EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

As relações entre o Poder Civil e o poder Militar

Análise|O pedido do general Tomás a Lula, e os mísseis de nova geração que devem ser comprados pelo Exército

Desabafo do general no Dia do Soldado expõe as disputas no governo em razão do orçamento, opondo as necessidades políticas de Rui Costa aos planos do Ministério da Defesa para a Força Terrestre

Foto do author Marcelo Godoy
Atualização:

O Brasil está preparando a sua primeira geração de míssil anticarro fire and forget (atire e esqueça). Trata-se da versão 4 do MSS 1.2 AC, da Siatt, que deve equipar, a partir de 2027, as novas companhias anticarros do Exército brasileiro. Atualmente, a Força Terrestre tem cerca de uma centena de MSS 1.2, que estão equipando o 18.º Regimento de Cavalaria Mecanizado, em Boa Vista, unidade que foi reforçada para enfrentar a ameaça de uma invasão venezuelana.

Teste míssil anticarro MSS 1.2 AC feito pelo Exército: armamento vai equipar nova tropa da 11.ª Brigada de Infantaria Mecanizada Foto: Exército Brasileiro

PUBLICIDADE

Atualmente o míssil da Siatt, responsável ainda pela fabricação do míssil antinavio Mansup, da Marinha, emprega o sistema de guia óptico até o alvo chamado beam-rider no qual o operador é responsável por fazer o trabalho de mira por meio de feixe laser invisível e codificado para que o MSS 1.2 chegue até o carro de combate inimigo. Seu alcance atual é de 2 mil metros.

Uma terceira versão, o MSS 1.3 AC, com alcance de 3 mil metros deve ficar pronta em 2025. E, finalmente, a versão do tipo fire and forget – a quarta – deve estar à disposição do Exército em 2027. Ele deve ter um alcance útil de 4 mil metros. O míssil poderá ser disparado a partir de viaturas blindadas multitarefas leves sobre rodas Guaicurus, fabricadas pela Iveco Defense Vehicles (IDV) – em julho, a Força Terrestre assinou um contrato de R$ 1,4 bilhão com a IDV para a compra de 420 Guaicurus nos próximos dez anos.

O sistema fire and forget prescinde da atuação do atirador depois do disparo e já é adotado pelo americano Javelin e pelo israelense Spike, fabricado pela Rafael - em junho, o Brasil recebeu com um ano e meio de atraso uma centena de Spikes LR 2, que haviam sido comprados em 2022. São os Spike e a versão 2 do MSS, a 1.2 AC, que vão equipar a primeira companhia anticarro montada pelo Exército.

Míssil Spike LR2 em teste feito pela Rafael; Brasil recebeu uma centena de Israel Foto: Rafael Advanced Defense Systems Ltd

Sua sede será em Barueri, na Grande São Paulo - ela deve ser inaugurada no dia 11 de dezembro sob os olhares do comandante militar do Sudeste, general Guido Amin Naves, e do comandante do Exército, general Tomás Miguel Ribeiro de Paiva. Cada pelotão da companhia, que será agregada à 11ª Brigada de Infantaria Mecanizada, deverá contar com quatro lançadores de mísseis cada um.

Publicidade

A decisão de posicionar a primeira companhia em Barueri se deve à logística. A tropa poderia ser mais facilmente mobilizada e transportada por um KC-390 para qualquer parte do País a partir dos aeroportos e bases da região do Comando Militar do Sudeste. Para um integrante do Alto Comando do Exército, a manutenção do equipamento também é mais fácil do que se ele ficasse baseado na região Amazônica.

A Siatt estima que deve vender mais 150 mísseis para o Exército brasileiro – o Grupo Edge, dos Emirados Árabes Unidos, que adquiriu 50% da Siatt, em 2023, acredita ainda que míssil anticarro brasileiro tenha ainda mercado no Leste Europeu e na África. É aí que entrariam as novas versões planejadas pela empresa e aguardadas pela Força Terrestre.

O míssil MSS 1.2 AC durante teste. Ele será usado em unidades do Exército em Roraima Foto: Reproduçlão / Exército Brasileiro

Outro míssil aguardado por Tomás é o Míssil Tático de Cruzeiro de alcance de 300 quilômetros, projeto que atualmente está a cargo da Avibras, empresa em recuperação judicial e com uma dívida já quase bilionária com trabalhadores e fornecedores. Gigantes estrangeiros do setor desistiram de comprá-la, até em razões de problemas legais ligados à propriedade da empresa. É que para gozar de benefícios fiscais a indústria de defesa deve ser controlada por brasileiros.

Há ainda outras questões legais, pois o projeto do MTC é do Exército e a venda da empresa para estrangeiros poderia suscitar problemas ligados à propriedade intelectual do míssil. Há 15 dias, o Estado-Maior do Exército passou a apostar em uma “solução nacional” para a Avibras. Caso a empresa naufrague, há uma alternativa para o míssil de cruzeiro. A saída pode ser aproveitar o projeto do Mansup, da Marinha.

A atual versão do Mansup tem alcance de 70 quilômetros, mas uma nova versão (ER), com alcance de 200 quilômetros, deve estar pronta em 2025 e custará de 25% a 30% a menos que o seu principal concorrente, o francês Exocet. É a partir de seu projeto que se conseguiria criar um novo míssil de cruzeiro, pois seu sistema de navegação é relativamente mais simples do que o de um míssil antinavio. Mas, por enquanto, nenhuma proposta formal chegou ao Estado-Maior do Exército.

Publicidade

Projeto de míssil naval Mansup Foto: Divulgação Siatt

As possibilidades de desenvolvimento da base industrial de defesa com a injeção de capital estrangeiro em empresas que cuidam de projetos das Forças pode ser uma das alternativas para a conclusão e aquisição de novos mísseis e outros equipamentos. Até onde as questões geopolíticas e problemas relacionados à propriedade intelectual e de soberania podem afetar as decisões das Forças Armadas?

PUBLICIDADE

A falta de recurso e os cortes orçamentários que afetam os projetos, alongando seus prazos e descumprindo compromissos assumidos com o setor privado, estrangulando possibilidades de desenvolvimento econômico e científico foi o que levou o comandante da Força Terrestre, general Tomás, lembrar na cerimônia do Dia do Soldado, no quartel-general, em Brasília “os efeitos das restrições orçamentárias que atingem a todos”. “Apesar disso, não nos descuidamos da imperiosa necessidade de mais helicópteros, de mais blindados e de mais mísseis.”

Tomás deu seu recado na cerimônia no dia 22, apenas dois depois que Congresso, STF e governo haviam chegado a um acordo sobre as emendas parlamentares no orçamento, que devem consumir mais de R$ 40 bilhões neste ano. Cobrava-se dos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) critérios técnicos e transparência para a liberação dos recursos. O ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa (PT), lutou muito até encontrar uma solução.

O Exército mobilizou 3 aeronaves, modelos Jaguar e Pantera K2 (foto), equipadas com helibalde, para auxiliar no combate às chamas e proteger a população do interior de São Paulo entre as cidades atingidas estão Ribeirão Preto, Piracicaba e Sertãozinho Foto: Comando de Aviação do Exército

A falta de recursos estrangula não só os planos e os projetos sem os quais é impossível executar a estratégia antiacesso e negação de área na Defesa. Falta também dinheiro para emergências. No dia seguinte ao evento em Brasília, foi a vez de o general Amin, no CMSE, se ver às voltas com o fogo que atinge 48 municípios paulistas. Após os incêndios no Pantanal e a cheia no Sul, foi a vez de São Paulo pedir ajuda.

Desta vez, foram mobilizados homens de unidades de engenharia e helicópteros do Comando de Aviação do Exército contras as chamas, aquelas mesmas aeronaves para as quais Tomás pedira mais recursos. A ação no Estado começou a usar mais os recursos das Forças Armadas, em uma semana em que o único incêndio que parecia importante a Rui Costa apagar era o que consumia o Congresso e ameaçava o governo e o STF.

Publicidade

Análise por Marcelo Godoy

Repórter especial do Estadão e escritor. É autor do livro A Casa da Vovó, prêmios Jabuti (2015) e Sérgio Buarque de Holanda, da Biblioteca Nacional (2015). É jornalista formado pela Casper Líbero.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.