MDB pede que MP investigue uso da máquina pública em evento em que Lula pediu voto para Boulos

Ação do partido do prefeito Ricardo Nunes é diferente da que sigla pede que ambos sejam multados por propaganda eleitoral antecipada; Presidência e pré-campanha do PSOL não se posicionaram

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Foto do author Pedro Augusto Figueiredo

O MDB de São Paulo pediu ao Ministério Público Eleitoral nesta sexta-feira, 3, que abra uma investigação para determinar se houve uso da máquina pública federal no ato das centrais sindicais de 1º de Maio no qual o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pediu voto para Guilherme Boulos (PSOL), pré-candidato à Prefeitura de São Paulo. Procuradas, a Presidência da República e a pré-campanha de Boulos não se posicionaram até a publicação desta reportagem.

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O partido de Ricardo Nunes (MDB), que disputa a reeleição, apontou a existência de uma série de irregularidades que podem ser enquadradas como abuso de poder político, econômico e uso indevido dos meios de comunicação, além de captação ilícita de recursos, o que no limite poderia levar a inelegibilidade do presidente como do deputado do PSOL.

Especialistas ouvidos pelo Estadão divergem sobre o assunto e afirmam que uma eventual ação de investigação judicial eleitoral (Aije) só pode ser instaurada após o registro da candidatura entre o final de julho e o início de agosto. O pedido é diferente da ação que o MDB pede que Lula e Boulos sejam multados por propaganda eleitoral antecipada.

Lula pediu voto para Boulos em ato do Dia do Trabalhador em São Paulo Foto: Taba Benedicto/Estadão Foto: Taba Benedicto/Estadão

O MDB afirma que embora o presidente da República tenha direito de expressar seu apoio ao pré-candidato do PSOL, ele não pode fazê-lo apoiado pela estrutura estatal e pelo financiamento de entidades ligadas ao governo federal. O evento teve patrocínio da Petrobras e do Conselho Nacional do Sesi (Serviço Social da Indústria), além de captação de recursos via Lei Rouanet.

O ato foi transmitido pela Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), órgão do governo federal, por meio do CanalGov, um de seus perfis no YouTube. O vídeo com a transmissão do evento foi retirado do canal, assim como do perfil oficial de Lula, que se antecipou a uma decisão judicial que viria horas depois.

O MDB aponta ainda que a bronca do presidente, que disse ao o ministro Márcio Macêdo que o ato foi “mal convocado”, demonstra que “no entendimento do Presidente da República cabia à articulação do Governo organizar e levar o público ao evento”.

“Ninguém derrotará esse moço aqui se vocês votarem no Boulos para prefeito de São Paulo nas próximas eleições. E eu vou fazer um apelo: cada pessoa que votou no Lula, em 1989, em 1994, em 1998, em 2006, em 2010 e em 2022, tem que votar no Boulos para prefeito de São Paulo”

discursou Lula durante o ato do 1º de Maio

“As imagens e os discursos proferidos na ocasião demonstram claramente que o evento, custeado por recursos públicos e sindicais (vedados pela lei), desvirtuado para verdadeiro comício eleitoral, teve como objetivo principal impulsionar a candidatura de Guilherme Boulos à Prefeitura do Município de São Paulo”, escreveu Ricardo Vita Porto, advogado que representa o MDB, na ação.

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Ele defende ainda que o fato de Lula ter assinado decreto de reajusta da tabela de Imposto de Renda deu viés institucional ao evento em que houve o pedido de voto. O advogado também cita que o PT distribuiu jornais exaltando Boulos e criticando Nunes e que o governo federal designou Ricardo Stuckert, secretário de Produção e Divulgação de Conteúdo Audiovisual da Presidência da República, “para o registro das fotos de cunho eleitoral no evento”. Uma das fotografias tiradas por Stuckert foi publicada por Boulos em suas redes sociais.

“Ele (Márcio Macedo) é responsável pelo movimento social brasileiro. Não pense que vai ficar assim. Vocês sabem que ontem (terça-feira) eu conversei com ele sobre esse ato e eu disse para ele: ‘Oh Márcio, o ato está mal convocado. O ato está mal convocado. Nós não fizemos o esforço necessário para levar a quantidade de gente que era preciso levar’.

Lula, em crítica ao ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República durante o evento

O pré-candidato do PSOL disse na quinta-feira que o ato do 1º de Maio não foi um evento organizado pelo governo federal e que Lula apenas expressou seu desejo de voto e posicionamento políticos que já eram públicos. Boulos também afirmou que Nunes não tem “autoridade moral para acusar ninguém em relação ao uso de máquina”.

“Eu fico estarrecido com a cara de pau do prefeito Ricardo Nunes. Ele está usando a máquina pública há um ano para fazer campanha eleitoral, ele vai inaugurar um posto de saúde ele fala mal de mim, vai inaugurar uma rua asfaltada ele fala mal de mim, me ataca, fica defendendo que ele tem que ser reeleito, isso em eventos públicos com a estrutura da cidade de São Paulo”, declarou.

O prefeito rebateu Boulos na manhã desta sexta-feira em nota enviada ao Estadão. Segundo Nunes, a imprensa é “testemunha” de que quando ele cita o nome “desse senhor” é para defender sua honra, a da cidade e a “dos cidadãos que têm suas propriedades invadidas”. “Eu devo satisfação somente à população de São Paulo, que reconhece o nosso trabalho, como mostram as pesquisas. Já o deputado, deve satisfação à Justiça”, disse o chefe do Executivo paulistano.

Especialistas divergem sobre consequências jurídicas do evento

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Os especialistas em Direito Eleitoral ouvidos pelo Estadão divergem sobre a possibilidade de a candidatura de Boulos ser cassada por conta do pedido de votos feito por Lula. Após a veiculação do discurso, opositores do governo federal defenderam a anulação da campanha do deputado, além da inelegibilidade do presidente por abuso de poder econômico e político.

Para o advogado eleitoral Fernandes Neto, as declarações de Lula não tiveram “gravidade suficiente para justificar uma condenação por abuso de poder político, econômico e dos meios de comunicação”, mesmo com o uso de recursos públicos para custear o evento e a transmissão ao vivo feita pela TV Brasil.

Já o advogado eleitoralista Adriano Soares da Costa, autor do livro “Instituições de Direito Eleitoral”, avalia que a conduta de Lula foi grave e abre margem para enquadrá-lo nos ilícitos eleitorais de abuso de poder econômico e político e uso indevido dos meios de comunicação, que, por extensão, também atingiriam Boulos por ter sido o beneficiário de eventuais condutas vedadas.

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“Isso pode configurar abuso de poder político e de poder econômico pelo uso dos recursos públicos. O uso da TV Brasil gera, em tese, o uso indevido dos meios de comunicação social”, afirmou. “Só a fala do Lula seria mera propaganda eleitoral antecipada e geraria multa. O problema é o contexto da fala. Se ele faz essa fala numa entrevista ou numa reunião que não envolvesse recursos públicos, seria propaganda eleitoral antecipada. Mas tem a utilização de recursos públicos”, afirmou.

O eleitoralista também apontou que a conduta de Lula foi agravada pelo fato de ele ter sancionado o reajuste da tabela do Imposto de Renda durante o evento com as centrais sindicais. Ele ainda frisou que os sindicatos são vedados pela lei eleitoral de investir recursos em atividade política, sob o risco de incorrer em gasto indevido cuja pena é a inelegibilidade.

“Tanto a Lei Rouanet quanto o gasto sindical não poderiam ser utilizados em evento eleitoral. Foi em ambiente privado, só que ele (Lula) praticou ato público em benefício dos trabalhadores mudando a tabela de imposto. Aquilo que seria eminentemente privado, passou a ser incorporado como evento de governo”, avaliou.

Para Vânia Aieta, as chances de Boulos ter a candidatura prejudicada são mínimas. A especialista também não enxerga a possibilidade de o fato provocar a inelegibilidade do presidente. “Pode ter a incidência de uma conduta vedada, mas eu sustento tese de que continuaria sendo uma pena de multa. Seria uma pena mais arrojada, mas também não chegaria a implicar em cassação da futura candidatura. Também seria um absurdo uma futura inelegibilidade do Lula”, afirmou.