A tática é uma velha conhecida nos meios policiais: o bandido entregar o que a polícia deseja para tentar evitar uma reação que atrapalhe em demasia os negócios das organizações criminosas. Foi assim que Erickson David da Silva – acusado de matar o policial da Rota Patrick Bastos Reis – se entregou à polícia. A facção criminosa queria evitar o que veio depois: a Operação Escudo, que deixou um rastro de 28 mortes no Guarujá, em 30 dias de ações na Baixada Santista.
Logo que o furto das 13 metralhadoras Browning .50 e oito MAG, de calibre 7,62 mm, no Arsenal de Guerra, em Barueri, na Grande São Paulo, se tornou público, policiais civis do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), de São Paulo, começaram a usar seus contatos para tentar localizar quem estava por trás do crime. Também mandaram um recado a bandidos do Primeiro Comando da Capital (PCC): as armas tinham de aparecer. Enquanto isso não ocorresse, não iriam sossegar.
Um agente do Deic soube que o armamento estava enterrado na região oeste da Grande São Paulo. Um homem que já havia sido preso por roubo a banco estava em contato com os bandidos responsáveis pela guarda das metralhadoras. As investigações do Departamento, comandadas pelo delegado Fabio Pinheiro Lopes, mostravam que os criminosos estavam negociando a venda do armamento ao PCC.
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Lopes manteve durante toda a semana contatos com o general Maurício Vieira Gama, chefe do Estado-Maior do Comando Militar do Sudeste (CMSE). Na quarta-feira, a inteligência do Exército localizou parte das armas no Rio de Janeiro. A Polícia Civil carioca obteve ainda um vídeo no qual quatro metralhadoras .50 e outras quatro MAG eram oferecidas a traficantes de drogas, cada uma por R$ 180 mil.
Foi quando militares e policiais fizeram chegar à cúpula do Comando Vermelho (CV) que a Força Terrestre não ia descansar enquanto o armamento não fosse recuperado. Na gíria policial, os bandidos teriam de “vomitar” as metralhadoras. Isso significava que o Exército estava disposto a cercar comunidades, como fizera em março de 2006 quando, após 12 dias de atuação em 16 favelas cariocas, as tropas recuperaram os dez fuzis e a pistola roubados do Estabelecimento Central de Transportes do Exército.
Na época, o general Hélio Macedo, então chefe do Estado-Maior do Comando Militar do Leste, traçou a tática da Operação Asfixia. Os militares não se limitaram a patrulhar e a ocupar os morros. Controlaram as vias de acesso, verificando documentação e revistando carros. Com isso, os consumidores de drogas não puderam chegar a seus fornecedores. Calculou-se que a ação fez o faturamento dos traficantes cair 70%.
A ameaça de uma nova asfixia fez com que na quinta-feira o CV abandonasse em um carro quatro metralhadoras .50 e quatro calibre 7,62 mm, na Gardênia Azul, na zona oeste do Rio, onde foram recuperadas pela Polícia Civil. Em São Paulo, enquanto o Exército apurava responsabilidades administrativas e criminais de seu pessoal no caso, o mesmo recado foi dado aos bandidos: “Devolvam as armas”.
Foi depois que o aviso chegou aos criminosos que os policiais do 1.º Distrito Policial de Carapicuíba foram informados de que os bandidos estavam transportando o armamento para uma área rural de São Roque, e que elas seriam guardadas ao lado do poço profundo Mombaça, da Sabesp. Para lá os investigadores da delegacia se dirigiram e encontraram nove metralhadoras, depois de pescá-las em um lamaçal. Ali estavam cinco Browning .50 e quatro MAGs. Dois bandidos fugiram.
Falta agora encontrar quatro metralhadoras de calibre .50. “Os interessados na compra desse armamento são ligados à facção criminosa (PCC)”, afirmou o delegado Julio Guebert, diretor do Departamento de Polícia Judiciária da Macro São Paulo (Demacro). Para ele, essas armas viraram uma “batata quente” nas mãos dos bandidos. “Nós vamos até o fim. Vamos identificar os envolvidos na compra e na venda dessas armas e trabalhar para recuperar as armas que faltam.”
Não só. O CMSE pôs de sobreaviso todo o efetivo da 11ª Brigada de Infantaria Mecanizada e da 12ª Brigada de Infantaria Leve (Aeromóvel). Ou seja, quem estiver em casa deve se manter em condições de se apresentar ao quartel a qualquer momento. Entre as unidades que podem cumprir buscas e apreensões no âmbito do Inquérito Policial Militar (IPM) do caso, estão o 4.º Batalhão de Infantaria Mecanizada (4.º BI Mec) e o 8.º Batalhão de Polícia do Exército.
O general Maurício passara a madrugada de sábado e a tarde organizando as ações para recuperar as armas. O Exército se sente ultrajado diante do maior furto de armas em um quartel desde que o capitão Carlos Lamarca deixou o 4.º Regimento de Infantaria com 63 fuzis, três submetralhadoras e uma pistola, em 13 de fevereiro de 1969. É difícil para oficiais acreditarem que a retirada das 21 metralhadoras tenha sido possível. Uma reserva de armas não é um depósito de virabrequins.
“O Exército não vai parar enquanto as armas não forem todas recuperadas”, afirmou o general à coluna. Eis mais um recado para os bandidos que ainda mantém 4 metralhadoras. O general afirmou que vai estabelecer as responsabilidades, tanto as do público interno quanto as de pessoas de fora da Força que tenham se envolvido no furto e venda das armas.
Foi assim no Rio em 2006. E também foi assim em Caçapava, em 2009, quando sete fuzis foram roubados do 6.º Batalhão de Infantaria Leve (6.º BIL). O general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, hoje comandante do Exército, conhece a área. Ele comandou a 11ª Brigada e o CMSE. Já quinta-feira, Tomás determinou o afastamento do tenente-coronel Rivelino Barata Batista de Sousa. Engenheiro militar, ele foi recriminado por deixar que acontecesse tamanha falta de segurança no arsenal. E foi só o começo.
As primeiras prisões decretadas pela Justiça Militar em razão do delito devem sair ainda nesta semana. Além disso, 20 oficiais e praças podem ser punidos disciplinarmente. Eles tiveram de apresentar suas defesas e estão sujeitos a prisão de até 30 dias.”Esses militares não cometeram crime, mas foram negligentes”, disse o general. Ele disse ter certeza de que, sem o interesse de bandidos de fora do quartel, os militares envolvidos no crime não teriam furtado as metralhadoras.
A situação só não foi pior porque as metralhadoras furtadas eram, segundo o Exército, “inservíveis”. Ou seja, elas tinham defeitos tão complexos que não compensava financeiramente consertá-las. De fato, só os casos graves são encaminhados aos arsenais de guerra do Exército – armas com defeitos menores são consertadas nos batalhões de logísticas. Isso dificultou a venda das metralhadoras para as facções criminosas, pois seria necessário gastar mais dinheiro – e também expertise – para consertá-las.
Talvez nada disso fosse um verdadeiro problema para o PCC, um grupo que nasceu em 1993, no anexo da Casa de Custódia de Taubaté. Eram seis presos ao todo. Aos poucos, ele se espalhou pelo sistema prisional e, depois, pelas ruas de São Paulo. O Estado negou sua existência durante anos. Quando despertou para o problema, era tarde: os seis homens se haviam transformado em milhares. Hoje, só com o tráfico internacional de drogas, a facção fatura mais de R$ 1 bilhão por ano, dinheiro que mantém o seu poder, corrompe agentes públicos e compra armas. Até mesmo do Exército.
Correções
Diferentemente do que dizia versão anterior, o general Tomás Paiva comandou a 11ª Brigada e não a 12ª Brigada
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