas críticas do setor espacial e o compartilhamento de capacidades”
Ele cita como exemplo o fato de o Brasil participar atualmente de exercícios e de possuir a capacidade para “integrar uma rede internacional para prover Consciência Situacional Espacial (SSA)”. “Tal capacidade garante a segurança dos satélites que são utilizados pelo MD, provendo alerta sobre a aproximação ou eventual colisão de um artefato espacial com os satélites operados pelo Brasil. O Centro de Operações Espaciais busca ser uma referência na prestação do serviço de alerta de aproximação ou colisão na América do Sul”.
Além disso, segundo a Força Aérea, as informações dos radares que o Brasil opera, atualmente, podem “contribuir com o incremento da segurança das operações de lançamento, bem como na operação dos satélites, evitando que o Brasil ou um parceiro regional perca capacidade espacial em caso de perda do satélite em órbita”. O COPE comandado por Cólen é um dos centros do Comando de Operações Aeroespaciais (COMAE), que tem um efetivo de cerca de 130 militares.
O efetivo espacial brasileiro está dividido entre o COPE e o COPE-S, localizado no Rio. O chamado fornecimento de informações sobre consciência situacional espacial para garantir a segurança de operações de satélites é uma das atividades do COPE. Além dela, ele também é responsável pela operação do SGDC (Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas) em parceria com a Telebras, que provê acesso à internet a comunidades em áreas isoladas e comunicação segura para a Defesa.
O órgão é ainda quem opera os satélites de sensoriamento remoto SAR do sistema Lessonia, responsáveis por “produtos para a Defesa e a diversos órgãos governamentais em apoio ao combate ao desmatamento, garimpo ilegal, pesca ilegal”. O Centro, por meio do PESE, se prepara agora para adquirir e operar satélites de sensoriamento remoto óptico e SAR, descrito pelo militares como “um satélite de comunicação geoestacionário em substituição ao SGDC (primeiro inteiramente controlado pelo Brasil e lançado em 2017) e incremento da capacidade de SSA”.
Os valores, para tanto, não foram publicados. A nova parceria com os americanos surge em um momento em que as Forças Armadas brasileiras se preocupam cada vez mais com a presença de potências extrarregionais em seu entorno estratégico, efeito das disputas econômicas entre EUA e China no Atlântico Sul, bem como da instabilidade criada pelo ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, ao ameaçar tomar a região de Essequibo, da Guiana.
A rede de satélite e o sensoriamento de lançamentos de foguetes são parte da defesa estratégica de países, como mostram os conflitos da Ucrânia e do Oriente Médio. Não basta ter à disposição mísseis táticos de cruzeiro para negar o acesso de seu território ao agressor. É preciso se defender das armas semelhantes de possíveis inimigos. A cooperação entre os países nessa área é parte da chamada diplomacia militar. No Brasil do governo Lula é sempre um desafio conciliar as velhas relações nessa área com as concepções diplomáticas do entorno do presidente E, tudo isso, com as restrições orçamentárias de sempre.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.