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Mauro Cid foi pivô de investigação e tentou fraudar cartões de vacina da mulher e das filhas, diz PF

Mensagens trocadas pelo ex-ajudante de ordens da Presidência da República, preso na Operação Venire, acenderam alerta da Polícia Federal

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O tenente coronel Mauro Cid e o ex-presidente Jair Bolsonaro. Foto: Dida Sampaio/Estadão

A investigação Polícia Federal (PF) que arrastou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para o centro de suspeitas em torno de um possível esquema falsificação de carteiras de vacinação contra a covid-19 teve início com a quebra do sigilo de mensagem do tenente-coronel do Exército Mauro Cid, ex-ajudante de ordens presidencial, preso preventivamente nesta quarta-feira, 3, na Operação Venire.

LEIA A DECISÃO DE ALEXANDRE

A devassa nas conversas do militar foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em outra investigação: a que apurou o vazamento de uma investigação sobre um ataque hacker aos sistemas da Justiça Eleitoral.

A partir das mensagens, a PF passou a suspeitar que informações cadastradas nos sistemas do Ministério da Saúde tenham sido fraudadas para emitir certificados de imunização em nome de pessoas que não foram efetivamente vacinadas.

O objetivo, segundo o inquérito, seria burlar a exigência do comprovante de vacinação para viagens internacionais. As restrições sanitárias entraram em vigor no auge da pandemia.

Os investigadores afirmam que os certificados de vacinação do ex-presidente Jair Bolsonaro e da filha dele, Laura, de 12 anos, foram adulterados às vésperas das viagens da família aos Estados Unidos, em dezembro do ano passado, após a derrota eleitoral.

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As fraudes teriam sido operadas a partir da prefeitura de Duque de Caxias (RJ), com a ajuda de uma servidora municipal e de políticos locais. Assessores de Bolsonaro também são investigados.

Cartões de vacina da mulher de Mauro Cid que, segundo a PF, são ideologicamente falsos Foto: Foto: Reprodução

Segundo a PF, os dados falsos foram incluídos no sistema integrado do Ministério da Saúde e, depois que os certificados de vacinação foram gerados por meio do aplicativo ConecteSUS, as informações foram excluídas para não deixar ‘rastros’.

Antes da suposta fraude na caderneta de vacinação de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid teria tentado falsificar o comprovante de vacinação da própria mulher, Gabriela Santiago Ribeiro Cid, por meio de um contato em Goiás, em novembro de 2021.

O cartão falsificado manualmente aponta duas doses da vacina Biotech supostamente aplicadas na cidade de Cabeceiras, que fica a cerca de 349 quilômetros da capital Goiânia, mas não há registros de que a mulher do tenente-coronel tenha comparecido na Unidade Básica de Saúde (UBS) para ser imunizada. A PF cruzou dados de geolocalização do celular dela e descobriu que, nas datas citadas no cartão, em agosto e novembro de 2021, Gabriela estava em Brasília.

Os dados usados teriam sido copiados do cartão de uma enfermeira, que foi de fato vacinada em Cabeceiras, segundo a investigação.

Cartão de vacinação da mulher do tenente-coronel Mauro Cid teria sido fraudado, aponta investigação Foto: Reprodução

Outro personagem importante no quebra-cabeça da PF é o sargento Luís Marcos dos Reis. Ele seria o contato de Mauro Cid e teria mobilizado o próprio sobrinho, o médico Farley Vinicius Alcântara, para preencher e carimbar o cartão falso.

Na sequência, de acordo com a investigação, o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro acionou o segundo-sargento do Exército Eduardo Crespo Alves para tentar inserir os dados no sistema online. O problema é que o lote citado no cartão não foi enviado para o Rio de Janeiro, de onde o grupo tentava cadastrar as informações.

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“Infelizmente, ela não está conseguindo porque o sistema daqui não aceita, não está aceitando vacina que ela tomou. O lote que veio para o Rio de Janeiro é diferente. Não tem esse lote aqui, então você, o sistema não aceita”, diz um dos áudios interceptados pela PF.

Investigação sobre suposto esquema de fraudes em dados de vacinação da covid-19 começou a partir da quebra de sigilo de mensagem de Mauro Cid Foto: Reprodução

É então que entra em cena o advogado e militar da reserva Ailton Gonçalves Moraes, que também foi preso preventivamente. Ele é apontado como uma espécie de operador do esquema junto à prefeitura de Duque de Caxias. Ailton teria levantado lotes enviados ao Rio de Janeiro e cadastrado duas doses da Pfizer em nome de Gabriela. O advogado também conseguiu um cartão físico de vacinação. A PF acredita que ele tenha contado com a ajuda do ex-vereador Marcello Siciliano, que nega irregularidades.

“Cid, recebi o retorno agora. É... aquele amigo, já está vacinado com duas doses da Pfizer. Amanhã eu estou pegando o documento está bom?”, diz um áudio enviado por Ailton ao ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.

A PF suspeita que Gabriela tenha usado o documento falso para entrar três vezes nos Estados Unidos. Os dados de vacinação das três filhas do casal, Beatriz, Giovana e Isabela, e do próprio Mauro Cid, também teriam sido fraudados.

Em uma das conversas interceptadas, Mauro Cid afirma que não vai tomar a vacina. “Eu e ninguém aqui casa”, diz ele.

O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro teria contado com a ajuda do secretário municipal de Governo de Duque de Caxias, João Carlos de Sousa Brecha, que teria feito as alterações no sistema do Ministério da Saúde.

COM A PALAVRA, O EX-PRESIDENTE JAIR BOLSONARO

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“A defesa do ex-presidente da República, Jair Bolsonaro, reitera que este, em linha com a posição que sempre manteve, nunca recebeu qualquer imunizante contra covid-19. Na constância de seu mandato somente ingressou em países estrangeiros que aceitassem tal condição ou se dessem por satisfeitos com a realização de teste viral, procedimento adotado em diversas ocasiões. A ex-primeira-dama, Dona Michelle, conforme amplamente divulgado, foi vacinada, com imunizante de dose única, no ano de 2021. A filha menor do casal, por sua vez, foi proibida de receber qualquer imunizante em razão de comorbidades preexistentes, situação sempre e devidamente atestada por médicos. A contrario sensu do quanto amplamente noticiado na data de hoje, não haveria qualquer motivo para que o Ex-Presidente promovesse ou determinasse a confecção de certificados falsos.”

Paulo Amador da Cunha Bueno, Daniel Bettamio Tesser e Fábio Wajngarten

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