BRASÍLIA - Cerca de 80 militares do Exército prestaram depoimento à Polícia Federal (PF) em Brasília nesta quarta-feira, 12, sobre os atos golpistas de 8 de janeiro. O contingente que incluiu três oficiais-generais, cabos e soldados foi interrogado por investigadores que buscam identificar se houve falha, conivência ou omissões na proteção do Palácio do Planalto, invadido e depredado por extremistas.
Oficiais da Força admitiram ao Estadão que o ato inédito de ter um grupo de militares tendo que dar explicações à PF é motivo de constrangimento. Na prática, os 81 ouvidos pelos investigadores da PF perfazem pouco mais de dois pelotões inteiros. No entanto, dizem que a ordem do comandante Tomás Paiva é colaborar para que tudo seja esclarecido e entendem que os interrogatórios são parte do avanço natural das apurações.
O Comando vê o interrogatório como oportunidade para dar a versão do Exército sobre o dia 8 de janeiro. Esses oficiais justificam que o fato de a Polícia Militar do Distrito Federal ter permitido aos extremistas ultrapassar o bloqueio que deveria existir ainda antes do Congresso Nacional, conforme diretrizes do Plano Escudo, inviabilizou a defesa do Planalto.
A cúpula do Exército se incomodou, desde as primeiras apurações, com a disputa de versões entre a força e a Polícia Militar. Vídeos colocaram em xeque a atuação de oficiais agora ouvidos pela PF. Oficiais da PM depuseram em uma Comissão Parlamentar de Inquérito na Câmara Legislativa do Distrito Federal e colocaram ainda mais pressão e dúvidas sobre a conduta dos militares.
A fase de interrogatório envolveu quatro oficiais-chave para desvendar a cadeia de eventos do que ocorreu dentro do Palácio do Planalto. Foram três generais, todos de três estrelas, e um coronel. Eles ocupavam postos de comando durante a tomada da sede da Presidência da República pelos extremistas que planejavam um golpe de Estado.
A Polícia Federal intimou o general Dutra de Menezes, ex-comandante militar do Planalto, cuja exoneração e transferência para outra função, planejadas desde fevereiro, foram oficializadas somente na véspera; o ex-comandante do Batalhão da Guarda Presidencial, coronel Paulo Jorge Fernandes; o general Carlos Penteado, então secretário-executivo do Gabinete de Segurança Institucional; e o general Carlos Feitosa, à época secretário de Segurança e Coordenação Presidencial no GSI.
Um dos depoimentos centrais e mais demorados foi o do general Dutra. O ex-comandante do CMP passou de três horas diante dos federais. A oitiva atravessou a manhã e não havia acabado no início da tarde. Dutra planejava revelar detalhes do planejamento do Exército, entregar documentos e relatar até mesmo um diálogo com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na noite de 8 de janeiro.
Os quatro oficiais já haviam sido removidos dos cargos que exerciam nas semanas seguintes ao 8 de janeiro, sendo transferidos para outras funções na Força Terrestre. Mas exoneração de Dutra só foi assinada no dia 10 de abril, segunda-feira, por Lula, e publicada no Diário Oficial da União em meio às acusações de ter protegido invasores ou permitido que fugissem, ao argumentar que a PM não efetuasse prisões na mesma noite em que depredaram o Planalto.
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Dutra era o chefe do CMP na ocasião e teria impedido o desmanche do acampamento instalado em frente ao Quartel-General da Força na capital, e a prisão dos radicais imediatamente após os ataques. No dia 8 de janeiro, a Guarda Presidencial e o Exército não conseguiram evitar a invasão do Palácio do Planalto pelos golpistas. O prédio da Presidência foi um dos que mais sofreu com os ataques dos invasores, que destruíram obras de arte e roubaram equipamentos do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).
O Forte-Apache avalia que o depoimento de Dutra será fundamental para dar a versão da Força Terrestre sobre a invasão e depredação e explicar por que havia tropa de prontidão, mas em efetivo reduzido no Planalto. E esclarecer, por exemplo, a dispensa de um pelotão inteiro na véspera do ataque, como revelou o Estadão.
Os demais devem ter poucos detalhes a acrescentar. A tropa era formada majoritariamente por cabos e soldados, militares que prestam serviço temporário no Batalhão da Guarda Presidencial (BGP), no 1º Regimento de Cavalaria de Guardas (RCG) e cedidos ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI). São os três órgãos diretamente vinculados à proteção do Planalto – os dois primeiros, organizações militares do Exército -, e o terceiro um órgão com status ministerial que faz parte da Presidência, mas foi esvaziado por Lula.
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Os militares entraram no alvo da investigação, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, depois que um policial culpou militares em depoimento à PF. O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, autorizou o prosseguimento do inquérito na Justiça comum.
Diferentemente do trâmite normal, os militares não foram direcionados à sede da PF, no centro de Brasília, para prestar seus depoimentos. A academia da corporação conta com estrutura maior do que o prédio sede, o que permitiria a oitiva de todos os 81 militares em um só dia.
Em vez de ouvidos na nova sede da Polícia Federal, eles foram transportados até a Academia Nacional de Polícia Federal, mesma instalação para onde a PF levara mais de 1 mil golpistas detidos no 8 de janeiro, parte deles frequentadores do acampamento no Quartel-General do Exército. O centro de treinamentos da PF fica a 17 quilômetros da Esplanada dos Ministérios.
No início da tarde desta quarta, a reportagem do Estadão identificou a entrada de caminhões e viaturas dos Exército na academia da PF. Segundo militares, assessores jurídicos do Comando do Exército acompanharam a ida dos militares ao depoimento, mas não assistiram a cada um dos interrogatórios individuais.