BRASÍLIA - Pelo menos 25 militantes e canais fichados na polícia por ações extremistas e notícias falsas estão na linha de frente da mobilização para o 7 de Setembro. Eles reúnem um total de 30 milhões de seguidores. O grupo de radicais incentiva a presença nas ruas no feriado e fala em mortes entre “inimigos do Brasil”, “expulsar demônios” e fim dos “discursos moderados” contra a “tirania”.
Há um mês o Estadão acompanha as atividades dos influenciadores radicais, que argumentam usar apenas “figuras de linguagem” em sua atuação nas redes. Mas eles têm um histórico de ações reais de violência política, como a invasão ao plenário da Câmara, em 2016, além de citações nos inquéritos dos Atos Antidemocráticos e das Fake News, de 2020, e o da desmonetização de canais que faturavam com mentiras, de 2021.
Atualmente, o grupo se articula em torno do discurso de ataque do presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) ao Supremo Tribunal Federal (STF), em especial ao ministro Alexandre de Moraes.
Sem impedimentos legais, esses influenciadores estão a postos a aumentar, a todo instante, o tom dos discursos de Bolsonaro – alguns têm experiência no planejamento de ações reais de radicalismo. O ato partidário promovido pelo presidente está previsto para cidades como Brasília, Rio e São Paulo.
Candidata a deputada federal pelo PTB de Santa Catarina, Dileta Corrêa da Silva organiza a manifestação em Balneário Camboriú. Há seis anos, ela e outros 56 militantes formavam o movimento que quebrou a porta de vidro do plenário da Câmara e invadiu o local para defender a intervenção militar. “Faria tudo novamente e faria até melhor, chamaria mais pessoas, colocaria mais pessoas no plenário”, afirmou Dileta ao Estadão.
Após a invasão, ela foi proibida de entrar na Casa e teve de ir ao STF para restaurar o direito de entrar no local. Os advogados da candidata defendem a invasão, alegando que o ato foi “o mais espetacular” dos quais ela participou. E convenceram o ministro Edson Fachin que decidiu a favor dela, contrariando a opinião do Ministério Público Federal.
Não foi a primeira ação envolvendo a militante radical. Em 2017, Dileta foi decisiva nas redes sociais para propagar o motim da Polícia Militar do Espírito Santo, apoiada por Bolsonaro. Quanto ao seu comportamento no dia 7, ela diz que não fará nem mesmo discurso.
Candidato à presidência da República, mas com registro cassado pelo TSE, o ex-deputado Roberto Jefferson, que está em prisão domiciliar, divulgou um vídeo cobrando do presidente Jair Bolsonaro uma reação dura contra o ministro Alexandre de Moraes para garantir que as pessoas se manifestem. Ele classificou o magistrado como o chefe da “milícia judicial” e disse que o presidente deveria mandar prender os atiradores de elite escalados para a segurança do ato em Brasília.
“É o Xandão que vai estabelecer o que o povo pode fazer em 7 de Setembro? Ano passado foi um fracasso, você fez um discursinho meia boca com medo de não sei o quê e agora você vai deixar eles mijarem em você? Poste não mija em cachorro, Bolsonaro. Reaje, Bolsonaro, ou acabou. Ou pede o boné e acabou.”
Sem discurso moderado
Foragido da Justiça brasileira, o blogueiro Allan dos Santos estimulou, em um e-mail a seus seguidores, mais ação. “Não dá mais para usar o ‘discurso moderado’ como ferramenta contra a tirania”, escreveu. “Por isso, 7 de setembro será um dia tão importante. Além de ser o bicentenário da Independência do Brasil, será, também, o dia em que vamos mostrar que nada pode ser maior que a força popular”. Questionado, por e-mail, ele não respondeu.
Entre os influenciadores que tiveram o faturamento de canais barrados pela Justiça Eleitoral está Camila Abdo. Ela mantém uma série de contas nas redes sociais de apoio a Bolsonaro e críticas a ministros do STF. Na última quinta-feira, 1º, promoveu uma live no YouTube com o comentarista José Carlos Bernardi, que foi demitido da rádio Jovem Pan após sugerir ‘matar um monte de judeus’ para o Brasil enriquecer - ele agora é candidato a deputado estadual em São Paulo pelo partido do presidente.
Na transmissão, Bernardi citou um trecho da Bíblia que narra uma guerra e afirmou que a manifestação da próxima quarta-feira, será um “marco de libertação”. “Esse reboliço acontecerá agora no 7 de Setembro entre os inimigos do Brasil, eles mesmo vão se matar”. Em seguida, os dois afirmaram que a declaração se tratava de uma figura de linguagem. “Só para deixar claro, figura de linguagem é tipo assim: ‘entendeu, Supremo?’ Ah, como se fosse. Ele não está incitando morte de ninguém, tá bom? É como se fosse, um exemplo”, disse Camila.
Nos seus canais ela diz que há ministros do Supremo que “precisam sair de lá”. À reportagem, porém, a influenciadora afirmou que a motivação para a convocação é o “respeito pleno à Constituição Federal e a liberdade de expressão” e que o ato será absolutamente pacífico. “Tenho plena convicção que os ministros observarão que é apenas uma comemoração aos 200 anos da nossa independência. Não há o que temer. Tanto da nossa parte, como da parte dos ministros”, declarou. Por sua vez, Bernardi afirmou à reportagem que não iria comentar.
“Chegou a hora de expulsarmos estes demônios”
Blogueiro punido pelo TSE com a perda de receita por vídeos de notícias falsas, em 2021, Emerson Teixeira de Andrade se apresenta nas redes sociais como “Professor Opressor”. Os vídeos dele fazem paródias a Alexandre de Moraes. No mesmo dia em que Bolsonaro chamou o magistrado de vagabundo, ele postou uma convocação no Twitter: “Vagabundos vão comendo pela beirada e acabando com a sua liberdade aos poucos. Você vai permitir isso ou vai para as ruas dia 7 de setembro?”, publicou, seguido de uma imagem com a mensagem: “Chegou a hora de expulsarmos estes demônios”.
Em resposta ao Estadão, ele afirmou que sua motivação é protestar contra a “forma como os ministros do STF vêm desrespeitando a Constituição” e que a manifestação é pacífica. “Essa conversa de ato antidemocrático foi uma desculpa esfarrapada para punir as pessoas que falam aquilo que você não quer ouvir.”
Apoiador de Bolsonaro, o cabo Corrêa Mourão é candidato a deputado federal no Rio pelo PMN. Também veterano da invasão da Câmara, em 2016, ele publicou recentemente um vídeo com a frase “Pela última vez”, na qual disse que estaria em Copacabana no dia 7 de Setembro. “Você não pode perder, estaremos juntos. Eu e toda a equipe do ‘Para cima deles, Brasil’”, disse. A frase é uma referência a um discurso de Bolsonaro. Na convenção nacional do PL, que o oficializou como candidato à reeleição, em julho, ele chamou apoiadores para irem às ruas em setembro pela “última vez”.
“Me perguntaram se eu tinha coragem de tomar o Congresso”
O Estadão identificou 14 manifestantes que participaram da invasão à Câmara para pedir intervenção militar, por meio de vídeos da época, entrevistas e redes sociais. Seis anos depois, lideranças do grupo estão firmes na defesa de Bolsonaro. Além de Dileta, outros dois lançaram candidaturas à Câmara e a Assembleias Legislativas. Era 16 de novembro de 2016. O plenário estava praticamente vazio. O deputado Capitão Augusto (PL-SP) direcionava uma mensagem a eleitores de Ourinhos, no interior de São Paulo, quando foi interrompido pelo grupo que atropelou a segurança e entrou aos gritos no espaço restrito aos parlamentares e assessores. Um servidor que cruzou o caminho dos invasores foi derrubado com uma rasteira. A invasão forçou o fim da sessão.
Participantes da invasão relataram à reportagem que o ato foi premeditado por cinco meses e poderia ter sido ainda mais violento. Os invasores saíram de um grupo com cerca de 490 pessoas acampadas em Brasília dias antes. Só uma parte insistiu na ilegalidade. Entre eles, militares reformados e ativistas da extrema-direita. Havia os designados “para a conversa e para a porrada”.
Seis anos depois, Davi Benedito se apresenta como líder do movimento “Intervencionistas no Congresso”. Segundo ele, a “missão” foi preparada por meses com militantes de vários estados e um financiador oculto. Ele concorre a uma vaga na Assembleia de São Paulo pelo Patriota e estará na Avenida Paulista, no dia 7. Até hoje, está proibido de entrar na Câmara. “A tomada da Câmara foi decidida um tempo depois de uma missão no Rio. Me perguntaram se eu tinha coragem de tomar o Congresso. Cheguei no dia 12 de novembro. Fiquei cinco meses montando essa caravana. Foram várias missões que eu fiz por aí. Viram que eu era um cara competente e me pediram para fazer”, diz Benedito.
Ele conta que deixou de ser intervencionista e acredita no processo eleitoral. Uma das páginas de internet que usa para fazer campanha, porém, chama-se “Intervencionistas no Congresso”. Benedito garante que se manifestará pacificamente na Paulista.
Corrêa Mourão, o outro invasor, contou ao Estadão que “não tinha bandido” no ato. “Algumas pessoas ficaram vetadas de entrar (na Câmara) logo no início. Mas depois que mudou a presidência, mudou toda a história. Eu não fui proibido, eu fui vetado. Toda vez que eu chego lá, o cara vê, chama a segurança, manda olhar tudo, mas eu entro. Sempre entro, nunca fiquei barrado 100%, não”. Ele também se diz contrário ao golpe militar.
O influenciador Alberto Junio da Silva, do canal O Giro de Notícias, também fez convocações e afirmou que Moraes “não tem mais autoridade nenhuma”. À reportagem, ele disse que o ato será “um grito pela liberdade” e pacífico. “Sigo fielmente o que está escrito na nossa Constituição e, mesmo não concordado em 90% das decisões dos ministro do STF, respeito a instituição e oriento a todos a cumprir decisões por eles determinadas.”
Após a publicação da reportagem, o youtuber Adilson Dini, do canal Ravox Brasil, disse que não participará dos atos de 7 de Setembro e não fez convocações para as manifestações. Nos vídeos, o influenciador, que já foi punido pelo TSE no inquérito da desmonetização de redes, replicou convocações feitas por Bolsonaro para esta semana.
Ele exibiu a fala do presidente durante a convenção do PL, no Rio, quando o candidato à reeleição chamou os apoiadores para ir às ruas “pela última vez” e afirmou, em outra transmissão, que o Brasil pode viver “a maior insegurança jurídica neste país” em função da atuação do Judiciário.
“O que venho tentando passar aos brasileiros é agir com sensatez, razão e nada de emoção. Não aprecio mais atitudes estúpidas e tenho me policiado a cada dia para agir de modo sensato e realista para preservar meu direito de opinar, comentar, me indignar como um bom cidadão”, afirmou Dini ao Estadão.
Bernardo Kuster afirmou, em nota, que o 7 de Setembro “é uma oportunidade única que o povo brasileiro tem para celebrar o processo de independência que completa duzentos anos, reafirmando sua posição em defesa das nossas liberdades que são, todo dia, tolhidas por alguns membros do STF, cujo povo brasileiro de bem não deseja perder, caso a esquerda volte ao poder”.
“É um duplo grito: um que comemora os feitos do passado, outro que pretende manter essa liberdade no futuro!”, disse.
Cleitomar Basso, apresentador do canal Foco do Brasil e citado no inquérito que investigou atos antidemocráticos no STF, ressaltou que não tem responsabilidade sobre as convocações feitas por Bolsonaro veiculadas nos vídeos. Ele também destacou que não é responsável pelo canal e pelas edições feitas no material.
“Caso tenha sido reproduzido algum trecho de fala do presidente dentro do jornal, a edição e adição de trechos não esteve sob minha responsabilidade, mas de toda forma, são trechos que qualquer veículo de comunicação tem reproduzido, seja por transcrição ou trechos de vídeos do presidente, em um trabalho exclusivamente de carácter informativo”, afirmou Basso, após a publicação da reportagem.
Perfis que estimulam participação no 7 de setembro:
Cleitomar Basso - Foco do Brasil
Adilson Nelson Dini - Ravox
Alberto Junio Da Silva - O Giro de Notícias
Camila Abdo Leite Do Amaral Calvo
Emerson Teixeira De Andrade - Professor Opressor
Fernando Lisboa Da Conceição - Vlog Do Lisboa
Bernardo Kuster - Brasil sem Medo
Folha Política
Jornal Da Cidade On Line
Oswaldo Eustáquio
Roberto Boni - Canal Universo
Allan dos Santos
Terça Livre
Enzo Leonardo Suzi - Enzuh
Marcus Bellizia - Ex-integrante do Movimento nas Ruas
Rafael Moreno - Movimento Brasil Monarquista
Carla Zambelli - deputada
Filipe Barros - deputado
Luiz Phellipe Orleans e Bragança -deputado
Dileta Corrêa - Invadiu a Câmara em 2016
Davi Benedito - Invadiu a Câmara em 2016
Cabo Corrêa - Invadiu a Câmara em 2016
Jorge Ares - Invadiu a Câmara em 2016
Marilene D’Ottaviano - Invadiu a Câmara em 2016
Roberto Jefferson - Ex-deputado e candidato à presidência com registro cassado pelo TSE
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