BRASÍLIA - Pouco mais de um mês após a tentativa de golpe em Brasília, militantes de direita e apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) voltaram a se organizar em grupos de WhatsApp. Esvaziado logo depois das prisões de vândalos que invadiram as sedes dos três Poderes, em 8 de janeiro, o movimento ressurgiu com estratégia atualizada. Agora, supergrupos foram criados, cada um com alcance de 5 mil integrantes.
Nas mensagens, apoiadores de Bolsonaro divulgam mobilizações para protestos que revivem pautas antigas – como voto impresso e desconfiança das urnas. Mas há também um novo movimento em curso: a cobrança de ações em defesa dos presos após as invasões do Palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF). Os argumentos disseminados nas redes sociais já começaram a ser reproduzidos em discursos de deputados na Câmara.
Levantamento feito pelo Laboratório de Pesquisa em Comunicação, Culturas Políticas e Economia da Colaboração da Universidade Federal Fluminense (Colab/UFF), a pedido do Estadão, mostra que os disparos de mensagens voltaram a ganhar força em fevereiro. O Comunidades, recurso lançado pelo WhatsApp, pode explicar o crescimento. A atualização criou uma espécie de “supergrupo”, que tem potencial para agregar vários grupos em um único espaço.
Se antes o limite era de 256 pessoas, agora uma comunidade pode ter milhares de usuários, o que aumenta significativamente a abrangência de um conteúdo. O WhatsApp planejava lançar o canal no ano passado, mas recuou por causa de possíveis impactos nas eleições. O grupo de avisos funciona como um “megafone” – no espaço, apenas os administradores podem publicar.
“O WhatsApp tem sido uma das poucas plataformas de mensagens a se aprimorar para conter viralidade no aplicativo e prestigiar as interações significativas entre as pessoas”, disse a empresa ao Estadão.
Se cada integrante de um canal espalhar uma mensagem para outro grupo, o alcance pode chegar a 25 milhões de pessoas. “Mesmo que você não lide com o número máximo, o impacto já é suficiente, considerando que cada um desses usuários está envolvido em outros grupos que não são, necessariamente, engajados politicamente”, disse o pesquisador da UFF Viktor Chagas.
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Vandalismo
O Colab/UFF coletou 141 mil mensagens de 15 grupos de WhatsApp ligados a cinco diferentes comunidades, de 31 de outubro a 15 de fevereiro. O pico de postagens ocorreu em 11 de janeiro, três dias após os atos de vandalismo em Brasília. O principal assunto foi a prisão dos extremistas. Antes do carnaval, o tema voltou a circular nos grupos bolsonaristas.
Uma mensagem em diferentes grupos diz que está sendo feita “enorme movimentação” com o objetivo de reunir pessoas para pedir a demissão de todos os integrantes do Legislativo e do Judiciário. “A exemplo do que antecedeu a Revolução Francesa, o terceiro Estado (povo esclarecido) clama por justiça”, afirma o texto, que convoca para um ato, em abril, a favor do voto impresso.
Outro vídeo mostra manifestantes em Porto Alegre. Eles pedem a soltura dos “inocentes” presos em Brasília, além de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para responsabilizar o governo, na figura do ministro da Justiça, Flávio Dino. A alegação é a de que Dino teria conhecimento prévio do plano e facilitou a invasão dos prédios dos três Poderes. “Onde estão os direitos humanos?”, questiona um apoiador de Bolsonaro.
Presos políticos
Mensagens postadas nos grupos tratam os radicais detidos nas penitenciárias da Papuda e da Colmeia, em Brasília, como “presos políticos”. “Não dá para ficar na inércia com o que está acontecendo com nossos irmãos que estão sofrendo porque tentaram nos ajudar. Nossos guerreiros precisam de nós”, diz o texto.
Como mostrou o Estadão, extremistas que participaram da invasão do Congresso, do Supremo e do Planalto replicaram discursos de afronta às instituições e defenderam “colapsar o sistema”. Imagens gravadas nos prédios públicos mostraram cenas de depredação. O STF foi um dos principais alvos, com o plenário destruído por golpistas vestidos de verde e amarelo.
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Repetição
Deputados ligados a essa base repetem os discursos em pronunciamentos no plenário da Câmara. “No Brasil, temos presos políticos. Mais do que na Venezuela, na Bolívia e no tempo do regime militar”, disse a deputada Bia Kicis (PL-DF). Seu colega Carlos Jordy (PL-RJ) chamou as prisões de “lulags”, neologismo que funde o nome do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com as “gulags”, campos de trabalho forçado dos tempos da União Soviética. General Girão (PL-RN), por sua vez, definiu a situação como “Guantánamo brasileiro”, em uma referência à prisão mantida pelos Estados Unidos em Cuba.
Ao monitorar grupos de WhatsApp, Chagas, da UFF, observou a formação de 25 diferentes comunidades e constatou que as convocações fazem parte de um “modus operandi” do bolsonarismo. “Não dá para determinar se as convocações são, de fato, uma convocação, ou se testam a reação das pessoas para ver o que cola e o que não cola, o que tem ou não aderência. É uma espécie de tentativa e erro”, disse.
Fuga
Como mostrou o Estadão, mensagens trocadas em grupos e canais de aplicativos pouco depois de 8 de janeiro mostravam frustração, receio e tensão. O temor de que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, tivesse acesso às mensagens provocou uma debandada em massa de membros da plataforma, a migração para aplicativos com controle de conteúdo menos rigoroso – como Telegram e Signal – e o uso de textos cifrados. Na tentativa de driblar a vigilância, um grupo de bolsonaristas mudou o nome para “Peladeiros” e outro para “Escritório”.
Deputados e seguidores de Bolsonaro sustentam que a maioria dos 1,2 mil detidos após os atos radicais do dia 8 de janeiro é composta por inocentes. Ao Estadão, Jordy afirmou que atua na coleta de assinaturas para criar uma CPI e responsabilizar o governo Lula pelos ataques na Praça dos Três Poderes. Para que a comissão mista saia do papel é necessário que pelo menos 27 senadores e 171 deputados subscrevam o pedido.
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A abertura de uma CPI é defendida por bolsonaristas nas redes sociais. Lula e a cúpula do PT são contra. “Já estamos com as assinaturas no Senado e faltam em torno de 51 na Câmara”, disse Jordy. Segundo o deputado, a ideia é tentar convocar Dino e o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Marcos Edson Gonçalves Dias, para depor ou na Comissão de Segurança Pública ou na de Constituição e Justiça (CCJ).
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