Punição a militares envolvidos em ato golpista tem ritmo lento um mês após invasão em Brasília

Entre os 937 que estão presos, apenas três são militares; outros dois foram alvos de inquérito, um deles por ter xingado o Alto Comando pela não adesão ao golpe

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Foto do author Felipe Frazão
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BRASÍLIA - No dia 8 de janeiro, o general de Brigada da reserva Haroldo Assad Carneiro vestiu uma camiseta verde e amarela com a inscrição “Meu partido é o Brasil”, um dos lemas do ex-presidente Jair Bolsonaro, e foi para a Esplanada dos Ministérios participar do ato golpista com o objetivo de derrubar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nas redes sociais, Assad repetia o discurso bolsonarista de que a eleição passada foi fraudada e interagia com seguidores que pregavam uma “revolta” de coronéis e tenentes. O general comandou o Batalhão da Guarda Presidencial (BGP) entre 2000 e 2003, época em que o petista assumiu a Presidência pela primeira vez.

Após um mês e uma semana da invasão e da depredação na Praça dos Três Poderes, nada ocorreu com o ex-comandante do BGP, nem com outros oficiais flagrados nos atos. Seu caso é ignorado, ao menos oficialmente, no Exército. Levantamento do Estadão mostra que, entre os 937 presos atualmente, três são militares da reserva das Forças Armadas: um capitão, um soldado e um suboficial -- este último ainda com a vantagem de ter sido recolhido em um quartel da Marinha. A Justiça libertou 439 presos com uso de tornozeleira eletrônica, entre eles um sargento da reserva do Exército.

A Procuradoria-Geral da República já denunciou 835 pessoas por crimes dos ataques à ordem democrática. O Ministério Público não confirmou se há militares entre os alvos de denúncias ou medidas cautelares – as íntegras das denúncias estão sob sigilo.

No caso dos militares, só dois Inquéritos Policiais Militares (IPMs) foram concluídos contra coronéis da reserva que se manifestaram via redes sociais. Eles foram indiciados, mas não presos. É o caso de Adriano Testoni, não pela presença no ato golpista, mas por ter xingado seus superiores. No meio das manifestações e entre fumaça de gás lacrimogêneo, o coronel postou um vídeo ofendendo os generais do Alto Comando por não terem aderido ao golpe. Resultado: foi acusado de injúria e já perdeu o cargo que ocupava no Hospital das Forças Armadas.

O segundo, por causa do comportamento, foi o coronel da reserva José Placídio Matias dos Santos, que chegou a trabalhar no Gabinete de Segurança Institucional da Presidência. Foi aberto com base em declarações dele nas redes sociais, reveladas pelo Estadão. Ele defendia um golpe de Estado, xingava o presidente Lula, ministros de Estado e o comandante da Marinha, além de desafiar que ordenassem sua prisão. Já existem denúncias oferecidas contra ambos, segundo fontes da Defesa.

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Em 8 de janeiro, apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro invadiram e depredaram o Congresso, o Palácio do Planalto e o STF.  Foto: Wilton Junior/Estadão

O número total de militares investigados é uma incógnita. Dados do Exército e do Ministério da Defesa obtidos pela reportagem apontam a existência de apenas de três IPMs relacionados aos atos golpistas, no âmbito da Força Terrestre. Além dos relacionados a Testoni e Placídio, o principal deles versa sobre a operação fracassada de blindagem do Planalto pelos militares do Batalhão de Guarda Presidencial e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

Essa investigação apura a cadeia de eventos no 8 de janeiro e a suspeita de conivência com os golpistas na invasão do Planalto. Como há fartas evidências de erros, um dos nomes na mira é o coronel Paulo Jorge Fernandes da Hora, comandante do BGP na ocasião. Investigado, ele não sofreu nenhuma punição até o momento. Enquanto isso, a Justiça já mandou afastar o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, e prender o então secretário de Segurança Anderson Torres, ambos civis.

O inquérito sobre a invasão do Planalto é conduzido por um oficial indicado pelo Comando Militar do Planalto. Quando encerrado – o prazo inicial vence em cinco dias – será enviado para apreciação do Ministério Público Militar e do Superior Tribunal de Justiça Militar. Se não restar configurado crime militar, eles podem ser revistos como transgressão disciplinar.

Investigações jornalísticas identificaram outros nomes de oficiais e praças, como o general Ridauto Lúcio Fernandes, que atuou como diretor no Ministério da Saúde, durante a gestão do ex-ministro e general da reserva Eduardo Pazuello, deputado eleito pelo Rio. Há ainda o caso do capitão de mar-e-guerra da Marinha Vilmar José Fortuna, um dos primeiros a ser flagrado nos atos. Ele apenas perdeu o cargo de assessor que ocupava no Ministério da Defesa.

Desde as primeiras prisões, há notícia de militares entre os detidos, mas os fatos ainda não são objeto de apuração disciplinar interna das Forças Armadas. É o caso do suboficial Marco Antônio Braga Caldas, detido na carceragem do Grupamento de Fuzileiros Navais da Marinha; do capitão Nader Luís Martins, do soldado Robson Victor de Souza e do segundo-sargento Noemio Laerte Hochscheidt - os três do Exército. O capitão e o soldado permanecem presos no Complexo Penitenciário da Papuda, enquanto o sargento faz uso de tornozeleira, conforme os dados mais recentes da Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal.

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Ao Estadão, a Marinha disse que “até o momento não foi notificada sobre presos militares que tenham participado das manifestações de 8 de janeiro, em Brasília”. Segundo a Força Naval, “a violação das obrigações ou dos deveres militares constituirá crime, contravenção ou transgressão disciplinar”. “As providências são tomadas de acordo com o caso concreto, após conclusão de eventual processo administrativo disciplinar, com o exercício da ampla defesa e do contraditório, para, se for o caso, aplicação de sanções pertinentes”, explicou o Centro de Comunicação Social da Marinha.

A Força Aérea Brasileira não respondeu até a conclusão desta reportagem. O Exército citou os IPMs abertos e disse que eles serão encaminhados ao MPM e ao STM, dentro do prazo legal. Não há nenhuma apuração a respeito do general Assad em andamento.

O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, monitora o andamento dos casos. A ordem do governo é punir os envolvidos. “Quem for culpado vai ter que pagar”, defendeu o ministro. Segundo ele, é de interesse das próprias Forças Armadas “que tudo seja extremamente esclarecido”. A posição do comandante-geral do Exército, general Tomás Paiva, é dar andamento às investigações. Ele disse recentemente que “ninguém está acima da lei”.

O procurador-geral de Justiça Militar, Antônio Pereira Duarte, já conversou sobre o andamento das investigações com o general Tomás Paiva. O MPM diz, no entanto, que não tem conhecimento de prisões de militares, apesar de os dados terem sido tornados públicos pela Justiça. Além dos três IPMs no Exército, o Ministério Público Militar abriu um procedimento administrativo e 13 notícias de fato, um tipo de apuração preliminar, sobre os desdobramentos dos atos e acampamentos golpistas.Segundo o Ministério Público Militar, o comandante “assegurou que o Exército Brasileiro está adotando todas as providências cabíveis e necessárias para, com a maior celeridade e transparência, identificar todos os fatos registrados naqueles episódios, esclarecendo as circunstâncias e impondo eventuais responsabilidades disciplinares, na justa e necessária medida, o que inclui posturas por ação, omissão e mesmo falhas operacionais detectadas”.

“Não chegou ao MPM notícia de militares das Forças Armadas presos no evento do dia 8 de janeiro. De toda forma, é preciso frisar que as investigações do referido evento estão a cargo, em sua grande parte, do Ministério Público Federal, porquanto, em primeira avaliação, trata-se de infração penal comum, que deve ter a persecução do promotor natural”, disse a assessoria do órgão. O procurador-geral Duarte ainda não concluiu nenhum dos procedimentos abertos, nem ofereceu denúncias ao STM.

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