BRASÍLIA – A comissão do Supremo Tribunal Federal (STF) que busca um acordo sobre a Lei do Marco Temporal pode avançar em uma alternativa quanto à questão da temporalidade para demarcação de terras indígenas. O juiz auxiliar do gabinete de Gilmar Mendes, Diego Veras, que conduz a conciliação, propôs aos proprietários de terra, povos indígenas e representantes de municípios e do Congresso presentes na mesa conciliatória que se estabeleça uma forma alternativa quanto à existência ou não do marco temporal para demarcação das terras indígenas.
“Para que não fiquemos nesse diálogo de quem é a última palavra, mas avancemos em um diálogo que minimize os pontos de conflito, tentaremos estabelecer outra forma nem dizer que tem (marco temporal) e nem dizer necessariamente que não tem”, afirmou Veras durante a audiência de conciliação realizada nesta segunda-feira.
A tese do marco temporal é o principal ponto de discordância entre proprietários rurais e comunidades indígenas sobre a demarcação das terras. A lei aprovada no Congresso no último ano prevê que sejam passíveis de demarcação apenas terras ocupadas pelas comunidades indígenas na data de promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.
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Já o Supremo Tribunal Federal derrubou a tese do marco temporal durante o julgamento, decidindo que o marco é inconstitucional. “É claro que a decisão do Congresso conflita com a visão do Supremo. Como devemos resolver esse impasse? Com o Supremo reafirmando sua jurisprudência ou o Supremo estabelecendo nova forma de entendimento ou devolvendo ao plenário do Supremo para a modificação do tema?”, questionou Veras.
De acordo com ele, o ministro Gilmar Mendes, relator das ações que questionam a lei do marco temporal, a sinaliza que pretende reafirmar a jurisprudência da Corte em relação ao tema, ou seja, de inexistência do marco temporal. “Do ponto de vista do Supremo, a sinalização é dizer que não tem marco temporal. Mas pensemos em estabelecer outra forma, pois ambos lados precisam de segurança jurídica. Seja do ponto de vista do Congresso ou do ponto de vista dos povos indígenas seria necessário outra forma de resolver o conflito de acordo com as próprias balizas que o Supremo definiu″, defendeu Veras.
O juiz citou ainda a possibilidade de seguir o entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que também não prevê a existência do marco temporal. “Do ponto de vista internacional e internos, não há sinais de que exista em qualquer outro dispositivo sinais de marco temporal para demarcação”, acrescentou o juiz auxiliar de Gilmar Mendes.
As audiências da mesa conciliatória da Suprema Corte iniciaram em 5 de agosto e se estendem até 18 de dezembro. O objetivo do colegiado é apresentar ao Congresso Nacional um anteprojeto de lei quanto à lei atual do marco temporal em comum acordo entre os autores dos partidos que judicializaram a lei no Supremo, a União, Estados e municípios. Ao final, o texto será enviado para homologação do plenário do Supremo, e depois, se avalizado pela Suprema Corte, será remetido para apreciação do Congresso.
Na audiência de conciliação, os juízes auxiliares do ministro Gilmar Mendes ressaltaram que qualquer resultado da comissão precisa seguir as diretrizes da Corte Interamericana de Direitos Humanos. “O Brasil poderá ser condenado pela existência de um marco temporal”, disse o juiz Diego Veras, que conduz a conciliação. “Precisamos de alinhamento sob pena de embargos comerciais e financeiros”, afirmou.
Veras destacou que o Supremo já decidiu pela inexistência de um marco temporal para a demarcação de terras indígenas e sugeriu que a comissão discuta três pontos da lei: a compensação dos proprietários (se pode ser feita por reassentamento, desembolso pela União ou permuta, por exemplo), o direito de retenção da terra pelo proprietário até o pagamento da indenização e a inclusão de alternativas como “posse indireta”.
De acordo com o juiz, esses são “nortes que deveríamos trabalhar para chegarmos a um denominador”. “Não adianta o Brasil vir com cenário diferenciado em relação ao que os outros países já fazem”, acrescentou. “Não tem como conduzirmos um debate sério no Brasil sem levarmos em consideração essas convenções”, disse o juiz Lucas Faber, auxiliar de Gilmar que também participa da comissão. O Brasil é signatário da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que estabelece uma série de normas para a proteção dos povos originários.
Faber lembrou que a Corte Interamericana dos Direitos Humanos não trabalha com a ideia de marco temporal, mas que tem precedente de exploração econômica de terras indígenas, desde que vinculada a certos parâmetros. O juiz afirmou que o tema é “tabu”, mas que pode ser discutido no âmbito da comissão.
“No entendimento do ministro Gilmar, o que deveria ser feito: pouco importa se há marco temporal, vamos estabelecer salvaguardas de que haja segurança jurídica: rapidez na solução, que só saia da terra após indenização, e indenização a valor de mercado”, disse Veras.
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