PUBLICIDADE

Me Too, ONG acusada de interferência por Silvio Almeida, atuou em licitação via canais oficiais

Organização denunciou casos de assédio sexual contra então ministro dos Direitos Humanos; ministério usou meios de comunicação institucionais para defender Silvio Almeida contra as acusações

PUBLICIDADE

Foto do author Guilherme Caetano
Atualização:

BRASÍLIA - Acusada de interferência em licitação dos Disque 100 pelo então ministro Silvio Almeida, demitido do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) na semana passada, a ONG Me Too Brasil atuou no processo de contratação de um prestador de serviço para operar a ouvidoria após a pasta abrir consulta pública voltada só para empresas interessadas. A entidade não participou da licitação, já que o processo era restrito a empresas.

Almeida foi demitido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na última sexta-feira, 6, após o site Metrópoles revelar denúncias de assédio sexual contra ele levadas ao Me Too Brasil, ONG que combate abusos contra a mulher e oferece suporte a denunciantes desse tipo de violação. Entre as vítimas estaria a ministra Anielle Franco (Igualdade Racial), que não desmentiu a informação.

Silvio Almeida, ministro dos Direitos Humanos pivô de crise no governo Foto: Fernando Donasci/ Estadão Blue Studio

PUBLICIDADE

Antes de ser exonerado, Almeida atacou a ONG por meio de comunicação institucionais da pasta, acusando o Me Too Brasil de tentar interferir na nova licitação do Disque 100, principal ouvidoria de denúncias de violações de direitos humanos no País. Em seu perfil nas redes sociais, o MDHC afirmou que o Me Too Brasil “esteve em negociação, em 2023, com as então gestoras da Coordenação-Geral do Disque 100, solicitando mudanças indevidas no formato da licitação vigente no MDHC”.

A pasta sugeriu também que a ONG manteria “interesses escusos em torno dos recursos da administração pública”. Após a queda do ministro, as publicações foram apagadas.

Integrantes do Me Too Brasil relataram ao Estadão que as observações propostas pela ONG foram feitas pelos canais de diálogo estabelecidos “formalmente entre o governo federal e a sociedade civil”, após a pasta restringir a empresas a consulta pública, de agosto de 2023, para colher sugestões de aprimoramento para o processo licitatório do novo formato do Disque 100 e do Ligue 180. O documento, encaminhado ao Estadão, foi elaborado pelo escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.

Uma das sugestões do Me Too era que o governo retirasse a imposição de que a empresa contratada tivesse sede em Brasília para a prestação dos serviços, sob o argumento de que a obrigação prejudicaria o princípio da competitividade, já que se tratava de um pregão de âmbito nacional.

“Vale destacar que a exigência de instalação de sede física em Brasília privilegia licitantes que já atuam nessa localidade, em detrimento de grande parcela do universo de possíveis licitantes. Finalmente, há uma série de custos relacionados à implementação de sede física, que poderiam ser melhor aplicados na prestação dos serviços objeto da contratação, em nome dos princípios da efetividade e da economicidade”, alegou a ONG no processo.

Publicidade

Outra sugestão foi que o governo fizesse duas licitações distintas para o Disque 100 e o Ligue 180, uma vez que a gestão Lula separou as pastas dos Direitos Humanos e das Mulheres. No governo Bolsonaro, elas estavam unidas no Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, sob a chefia de Damares Alves.

“Há, portanto, uma incompatibilidade do objeto da contratação com as finalidades institucionais do referido ministério, sendo recomendável que o Ministério das Mulheres realize contratação própria voltada à operacionalização do Ligue 180″, aconselhou a ONG.

O Me Too Brasil também foi contra a restrição para a participação de empresas em consórcio e outras especificações que constavam no edital.

Duas reuniões feitas pela representante da Me Too Brasil, a advogada Marina Ganzarolli, foram usadas pela gestão Almeida como indício da tentativa de interferência: uma com as então gestoras da coordenação-geral do Disque 100, Kelly Garcéz e Iany Brum, em 28 de dezembro de 2023, e outra com a ouvidora nacional dos direitos humanos, Luzia Cantal, em 23 de fevereiro deste ano. Houve também uma reunião com a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Lideranças do Me Too Brasil dizem que o primeiro encontro foi solicitado com Almeida, mas acabou sendo realizada com secretário nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Bruno Teixeira, que teria levado Kelly e Iany à reunião. O envolvimento da ONG visava propor recomendações a partir da condição de organização especializada no atendimento a vítimas de violência, dizem suas integrantes.

Num áudio de WhatsApp enviado por Ganzarolli no começo do ano a um interlocutor anônimo, a que o Estadão teve acesso na semana passada, ela confirma os encontros com Kelly e Iany e diz que fez sugestões à pasta:

“Só pra te dar um follow up na questão da ouvidoria, do Disque 100, junto ao Ministério de Direitos Humanos e Cidadania, na semana passada a gente finalmente realizou uma agenda com as duas servidoras diretamente envolvidas na concorrência depois do envio do e-mail de pesquisa de preço. Foi super tranquilo, a gente reapresentou pra elas a proposta agora com a precificação, já no modelo da concorrência, que é essa que tá aqui no Whats. Formalizamos por e-mail também o envio dessas sugestões, enquanto sociedade civil, junto com a manifestação etc”, afirma Ganzarolli.

Publicidade

Em outro áudio, ela lamenta a não inclusão de sugestões propostas por sua ONG:

“Finalmente fiz uma agenda com a Luzia em BSB na semana passada e descobri que provavelmente não vai rolar a inclusão desta melhoria. São 10 anos de contrato e o nosso governo está literalmente colocando na rua a mesma concorrência que a Damares e a PRF desenharam, sem alterações, tirando o fato que separou de novo Mulheres e DH... é triste demais”, diz ela no áudio.

O Me Too Brasil tem reiterado em suas notas públicas, a partir da crise gerada no MDHC, que é uma organização não governamental 100% brasileira e que não recebe nenhum tipo de verba pública.

Nesta semana, Lula escolheu a deputada estadual Macaré Evaristo, do PT de Minas Gerais, para ocupar a cadeira deixada por Almeida. Mineira de São Gonçalo do Pará, no centro-oeste mineiro, Macaé Maria ela tem 59 anos, é formada em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas) e mestre em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.