A decisão da ex-prefeita Marta Suplicy de deixar cargo na Prefeitura de São Paulo, sob administração de Ricardo Nunes (MDB), para se filiar ao PT e se colocar como vice de seu principal concorrente, o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL), pode permitir que o psolista explore um potencial de votos que não conseguiu alcançar quatro anos antes na disputa municipal.
Na última vez que concorreu à administração municipal, em 2016, ainda que tenha ficado apenas em quarto lugar e com potencial bem distante do que obteve em 2000, quando elegeu-se prefeita, Marta registrou importantes votações em regiões onde nem os candidatos petistas que a sucederam nas corridas seguintes, nem Boulos avançaram tanto em primeiro turno. Além disso, as melhores votações de Marta naquela disputa de oito anos atrás se deram justamente em locais onde o eleitorado de Ricardo Nunes parece mais fiel.
Em 2016, no ápice de sua desavença com o PT após votar a favor do impeachment de Dilma Rousseff, Marta Suplicy, pelo MDB de Nunes, teve mais votos que o candidato do PT, o na época prefeito Fernando Haddad, em sete zonas eleitorais: Capela do Socorro, Guaianases, Grajaú, Parelheiros, Perus, Jaraguá e Cidade Tiradentes. Em toda a cidade, o petista teve 16,7% dos votos, contra 10,2% de Marta, que terminou em quarto, atrás ainda de Celso Russomanno, do Republicanos.
O resultado mais surpreendente de Marta foi no Grajaú e em Parelheiros, onde teve 37% e 31% dos votos válidos. Esses foram os únicos lugares onde João Doria (PSDB), eleito em primeiro turno daquela corrida eleitoral, perdeu para algum adversário na disputa. Haddad, que tentava a reeleição, não bateu o adversário em nenhuma localidade.
Quatro anos depois, o candidato do PSOL, Guilherme Boulos, mesmo com 20,24% dos votos no primeiro turno, também não conseguiu uma votação tão expressiva quanto Marta nessas duas zonas eleitorais. Ele teve 20,7% dos votos no Grajaú e 17,4% em Parelheiros. A fatia do eleitorado ainda foi menor do que a de Marta nos bairros de Cidade Tiradentes, Guaianases e Piraporinha.
No segundo turno das eleições para prefeito em 2020, Boulos só venceu a dupla Bruno Covas (PSDB) e Ricardo Nunes (MDB), que contaram com o apoio de Marta Suplicy naquela campanha, em oito zonas eleitorais. Mesmo assim, com votações apertadas. A campanha de Boulos, no entanto, prefere focar em outro resultado, mais favorável: a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva na capital paulista contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), dois anos atrás.
Para o cientista político e professor da Universidade de São Paulo (USP) José Álvaro Moisés, o retorno de Marta ao PT e a aliança com Boulos representam um esforço em trazer para a campanha do psolista uma liderança política consolidada, que costuma ser lembrada pela população como uma prefeita que concentrou esforços na periferia da cidade.
“Num certo sentido, é uma coalizão semelhante à que o Lula fez com o Alckmin. São políticos estabelecidos, com uma carreira consolidada, que têm opiniões diferentes, mas que, ao se unirem, aceitarem a coalizão, não entram com objetivo de fazer com que a sua posição prevaleça sobre a do outro. Se estabelece uma possibilidade de diálogo entre as suas forças que amplia o eleitorado”, aponta.
Ele acrescenta que o “maior desafio” para a candidata na campanha será explicar a razão de ter permanecido na gestão de Nunes até o começo deste ano. “Não é tão simples para as pessoas compreenderem essa mudança.”
Nesta semana, aliados de Boulos afirmaram que a entrada de Marta Suplicy na chapa ajuda a conquistar votos na periferia. Eles citam um “legado social” da ex-prefeita, o que incluiria Centros Educacionais Unificados (CEU), corredores de ônibus e a implantação do Bilhete Único. Por outro lado, ela sofre críticas pela criação de impostos em sua gestão.
Questionado sobre o risco que Marta pode oferecer a sua reeleição, Ricardo Nunes afirmou, nesta quarta-feira, 10, que ainda é cedo para mensurar o efeito eleitoral de uma chapa formada por Boulos e Marta. “Não representa risco nesse momento. Vamos saber disso lá na frente. Quando tivermos as pesquisas. A campanha efetivamente não começou”, disse.
Reduto político de Nunes
Curiosamente, Parelheiros e Grajaú, além de Capela do Socorro, constituem o eleitorado mais fiel do atual prefeito Ricardo Nunes, como mostrou levantamento do Estadão com base nos votos recebidos pelos pré-candidatos na capital paulista em disputas para o Legislativo.
O reduto político do prefeito na Zona Sul se deve às suas origens no Parque Santo Antônio, bairro vizinho ao Capão Redondo. Nunes fundou um jornal de bairro, abriu negócio no ramo de controle de pragas e depois passou a integrar associações de empresários da região.
Por causa disso, a proporção de votos obtida por Nunes nessas três zonas em 2018 se aproxima do eleitorado conquistado por Boulos em 2022, quando foi o deputado federal mais votado no Estado de São Paulo. O psolista, por sua vez, teve desempenho acima da média em Campo Limpo e arredores, assim como em zonas do centro expandido, como Bela Vista.
Natural de Pinheiros, zona nobre de São Paulo, Boulos ganhou projeção no Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e mora com a esposa, há 10 anos, em Campo Limpo. Ele tenta reforçar a ligação com a periferia desde o ano passado, por meio de uma série de eventos intitulados de “Salve São Paulo”.
Outra adversária que deve entrar na briga pelos votos da periferia, sobretudo na Zona Sul, é a deputada federal Tabata Amaral (PSB). Ela cresceu na Vila Missionária, que faz parte da subprefeitura de Cidade Ademar. O eleitorado mais fiel de Tabata, no entanto, está mais para o centro da cidade, em bairros como Pinheiros e Jardim Paulista.
Kim Kataguiri (União Brasil), Marina Helena (Novo) e Ricardo Salles (PL), este ainda sem partido para entrar no pleito, têm priorizado suas campanhas nas redes sociais.
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