Mensagens hackeadas embasaram votos contra Moro, avaliam juristas

Conversas capturadas na Operação Spoofing compuseram teor dos votos dados por Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, apesar do debate sobre sua legalidade

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Foto do author Adriana Ferraz

Apesar de o julgamento da suspeição do ex-juiz Sérgio Moro na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) ocorrer no âmbito da Operação Lava Jato, os votos dos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski foram baseados em outra investigação – a Spoofing, aberta após vazamento de mensagens supostamente trocadas entre Moro e procuradores de Curitiba. É o que observam juristas ouvidos pelo Estadão sobre o julgamento desta terça-feira, 9. 

As conversas hackeadas foram usadas não só pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas também pelos dois magistrados em seus votos, ao reconhecerem a suspeição de Moro nos casos que envolvem o petista. Gilmar e Lewandowski foram os únicos a declarar votos nesta terça. 

Os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, do STF Foto: Dida Sampaio/Estadão

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O ministro Kassio Nunes Marques pediu mais tempo para analisar o caso, e a sessão foi encerrada com o placar empatado – Edson Fachin e Cármen Lúcia foram contrários à suspeição quando votaram, em 2018. A ministra Cármen Lúcia, porém, anunciou que tem a intenção de votar novamente.

“Embora Gilmar e Lewandowski tenham dito que não precisavam das mensagens, e que iriam utilizá-las só como argumento de reforço, no teor dos votos me parece que elas foram relevantes”, diz Gustavo Badaró, professor titular de Processo Penal da USP. “Lewandowski chega a afirmar de forma expressa que elas podem sim ser utilizadas. Os conteúdos revelados, me parece, foram fundamentais para o reconhecimento da suspeição do Moro.” 

Segundo o advogado criminalista Antonio Carlos Mariz de Oliveira, os dois ministros não quiseram afirmar que também se basearam nas mensagens para seus votos, talvez porque elas não teriam sido obtidas de forma regular. “Mas é inegável que tais mensagens mostram um relacionamento promíscuo entre juiz e procurador. O juiz julga e o procurador acusa, sem que um possa interferir na seara do outro”, diz Mariz

O uso das mensagens hackeadas se tornou alvo de mais um embate entre Lula e Moro. Na sexta-feira, 7, a ministra Rosa Weber negou o prosseguimento de uma ação do ex-juiz e manteve o acesso às conversas apreendidas na Operação Spoofing.pela defesa do ex-presidente. Os advogados do petista obtiveram a íntegra das mensagens por decisão dada em fevereiro pelo ministro Lewandowski. O magistrado também retirou o sigilo do material.

Para o pesquisador Rubens Gleizer, que é professor de Direito Constitucional da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), o fato de Gilmar Mendes dizer que não tratará das mensagens – para, em seguida, tratar largamente delas – mostra que existe uma dimensão política do voto. “É uma parte do voto para a comunidade pública. Algo que o próprio Moro fez quando sentenciou Lula”, afirma. 

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Gleizer considera, no entanto, que o destaque do julgamento desta terça foi o pedido de vista feito pelo ministro Kássio Nunes Marques. “Foi uma grande surpresa. Todos esperavam uma estabilização da situação (política e jurídica), mas o pedido dele manteve a instabilidade. Todos esses votos me parecem profundamente estratégicos. Essa tem sido uma tendência no STF desde 2015, como narro no meu livro Catimba Constitucional.” 

Mariz e Badaró esperavam que o julgamento fosse encerrado, mas afirmaram que o pedido de vista pode ter sido realmente uma necessidade técnica. “Os outros ministros da Segunda Turma já julgaram centenas de casos da Lava Jatoe são absolutamente conhecedores dessa temática. Nunes Marques era desembargador federal do TFR-1 e os casos da operação não passavam por ele”, ressalta Badaró. 

Segundo Badaró, a decisão do ministro Edson Fachin de anular as condenações de Lula do âmbito da Lava Jato não tem relação com o julgamento da suspeição de Moro, apesar de ter ocorrido no dia anterior. 

“Lula já está elegível. O que a Segunda Turma poderia ter definido hoje é ampliar o efeito da decisão de Fachin, tornando todos os atos de Moro nulos, inclusive os atos probatórios”, explica. “Desse modo, permanece a dúvida sobre a nulidade dos atos instrutórios, como coleta de provas, audiências, etc”, completa Gleizer.