O Brasil está preparando a sua primeira geração de míssil anticarro fire and forget (atire e esqueça). Trata-se da versão 4 do MSS 1.2 AC, da Siatt, que deve equipar, a partir de 2027, as novas companhias anticarros do Exército brasileiro. Atualmente, a Força Terrestre tem cerca de uma centena de MSS 1.2, que estão equipando o 18.º Regimento de Cavalaria Mecanizado, em Boa Vista, unidade que foi reforçada para enfrentar a ameaça de uma invasão venezuelana.
Atualmente o míssil da Siatt, responsável ainda pela fabricação do míssil antinavio Mansup, da Marinha, emprega o sistema de guia óptico até o alvo chamado beam-rider no qual o operador é responsável por fazer o trabalho de mira por meio de feixe laser invisível e codificado para que o MSS 1.2 chegue até o carro de combate inimigo. Seu alcance atual é de 2 mil metros.
Uma terceira versão, o MSS 1.3 AC, com alcance de 3 mil metros deve ficar pronta em 2025. E, finalmente, a versão do tipo fire and forget – a quarta – deve estar à disposição do Exército em 2027. Ele deve ter um alcance útil de 4 mil metros. O míssil poderá ser disparado a partir de viaturas blindadas multitarefas leves sobre rodas Guaicurus, fabricadas pela Iveco Defense Vehicles (IDV) – em julho, a Força Terrestre assinou um contrato de R$ 1,4 bilhão com a IDV para a compra de 420 Guaicurus nos próximos dez anos.
O sistema fire and forget prescinde da atuação do atirador depois do disparo e já é adotado pelo americano Javelin e pelo israelense Spike, fabricado pela Rafael - em junho, o Brasil recebeu com um ano e meio de atraso uma centena de Spikes LR 2, que haviam sido comprados em 2022. São os Spike e a versão 2 do MSS, a 1.2 AC, que vão equipar a primeira companhia anticarro montada pelo Exército.
Sua sede será em Barueri, na Grande São Paulo - ela deve ser inaugurada no dia 11 de dezembro sob os olhares do comandante militar do Sudeste, general Guido Amin Naves, e do comandante do Exército, general Tomás Miguel Ribeiro de Paiva. Cada pelotão da companhia, que será agregada à 11ª Brigada de Infantaria Mecanizada, deverá contar com quatro lançadores de mísseis cada um.
A decisão de posicionar a primeira companhia em Barueri se deve à logística. A tropa poderia ser mais facilmente mobilizada e transportada por um KC-390 para qualquer parte do País a partir dos aeroportos e bases da região do Comando Militar do Sudeste. Para um integrante do Alto Comando do Exército, a manutenção do equipamento também é mais fácil do que se ele ficasse baseado na região Amazônica.
A Siatt estima que deve vender mais 150 mísseis para o Exército brasileiro – o Grupo Edge, dos Emirados Árabes Unidos, que adquiriu 50% da Siatt, em 2023, acredita ainda que míssil anticarro brasileiro tenha ainda mercado no Leste Europeu e na África. É aí que entrariam as novas versões planejadas pela empresa e aguardadas pela Força Terrestre.
Outro míssil aguardado por Tomás é o Míssil Tático de Cruzeiro de alcance de 300 quilômetros, projeto que atualmente está a cargo da Avibras, empresa em recuperação judicial e com uma dívida já quase bilionária com trabalhadores e fornecedores. Gigantes estrangeiros do setor desistiram de comprá-la, até em razões de problemas legais ligados à propriedade da empresa. É que para gozar de benefícios fiscais a indústria de defesa deve ser controlada por brasileiros.
Há ainda outras questões legais, pois o projeto do MTC é do Exército e a venda da empresa para estrangeiros poderia suscitar problemas ligados à propriedade intelectual do míssil. Há 15 dias, o Estado-Maior do Exército passou a apostar em uma “solução nacional” para a Avibras. Caso a empresa naufrague, há uma alternativa para o míssil de cruzeiro. A saída pode ser aproveitar o projeto do Mansup, da Marinha.
A atual versão do Mansup tem alcance de 70 quilômetros, mas uma nova versão (ER), com alcance de 200 quilômetros, deve estar pronta em 2025 e custará de 25% a 30% a menos que o seu principal concorrente, o francês Exocet. É a partir de seu projeto que se conseguiria criar um novo míssil de cruzeiro, pois seu sistema de navegação é relativamente mais simples do que o de um míssil antinavio. Mas, por enquanto, nenhuma proposta formal chegou ao Estado-Maior do Exército.
As possibilidades de desenvolvimento da base industrial de defesa com a injeção de capital estrangeiro em empresas que cuidam de projetos das Forças pode ser uma das alternativas para a conclusão e aquisição de novos mísseis e outros equipamentos. Até onde as questões geopolíticas e problemas relacionados à propriedade intelectual e de soberania podem afetar as decisões das Forças Armadas?
A falta de recurso e os cortes orçamentários que afetam os projetos, alongando seus prazos e descumprindo compromissos assumidos com o setor privado, estrangulando possibilidades de desenvolvimento econômico e científico foi o que levou o comandante da Força Terrestre, general Tomás, lembrar na cerimônia do Dia do Soldado, no quartel-general, em Brasília “os efeitos das restrições orçamentárias que atingem a todos”. “Apesar disso, não nos descuidamos da imperiosa necessidade de mais helicópteros, de mais blindados e de mais mísseis.”
Tomás deu seu recado na cerimônia no dia 22, apenas dois depois que Congresso, STF e governo haviam chegado a um acordo sobre as emendas parlamentares no orçamento, que devem consumir mais de R$ 40 bilhões neste ano. Cobrava-se dos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) critérios técnicos e transparência para a liberação dos recursos. O ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa (PT), lutou muito até encontrar uma solução.
A falta de recursos estrangula não só os planos e os projetos sem os quais é impossível executar a estratégia antiacesso e negação de área na Defesa. Falta também dinheiro para emergências. No dia seguinte ao evento em Brasília, foi a vez de o general Amin, no CMSE, se ver às voltas com o fogo que atinge 48 municípios paulistas. Após os incêndios no Pantanal e a cheia no Sul, foi a vez de São Paulo pedir ajuda.
Desta vez, foram mobilizados homens de unidades de engenharia e helicópteros do Comando de Aviação do Exército contras as chamas, aquelas mesmas aeronaves para as quais Tomás pedira mais recursos. A ação no Estado começou a usar mais os recursos das Forças Armadas, em uma semana em que o único incêndio que parecia importante a Rui Costa apagar era o que consumia o Congresso e ameaçava o governo e o STF.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.