Um dia depois de a vitória do republicano Donald Trump ser conhecida, em uma cerimônia em Doral, na Flórida, o almirante Alvin Holsey assumiu o U.S. Southern Command, o Comando Sul das Forças Armadas americanas. O primeiro oficial afro-americano no cargo foi escolhido para substituir a primeira mulher que o ocupou, a general Laura Richardson.
A mudança de guarda revelou não apenas a reafirmação do discurso que Richardson fez nos últimos quatro anos. Mas uma ênfase na ideia de sobrevivência, de luta escatológica entre competidores pelo poder global. Holsey tratou em seu discurso à plateia composta principalmente por militares da “competição estratégica” com Rússia e China. “Nossos adversários estabeleceram uma forte presença, colocando em risco a estabilidade da segurança, em toda a América.”
De acordo com ele, “a República Popular da China e a Rússia são concorrentes que buscam minar a democracia enquanto ganham poder e influência na região”. Além delas, segundo ele, existem outras ameaças: “as organizações criminosas transnacionais criam o ambiente permissivo ao minar o estado de direito e interromper funções legítimas do governo”. E incluiu em sua lista “a migração e as mudanças climáticas”. “Democracias erodidas pela segurança alimentar e hídrica”.
Holsey queria se fazer entender pelos seus homens e pelos observadores estrangeiros. Disse: “Entender-me é entender a essência da sobrevivência. Toda manhã na África, uma gazela acorda, ela sabe o que é correr mais rápido que o leão mais rápido ou ser morta.” E concluiu: “A gazela mais lenta morre. Quando o sol nasce é melhor você estar correndo”.
Ele se dirigiu ainda aos observadores estrangeiros, muitos dos quais oficiais de ligação de Forças Armadas da América Latina. “Todos os homens e mulheres são chamados em uma rede inescapável de mutualidade amarrada em uma única veste do destino. O que afeta um diretamente afeta a todos, indiretamente. Essas são palavras do doutor Martin Luther King Jr. Acho que elas falam muito hoje enquanto penso sobre esta região.”
Para ele, estabelecer parcerias é a melhor forma de vizinhança. É preciso contar com uma segurança e preocupações econômicas compartilhadas. “Estaremos sempre lá para Nações com ideias semelhantes que compartilham nossos valores, nossa democracia, o estado de direito e os direitos humanos.”
O secretário de defesa do EUA, Lloyd J. Austin III, esteve na solenidade e também ressaltou o que chamou de “o poder das parcerias dos EUA em reforçar valores compartilhados em todo o Hemisfério Ocidental”. Austin disse sobre o Comando Sul: “Sua (área de responsabilidade) também inclui desafios urgentes de segurança, incluindo crimes transnacionais, migração irregular, arrecadação de fundos por grupos terroristas transnacionais e desastres naturais alimentados pelas mudanças climáticas. E assim, em todos os níveis, a missão do Southcom está perto de casa.”
Durante o comando de Richardson, a general americana se tornou uma das principais interlocutoras com governos da região, sendo recebida por presidentes como Javier Milei, da Argentina, e Gustavo Petro, da Colômbia. Durante seu comando, Richardson, o Southcom conduziu 24 exercícios conjuntos e treinou junto com quase 40 mil militares de mais de 30 países. De acordo com Austin, esses exercícios “fortalecem a interoperabilidade”.
“Eles promovem a confiança e criam parcerias mais fortes em toda a região. E isso deixa todos mais seguros. Esses laços são cruciais à medida que os EUA e seus parceiros respondem a crises emergentes.” O secretário citou ainda o apoio do Comando Sul à missão da ONU, liderada pelo Quênia, no Haiti. “Juntos, ajudamos a restabelecer a segurança no aeroporto de Porto Príncipe. E isso permitiu que as forças de segurança do Quênia e de outros países chegassem com segurança ao Haiti”, disse Austin. “E continuaremos a apoiar as forças de segurança haitianas enquanto elas restabelecem a segurança e a estabilidade para o povo haitiano.”
Os EUA consultaram o Brasil sobre o envio de tropas para o Haiti, o que foi recusado, desta vez, pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva – o país manteve tropas no país caribenho de 2004 a 2017. Por fim, Austin tratou da competição com a China e a Rússia, dizendo que a primeira tenta expandir sua “influência maligna” na região – termo usado diversas vezes pela general Richardson –, o que ocorreria por meio da exploração da insegurança e da necessidade de investimentos econômicos na área.
Ao se despedir do cargo, a general Richardson voltou a tratar da China e de sua influência na América Latina e as tentativas da Rússia de espalhar desinformação na região. “Este é um chamado à ação. E esta é uma luta entre democracia e autocracia. É simples assim. Nossa ordem internacional baseada em regras está em jogo, e temos que permanecer unidos como uma democracia de equipe.” Por fim, Austin afirmou que os EUA trabalham para fortalecer “parcerias plenas e respeitosas enraizadas em nossos valores compartilhados de democracia, direitos humanos e oportunidade para todos”.
Resta saber se o Pentágono manterá essa direção durante o governo Trump. E como os EUA reagiriam a uma expansão da Nova Rota da Seda na América Latina. O dinheiro chinês é uma realidade. E o nacionalismo de Trump parece mais inclinado a exercitar os músculos do que as palavras. As ideia do almirante Holsey poderão ser breves, como seu comando. Enquanto o mundo se rearma, muito no Brasil parecem acreditar que nada disso vai afetá-los.
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