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As relações entre o Poder Civil e o poder Militar

O que a morte de reféns por soldados israelenses mostra sobre a operação em Gaza

Quando soldados vão à batalha com a aparente disposição de não fazer prisioneiros, é a civilização que é derrotada

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Foto do author Marcelo Godoy
Atualização:

Em uma guerra, o cansaço e a indiferença permitem ao absurdo e à destruição se misturarem à paisagem sem interromper os afazeres diários dos combatentes. Oficial de artilharia na Frente Ocidental em 1914-1918, o poeta Guillaume Apollinaire explicou em um verso de seus Calligrammes a razão então desse fenômeno: “Car on a poussé très loin durant cette guerre l’art de l’invisibilité”. Eis que se levara longe demais a arte da invisibilidade. Naquela guerra, como em Gaza.

Os reféns sequestrados pelo Hamas e mortos pelo exército de Israel: (da esq. p/ a dir.) Alon Shamriz, Samer Al-Talalka and Yotam Haim  Foto: Arquivo pessoal das famílias Shamriz, Al-Talalka e Haim / AP

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Na semana passada, três reféns do Hamas levantaram as mãos e traziam uma bandeira branca, mas seus gestos permaneceram invisíveis aos soldados de Israel que deviam salvá-los. Os três foram abatidos. Fatalidade? Quando soldados vão à batalha em meio à aparente disposição de não fazer prisioneiros, é a civilização que é derrotada.

Quem não percebeu o alcance daquelas três mortes devia ler o artigo O Custo da Resposta Israelense ao Ataque do Hamas, de Paulo Gomes Filho, coronel do Exército brasileiro. Ou responder à pergunta do cientista político John J. Mearsheimer no artigo Death and Destruction in Gaza. A reação israelense ao terror do Hamas dissemina a rejeição ao sofrimento imposto a civis não combatentes. “O chinês Sun Tzu, autor de Arte da Guerra, destaca que, dentre os cinco erros que podiam ser cometidos por um general estavam a imprudência, que leva à destruição, e a cólera, que leva à precipitação”, lembrou o coronel, antes de questionar: “Estariam os líderes israelenses motivados por uma cólera imprudente?”

Podem-se exibir túneis, armas e a impiedade do Hamas. Sabe-se que ele se mistura a civis e deliberadamente põe em risco a população para causar danos ao Tsahal. Mas o comportamento do terrorista não autoriza Israel a usar quaisquer meios ou métodos de combate para alcançar seus objetivos militares.

Para o coronel, ao optar por ações que alcançam de forma imediata seus objetivos táticos mas causam muitos danos colaterais, Israel pode colher no futuro uma derrota no nível estratégico. “A vitória de Israel, no campo da tática, é questão de tempo. Mas, a conquista dos objetivos militares é só uma parte da operação. Depois dela, virá a mais difícil: estabilizar a Faixa de Gaza e encontrar uma forma para que israelenses e palestinos convivam em harmonia.”

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Ainda que a ideia de um mundo pacífico, embora atraente, não seja prática ou que a sobrevivência seja o principal objetivo das Nações, Mearsheimer endereçou sua pergunta “aos líderes israelenses e à administração Biden”: “Vocês não têm vergonha?” A resposta a ela talvez seja a mesma encontrada por Apollinaire: quando o obus assume a cor da lua é preciso lembrar que existem homens no mundo que não foram jamais à guerra.

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