Usada para escoar a produção do agronegócio em Mato Grosso, a BR-163, conhecida como “rota da soja”, virou um “barril de pólvora”. A rodovia é o palco mais violento de protestos realizados neste mês em busca do apoio das Forças Armadas para manter Jair Bolsonaro (PL) na Presidência após a derrota nas urnas para o petista Luiz Inácio Lula da Silva.
Carros, guinchos e pneus foram incendiados. Motoristas tiveram viagens interrompidas, mesmo que a caminho de hospitais. Há gritos de ordem contra as instituições. O comércio de Sinop chegou a fechar as portas em apoio às manifestações com mensagens antidemocráticas na estrada.
Apesar do arrefecimento das interdições na BR-163, grupos de apoiadores de Bolsonaro seguem acampados à beira da estrada, em barracas, o que acentua um clima de tensão constante. Novas convocações para atos contra a vitória do PT na eleição são feitas em aplicativos de mensagens.
A escalada da violência ganhou destaque a partir do dia 18, quando um grupo armado depredou e ateou fogo na base do Serviço de Apoio ao Usuário (SAU) da concessionária Rota do Oeste, perto de Lucas do Rio Verde.
No dia 21, manifestantes tentaram impedir em Sorriso a passagem de uma família que levava uma criança de 9 anos para fazer uma cirurgia em um dos olhos em Cuiabá. Em vídeo que circula na internet é possível ouvir um homem, aos gritos: “Vá a pé. De carro, não passa”.
Eles cortaram caminho. “Era a passagem por uma estrada dentro de uma fazenda. O motorista encontrou a estradinha, cerca de cem metros, e saímos lá na frente do bloqueio. Em um ônibus, tinha mulheres, idosos, filhos desesperados”, disse Éder Boa Sorte, autônomo e pai de Gabriel, que fez a cirurgia e passará por uma nova avaliação.
Protestos 'análogos ao terrorismo'
Terror
Episódios como o da família Boa Sorte levaram a 26.ª Companhia da Força Tática da Polícia Militar em Sinop a classificar os protestos como “análogos ao terrorismo”. O coordenador da Comunicação Institucional da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Cristiano Vasconcelos, corroborou a avaliação. “Antes eram atos pacíficos, agora são atos criminosos, terroristas”, afirmou.
Os grupos estão organizados. Há barracas de alimentos e estrutura para lhes dar suporte. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou o bloqueio de contas de 43 suspeitos de financiar as ações – entre eles mato-grossenses. A ação, no entanto, reascendeu manifestações ainda mais agressivas na rodovia.
Antes eram atos pacíficos, agora são atos criminosos, terroristas
Cristiano Vasconcelos, coordenador da Comunicação Institucional da Polícia Rodoviária Federal (PRF)
Entressafra
A “rota da soja” é a espinha dorsal do escoamento de grãos no País. A rodovia passa por municípios que figuram entre os maiores produtores agrícolas, como Sorriso, Lucas do Rio Verde e Nova Mutum. A entressafra ajuda a explicar a insistência em bloquear a via.
“A paralisação está confortável para os produtores do agronegócio porque eles já receberam os insumos e já plantaram a soja e o milho da próxima safra. Agora só vão precisar da BR-163 a partir de janeiro”, afirmou Vivaldo Lopes, consultor econômico da Associação Mato-grossense dos Municípios (AMM).
Segundo Caio Marcondes Barbosa, cientista político e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), os setores da soja e do transporte de carga são atrelados ao bolsonarismo por identificação de valores e promessas do presidente. Na campanha de 2018, Bolsonaro dizia ter como prioridade completar o asfaltamento da BR-163. A pavimentação foi entregue em julho de 2019.
Esses setores tiveram seus interesses vislumbrados pelo governo em muitas questões, como na postura mais branda com o desmatamento, na redução de multas ambientais e na oposição a movimentos sociais, como o Movimento Sem Terra
Caio Marcondes Barbosa, cientista político e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP)
“Esses setores tiveram seus interesses vislumbrados pelo governo em muitas questões, como na postura mais branda com o desmatamento, na redução de multas ambientais e na oposição a movimentos sociais, como o Movimento Sem Terra”, afirmou Barbosa. Para ele, há resistência a Lula por causa da associação ainda com a defesa dos povos indígenas e da oposição ao amplo acesso a armas de fogo no País.
Extremismo
A antropóloga e pesquisadora Letícia Cesarino, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), classifica os atos como extremistas e baseados em teorias conspiratórias, sobretudo em relação às urnas eletrônicas. “As duas coisas andam juntas, porque é o conspiracionismo que tira a confiança das pessoas nas instituições. Esse desengajamento (falta de confiança), que é um a priori para a violência, passa por esses ambientes da extrema-direita na internet.”
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