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‘Militares querem manter sob Lula vantagens que ganharam de Bolsonaro’, afirma cientista político

Eliezer Rizzo de Oliveira diz que desconfiança entre petista e fardados é mútua e avalia que presidente acertou ao rejeitar o uso de uma Operação de Garantia da Lei e da Ordem para enfrentar o golpe fracassado dos bolsonaristas em 8 de janeiro

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Atualização:
Entrevista comEliezer Rizzo de OliveiraCientista político

RIO – O cientista político Eliezer Rizzo de Oliveira avalia que os militares tentam preservar, no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os direitos e vantagens, como elevação de salários e condições de aposentadoria, obtidos quando o presidente era Jair Bolsonaro.

Para o pesquisador, a desconfiança de Lula nos militares, expressa pelo mandatário em palavras e gestos recentes, é correspondida. Também fardados não confiam no petista, a quem enxergam como “encarnação do mal” e sinal de suposto “avanço do comunismo”.

Conforme Rizzo, o bolsonarismo mantém o ambiente militar “altamente mobilizado do ponto de vista ideológico conservador”. “O bolsonarismo considera as Forças Armadas como instituições de governo, à disposição de um ex-presidente ideologicamente retrógrado, que enxerga nos adversários inimigos a serem abatidos”, afirmou.

Segundo ele, Lula acertou ao não decretar uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para enfrentar os atos golpistas de bolsonaristas radicais. Assim, avalia, preservou sua autoridade.

A seguir, a entrevista de Eliezer Rizzo de Oliveira ao Estadão.

Depois da fracassada tentativa de golpe dos bolsonaristas em 8 de janeiro, o governo Lula tem dado demonstrações públicas de desconfiança nos militares. De onde vem isso?

O presidente Lula expressou sua desconfiança nas Forças Armadas, no Exército em particular, em razão da militância por Bolsonaro nos quartéis e do apoio ao movimento bolsonarista contra a sua posse na Presidência. Sua prisão na Lava Jato fora celebrada amplamente em círculos militares, sua liberdade, determinada pelo Supremo, é contestada ainda hoje nestes meios. O presidente o disse ao assinar o decreto de intervenção federal na segurança pública do Distrito Federal, no dia seguinte à tentativa frustrada de golpe de Estado da parte de militantes civis e militares do bolsonarismo com a invasão e depredação violentíssima das sedes dos Poderes. Reiterou-o na reunião com os governadores. Até agora ficou naquilo que não quer dos militares, mas ainda não determinou sua orientação geral para a Defesa Nacional.

O sentimento é mútuo? Os militares também não confiam em Lula? Por quê?

Sim, veja-se a militância de militares da ativa e da reserva contra o retorno de Lula ao poder: Lula seria a encarnação do mal e da antissoberania nacional! Há militares que enxergam no presidente Lula, no PT e aliados o avanço gramscista do comunismo: um processo de mudanças sociais e políticas, culturais, de costumes, de comunicações, de educação, ONGs, a partir da sociedade e nas instituições do Estado, sem o leninista assalto armado ao poder. Ainda: o presidente Lula é celebrado pelas esquerdas e democratas em todo o mundo, ao passo que intelectuais militares, em geral, se identificam com a extrema direita internacional. São herdeiros do regime militar de 1964, cultores de um pretenso direito à intervenção militar. Entretanto, a obediência ao presidente e na subordinação ao ministro da Defesa são imperativos sobre as Forças Armadas.

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No dia seguinte ao golpe frustrado, acampamento no QG do Exército foi desmontado Foto: Wilton Júnior/Estadão

Quando o golpe dos bolsonaristas ainda estava em curso, durante o ataque aos Três Poderes, foi levantada a hipótese de decretação de uma operação de Garantia da Lei e da Ordem, mas o presidente Lula recusou e preferiu intervir na PM do DF para enfrentar os golpistas. Como o senhor analisa esse episódio?

O presidente Lula agiu bem ao intervir na segurança pública do DF, pois preservou intacta a sua autoridade num momento de profunda insegurança. Ele enunciou seus motivos ao criticar a atuação da Polícia Militar, da inteligência e da defesa militar do Palácio do Planalto. Ainda há muito a esclarecer, é verdade, mas a violência da extrema direita tem raízes na nossa história.

O que, em sua opinião, o presidente Lula pretende, quando, por exemplo, declara publicamente que os militares não são Poder Moderador?

O presidente Lula pretendeu esclarecer que exerce a autoridade constitucional de chefe de Estado e comandante supremo e não reconhece espaço para a autonomia militar. Pois a tese do Poder Moderador – correspondendo ao direito das Forças Armadas à intervenção militar e à direção do país – é uma tese falsa e antidemocrática.

E os militares, o que pretendem?

Os militares pretendem a preservação de direitos e vantagens negociados generosamente com Bolsonaro, dentre eles a elevação dos valores dos vencimentos e as condições de aposentadoria. Esperam que não haja mudança forçada em sua formação. Já o presidente Lula iniciou a retirada de militares das milhares de funções da administração civil que exerceram em razão da natureza ultraconservadora e militarista do presidente Bolsonaro. Ainda não é possível dimensionar a amplitude, as direções e a profundidade desta desmilitarização. Por exemplo: o MEC ainda não se definiu sobre as Escolas Cívico-Militares, um projeto de controle social e ideológico nas mãos de militares e policiais-militares.

A crise pode levar a alguma mudança do Artigo 142 da Constituição, que foi citado por golpistas como suposta base jurídica para o golpe?

Há pessoas, em torno do presidente Lula, que sugerem o fim das operações de Garantia da Lei e da Ordem, sem dizer como ficará a segurança pública no plano nacional. Então, parece que o governo Lula engatinha a este respeito. Não sei se haverá mudança no artigo 142.

Como o bolsonarismo afeta as Forças Armadas?

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Simples assim: o bolsonarismo considera as Forças Armadas como instituições de governo, à disposição de um ex-presidente despreparado, ideologicamente retrógrado que enxerga nos adversários inimigos a serem abatidos. Por tal motivo, o ambiente militar é altamente mobilizado do ponto de vista ideológico conservador, estimulado inclusive por militares inteligentes, cultos e preparados, em especial da reserva. Espero que o presidente Lula promova, de fato, o caráter “de Estado” que cabe às Forças Armadas no regime democrático.

O que explica que as Forças Armadas tenham dado abrigo, na porta de seus quartéis, aos acampamentos golpistas?

De um lado, os comandantes locais devem ter recebido e obedecido a orientação superior no sentido de amparar os aliados acampados em frente aos quartéis. Assim, seria difícil agir de modo diferente. De outro lado, o presidente Bolsonaro nada disse em sentido contrário. Em consequência, ficou ressaltado o caráter partidário do Exército: a favor de Bolsonaro e contra Lula mesmo depois de 30 de outubro. O Brasil viveu um real perigo de efervescência violenta, muito além do que se manifestou em Brasília. Mas o jogo não está plenamente jogado. Que poderá ocorrer se Bolsonaro for preso?

Foi nesses acampamentos, sobretudo no QG do Exército, em Brasília, que se gestou o ataque aos palácios, além do quebra-quebra do dia 12 de dezembro e a preparação da bomba que falhou no DF. Os militares agiram conscientemente ou erraram na avaliação de risco dessa iniciativa?

O mais provável é que os comandantes militares locais atuaram na obediência aos superiores, parece-me. Estes responderam aos anseios golpistas de Bolsonaro de rever os resultados da eleição presidencial, tal como evidencia o documento encontrado na residência de ex-ministro da Justiça e ex-secretário da Segurança Pública do DF, o delegado da PF Anderson Torres, uma espécie de Ato Institucional n° 1 de um golpe militar a partir da presidência e do ministério da Defesa. Em todo caso, do ponto de vista democrático, erraram redondamente. Faltou do ministro da Defesa e aos comandantes o reconhecimento do resultado da eleição presidencial, quando, como se sabe, eles haviam engrossado a desconfiança com relação a urna eletrônica.

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Em sua tentativa de golpe, bolsonaristas invadiram o Congresso Foto: Wilton Júnior/Estadão

Um golpe de Estado dos militares é um risco real?

Faço votos de que o ministro da Defesa, os comandantes militares, os Estados Maiores e os corpos de oficiais da Aeronáutica, do Exército e da Marinha voltem-se com reverência para a Constituição e a cumpram sob a autoridade suprema do presidente Lula. Nesta hipótese, não haverá riscos reais de golpe de Estado. Ademais, as Forças Armadas poderão beneficiar-se da diplomacia presidencial de Lula que se anuncia ampla e eficaz.

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