Trinta e cinco parlamentares bolsonaristas, como os deputados federais Carlos Jordy (PL-RJ) e Carla Zambelli (PL-SP), pediram na quinta-feira, 20, a prisão do general Marco Edson Gonçalves Dias, o G. Dias. O militar foi defenestrado rapidamente pelo governo em um movimento que sugeriu haver alguma responsabilidade do oficial com o assalto às sedes dos Três Poderes. A oposição aproveitou o caso para acusar uma suposta conivência petista com a fracassada intentona do dia 8 de janeiro. E contou com uma ajuda inesperada: a ação da primeira-dama Rosângela Lula da Silva, a Janja, para derrubar o general.
Pessoas próximas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os militares têm visões distintas, mas complementares, sobre os fatos, pois as razões para a queda de G. Dias parecem múltiplas. Ele era o único general de confiança de Lula. Daí porque foi nomeado para o Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Se cometeu um erro na primeira semana de governo, foi o de não ter nomeado rapidamente para o GSI uma equipe de confiança para evitar ser pego de surpresa no dia 8. Colegas lembram que ele “não tinha equipe”.
Também agiu de forma temerária ao se dirigir sem escolta ao Palácio do Planalto invadido por criminosos na tarde do dia 8. As imagens agora liberadas das câmeras do prédio e exibidas pelo Estadão mostram o general chegando ao terceiro andar do Planalto às 16h19. Quando a porta do elevador se abre, o ministro percebe que o corredor está tomado pelos vândalos e se assusta. Aperta o botão e desce sozinho para a entrada do edifício, onde é flagrado por outra câmara, um minuto depois. O então ministro estava só. E sozinho não poderia deter ninguém. Eis a prova da temeridade que representou sua ida ao palácio.
Naquele momento, o Planalto era um local de crime e, como tal, só admitiria um tipo de conduta: a prisão imediata dos bandidos que depredavam o patrimônio público e tentavam até roubar um caixa eletrônico. Todos os que adentraram ao palácio teriam o mesmo desígnio: a “tomada do poder”, a consigna compartilhada pelos vândalos nas redes sociais. Não há dúvida para os investigadores da Polícia Federal quanto ao dolo dos criminosos. Todos concorreram para os resultados ali observados. A questão para a PF é separar a incompetência – a falha de quem devia proteger o prédio e não o fez – da omissão de quem, sendo do GSI ou da PM do DF, assumia os mesmos desígnios dos atacantes.
O desempenho de G. Dias durante a crise ficou exposto no depoimento aos delegados federais Raphael Soares Astini, Vinicius Barancelli e Alexandre Camões Bessa. Ele disse que desconhecia informações produzidas pela Abin, bem como o fato de o coronel Alexandre dos Santos Amorim, coordenador de Avaliações de Risco do GSI, ter classificado o evento do dia 8 como “risco laranja”, conforme revelado pelo ex-comandante militar do Planalto, general Gustavo Henrique Dutra de Menezes (leia aqui a íntegra do depoimento de G. Dias). Ou bem o general foi boicotado pelos subordinados ou bem não procurou de forma ativa se inteirar do que se preparava para aquele fim de semana em Brasília.
O depoimento de G. Dias à PF traz ainda revelações preciosas. A primeira é a de que os delegados estão seguindo a trilha das declarações do general Dutra. Dutra entregou a eles um documento que prova que a Segurança Pública do Governo do Distrito Federal (GDF), então comandada pelo ex-ministro da Justiça Anderson Torres, excluiu o Comando Militar do Planalto (CMP) e o GSI do plano de segurança para o dia 8. A pasta de Torres avisou a segurança do Congresso e a do Supremo, mas, de forma suspeita, deixou a sede do Executivo de fora. G. Dias afirmou que isso não era comum e citou como exemplo a operação para a posse de Lula, quando o CMP e seu gabinete foram convocados para as reuniões do GDF.
Sobre isso, seu depoimento registra: “Respondeu achar um absurdo o GSI não ser convidado para participar da reunião na Secretaria da Segurança Pública do DF, onde foram delimitadas, no Plano de Ações Integradas (PAI), as atribuições das instituições de Estado”. De acordo com ele, seu gabinete sempre é convidado a participar desses planos. “Inclusive participou da reunião para a elaboração do PAI referente à posse presidencial; que esses convites sempre existem quando há manifestações”, afirmou aos delegados.
Segundo G. Dias, o general Carlos Feitosa, da Secretaria de Coordenação da Segurança Presidencial, do GSI, era quem deveria ter sido convidado. Homem de confiança do antigo ministro-chefe do gabinete, general Augusto Heleno, Feitosa já foi ouvido pela PF, que queria saber por que o reforço para a guarda do Planalto enviado pelo CMP no dia 6 foi dispensado pelo GSI no dia 7. No momento da invasão, havia cerca de cem homens para proteger a sede do Executivo. No fim da tarde, o efetivo havia subido para 1.007.
A dispensa do reforço ocorreu apesar, segundo G. Dias, da adoção no dia 6 do Plano Escudo, de proteção aos palácios, “dentro do nível de criticidade avaliado pela Secretaria de Coordenação de Segurança (...), coordenada pelo general Feitosa”. Para o general, houve um “apagão da inteligência”, pois ninguém teria detectado o perigo da chegada de mais de uma centena de ônibus a Brasília para a “tomada do poder”.
Por fim, G. Dias afirmou que, apenas quando já estava no Planalto, retirando os vândalos dos quarto e terceiro andares, é que ligou para o coronel Wanderli Baptista da Silva Júnior, para requisitar o auxílio da Tropa de Choque da PM na prisão dos bandidos. E disse que, se tivesse visto o major do GSI José Eduardo Natale de Paula Pereira entregando água mineral aos vândalos, teria dado voz de prisão ao oficial. Nomeado por Jair Bolsonaro para o GSI, Natale afirmou à CNN que não tinha como prender sozinho os criminosos. Mas também não precisava confraternizar. Até em uma guerra há um limite em que a colaboração do prisioneiro com seu captor o transforma em um traidor. Essa é outra questão que a PF está analisando.
Aos fatos ligados ao desempenho de G. Dias na pasta, um outro se somou e definiu o destino do general: a pressão feita contra o militar pela primeira-dama. Foram Janja e sua sensibilidade para as redes sociais o peso decisivo na balança para derrubar o ministro, o primeiro do governo. Sua antipatia pelo general era conhecida por petistas desde a campanha de 2022. Mesmo assim, ele se tornou o único homem de confiança de Lula a superar as cabalas de Janja e a obter um lugar no palácio. Sua queda ocorre apesar de o presidente, desde 8 de janeiro, saber do próprio general que ele estivera no Planalto, então tomado por “malucos”.
Petistas dizem que este foi só mais um episódio em que Janja conseguiu afastar do núcleo palaciano antigos conselheiros de confiança de Lula. Nessa conta estariam o ex-coordenador de campanha e ex-ministro Luiz Dulci, o jornalista Franklin Martins, o amigo Paulo Okamoto e o ex-senador Aloizio Mercadante, todos distantes do Planalto. Até mesmo Gleisi Hoffmann, a presidente da legenda, já sofreu com a ação da primeira-dama, cuja força no cotidiano do palácio ameaça transformar o Planalto na “Casa da Janja”, onde só se entra com a permissão de sua dona.
Nenhum dos antigos colaboradores restou a Lula para evitar gafes ou diminuir crises. Janja interfere em tudo, como verdadeira especialista em generalidades – das taxas para o comércio internacional às atividades da inteligência, passando por tudo o que é pop nas redes sociais. Se a atividade da primeira-dama causa tal rebuliço, deve-se buscar sua origem em quem lhe dá esse poder: Lula. Um general disse à coluna: “Cachorro late, gato mia e passarinho canta. Quando passarinho começa a ladrar, é bom desconfiar”. Lula, um político com seus 77 anos, parece ter esquecido a velha sabedoria popular.
PS.
Enquanto o País discutia as novas imagens das câmeras do Palácio do Planalto, o capitão Danilo Rafael Alcarde deixou a sede de sua companhia, a força tática do 4.º Batalhão da PM paulista, para rondar como um soldado as escolas da zona oeste paulistana. Por volta das 14h30, estacionou na Avenida Pacaembu e foi fazer mais uma visita. Nas casas de todo o País uma preocupação incomodava pais e mães naquele dia: a segurança escolar. O medo tomou conta de alguns e o receio de muitos. Mas o capitão foi às ruas como se desejasse provar que ainda existe um Estado organizado em torno do bem-estar comum e não dos interesses de uns poucos, que não se veem como participantes de um mesmo destino, o do povo brasileiro. O capitão não ganhou medalha, nem as crianças e professores se viram ameaçados. Mas todos chegaram à noite com uma sensação incomum: estavam em um mesmo barco.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.