Um dos políticos mais poderosos de São Paulo, Milton Leite (União Brasil), 68, encerrará ao final do mês uma trajetória de 28 anos como vereador, os quatro últimos como presidente da Câmara Municipal. Ele garante que não disputará uma eleição novamente, mas a aposentadoria da vida pública não será imediata: Leite planeja liderar as articulações do União Brasil paulista para a eleição em 2026.
O partido, hoje aliado de Tarcísio de Freitas (Republicanos), negocia a chegada de Pablo Marçal (PRTB), como mostrou o Estadão, mas Leite é taxativo: uma eventual filiação do ex-coach em São Paulo precisará de sua anuência. “Ele não conversou comigo até hoje. Se o projeto for [candidatura por] São Paulo, seguramente passa por mim”, acrescentou ele. “Antes de filiar o Marçal, precisamos conhecer o projeto dele e em que âmbito pode nos interessar. Qual é o projeto dele?”, questionou o presidente do União Brasil paulistano.
Na reta final de sua carreira política, o vereador teve o sigilo fiscal quebrado pelo Ministério Público no âmbito de uma investigação que apura se a Transwolff, empresa de ônibus que atua no transporte público, lavou dinheiro para o Primeiro Comando da Capital (PCC). Leite afirma que conhece o presidente afastado da empresa, Luiz Carlos Efigênio Pacheco, o Pandora, que chegou a ser preso em uma operação em abril, mas conseguiu habeas corpus meses depois.
“[Não tenho] Preocupação não tem nenhuma. Quem não deve, não teme”, responde Leite quando indagado sobre a investigação. Ele avalia que o Ministério Público cometeu um erro e assegura que não houve lavagem de dinheiro e que a Transwolff não lavou dinheiro para a facção criminosa.
Que tem PCC (na TransWolff)? Tenho a absoluta convicção que não tem. Pode ter problema fiscal, de gestão, isso é outra história
Milton Leite
Veja os principais trechos da entrevista:
O senhor deixará a Câmara depois de 28 anos. Neste período, o que melhorou e piorou em São Paulo e na política paulistana?
Vamos olhar do aspecto da Câmara primeiro, na minha Presidência. Fizemos uma gestão voltada para a economia, na melhor entrega, no reconhecimento do quadro de colaboradores, na qualidade da gestão e do gasto. Isso melhorou muito.
E o que é mais importante: sem aumentar gastos. Eu economizei em seis anos de mandato R$ 1,2 bilhão. É muito dinheiro [devolvido] ao Tesouro para o senhor prefeito gastar como deseja. Isso é uma gestão exemplar. Nunca tivemos processo contra a Mesa Diretora, contra os gestores. Fizemos tudo com transparência total.
A segunda parte é a vida política. Melhoramos a interlocução com o Executivo, com o governo do Estado. Atuamos com muita firmeza nos investimentos que nós clamamos para a cidade de São Paulo. Os grandes investimentos foram para as regiões mais necessitadas. Foi objeto de discussão minha com o prefeito. Nós vamos investir maciçamente na periferia de São Paulo. Conseguimos obter resultados significativos, reconhecidos pelas urnas.
Por que o senhor nunca disputou outro cargo?
Eu gosto do Legislativo, nunca foi a minha vontade de ser Executivo.
Mas poderia ser integrante do Legislativo a nível estadual ou em Brasília.
Já tem meus filhos nos dois locais. Eu acho que aqui na Câmara a cidade pulsa mesmo. E eu não quis ir para Brasília porque tenho as minhas coisas, atividades, aqui na cidade de São Paulo. Mas aqui você pulsa a cidade, pulsa a população. Aqui é o cotidiano do cidadão. Aqui se discute a cidade em todos os setores. Aqui realmente é o ponto de encontro. Nós somos a concha: tomamos pancada da rocha e da água do mar.
Mas o senhor almeja ainda disputar outra eleição no futuro?
Não. Já está bom.
Mas e participar?
[Vou ficar] Mais dois ou três anos. Eu vou cuidar da campanha do União Brasil no Estado, organizar chapa para federal, para governador. Isso nós vamos fazer.
O senhor continuará como um articulador do União Brasil?
Só neste período. Depois faço a transição para os meus filhos e para os outros líderes locais.
Qual a estratégia que o senhor defende para o União Brasil a nível estadual e federal para a próxima eleição?
Ter participação em chapa majoritária, óbvio. Todo partido quer crescer. Aumentar a bancada estadual e a bancada federal.
Mas ter candidato próprio a governador?
Se não houver composição com o governador, sim. Eu espero que haja porque nós estamos nos dando muito bem com o Tarcísio. Há uma perspectiva muito boa de estarmos ao lado dele. Eu não se ele vai para presidente. Eu acredito, pessoalmente, que ele vai para governador.
O União tem três ministérios no governo Lula e tem uma boa relação com o Tarcísio. Até que ponto dá para ter um pé em cada canoa?
O partido é nacional, como todos os partidos. O PSD do Kassab tem secretário de Estado e tem ministério. O PP e o Republicanos a mesma coisa. Os partidos são nacionais. A parte do Norte e do Nordeste tem um perfil, Centro-Oeste outro, Sudeste outro e Sul outro. Então você tem perfis diferentes.
Isso é um país continental. É natural que tenha pensamento diferente. Nós ajustaremos esses eixos próximo das eleições majoritárias nacionais. A gente tenta buscar uma linha de intersecção possível. Sempre chegamos a um ponto comum e vamos em frente.
O senhor tinha uma relação muito boa com o Dória. Inclusive tinha espaço a nível estadual, com indicações.
Sim.
E em relação ao governador Tarcísio? Alguns partidos aliados, como PP e Podemos, queixam-se da articulação política do governador e da falta de espaço no governo. O senhor compartilha essa opinião?
Ele está melhorando essa relação. Ele é um governador que iniciou agora, está há dois anos do cargo, tinha um compromisso de agenda de campanha dele, que está cumprindo, está privatizando. Enxugar a máquina, enxugar cargos de comissão.
Quando ele diz “vamos acabar com a CPTM”. Obviamente, vão cargos embora. Acabou com a Sabesp. Os ex-tucanos perderam todos os cargos. Vários tucanos estavam encostados. Essas mudanças ele fez. Vai baixando o custo do Estado sem prejuízo do serviço. Quando ele privatiza linhas do metrô, ele baixa o custo-Estado. Ele está dentro daquilo que ele prometeu e está cumprindo. Ele está desestatizando tudo que é possível.
Nós temos que entender essa relação com ele. Não estou pleiteando espaço nenhum com ele. Ele usa algumas pessoas próximas ao União para participar do governo dele, técnicos nossos. E assim a gente mantém a relação. Não tem nenhum problema. Aliás, com ele tenho uma ótima relação.
Após a eleição municipal, surgiram novas conversas para a filiação do Pablo Marçal ao União Brasil. Ele seria bem-vindo ao partido?
O Pablo Marçal, até onde eu saiba, tem filiação em São Paulo. Muito bem. Como eu acabei de afirmar, se o projeto dele for nacional, a discussão será nacional e local. Se ele vier filiar aqui por São Paulo, obviamente eu teria que participar da negociação.
Antes de filiar o Pablo Marçal, nós precisamos conhecer o projeto dele e em que âmbito ele pode nos interessar. Qual é o projeto dele? Tem que haver intersecção dos dois pensamentos. O Pablo vem para que [candidato a qual cargo]?
Ainda não está claro.
Então por que estamos falando em filiação se nós efetivamente não conhecemos o que ele pretende fazer? Ele não conversou comigo até hoje, não conversei pessoalmente com ele. Se o projeto for [candidatura por] São Paulo, seguramente passa por mim.
Dependendo do projeto que ele traga para São Paulo, eu tenho que saber se haverá interferência nacional. Eu tenho que discutir, levar para Brasília para uma discussão ampla. Fazemos esse diálogo no União, não temos dificuldade. Temos que respeitar os outros líderes, os outros interesses. Senão é um partido verticalizado, alguém grita lá ‘eu vou fazer’ e outro obedece aqui. Essa conta não fecha assim não.
Alguns vereadores dizem que o senhor tem se movimentado para emplacar o vereador Ricardo Teixeira como secretário na Prefeitura porque tem interesse que o vereador Silvão Leite (ex-chefe de gabinete de Milton) seja o próximo presidente da Câmara.
Já decidiram por mim (risos). Eu discordo disso. É o seguinte: dentro do União tem uma disputa para decidir quem será o presidente dentro do acordo que nós fizemos. Espero que os partidos cumpram e estão cumprindo. O prefeito também está cumprindo a palavra dele. Ele é um homem de palavra. Faço questão que você ressalte isso.
Considerando que nós apoiamos o prefeito na eleição, demos a sustentação e temos que defender este governo, é natural que ele convide quadros da União [para serem secretários]. Exceto eu, que não quero. Mas qualquer um do União. Nós temos que discutir e ver como nós vamos fazer. E, obviamente, o presidente da Câmara interessa ele saber e conhecer quem será e a forma que será. Agora, dentro do União, todos são possíveis.
O senhor disse que há uma disputa dentro do União. Entre quem?
Todos os candidatos. Todo mundo quer ser presidente, imagina. Os caras sabendo que o União tem direito à vaga....
Em uma entrevista ao Estadão no final de outubro, o prefeito reconheceu o acordo para que o presidente seja do União, mas defendeu que seja um vereador com mais experiência e não alguém de primeiro mandato. O senhor já disse que estar no primeiro mandato não importa. Há um atrito entre vocês?
Ele defendeu, mas não vetou. Ele pode achar, ter uma opinião, como parlamentar que ele foi, que isso pode ajudá-lo. A gente vê tanta surpresa, quando acredita em um que tem experiência e depois não apresenta o mesmo resultado. Então, isso não é um veto dele a nenhum candidato do União. O único veto que ele apresentou publicamente foi o do Rubinho [Nunes, que apoiou Marçal na eleição]. Que eu tento convencer ele e mostrar que o Rubinho tem defendido ele.
Quais espaços o União pleiteia na Prefeitura?
Aqueles que o prefeito desejar.
Mas vamos lá, tem Secretaria de Mobilidade e Trânsito, Secretaria de Mananciais e de Proteção aos Animais. Essas duas últimas o senhor pediu, inclusive, a criação.
Eu pedi a criação, mas não pleiteei para mim. Eu pedi que ele crie para a cidade. A Secretaria de Proteção aos Animais, a esposa dele, a Regina, também defende. Não sei se a gente vai conseguir convencer o prefeito. Ele está resistindo, mas continuamos pleiteando. Não tem nenhum problema eu defender e ele dizer que não, mas continuarei pleiteando que até o final do mandato ele possa criar. Não é criar no dia 1º de janeiro de 2025. Eu preciso convencer ele que é bom e em algum momento ele criar no mandato dele.
A Secretaria de Habitação também é um desejo do União?
Nós temos simpatia à área de habitação. Se ele entender que o União tem quadros que lhe agradem, não vejo problema. Mas cabe a ele decidir.
Alguns vereadores dizem que há consenso se o Ricardo Teixeira for o nome indicado pelo União, mas que se o escolhido for um vereador de primeiro mandato, outros partidos podem lançar candidato para disputar o cargo.
Os partidos que compõem a base já têm praticamente essas assinaturas [para honrar o acordo em prol do União Brasil].
Então o senhor não vê risco desse racha acontecer?
O PSOL deve lançar candidatura, mas no final do dia, a casa estará pacificada com o nome do União. Temos paciência para conversar. Primeiro tentar ajustar com o prefeito para que ele consiga entender as razões dos nomes do União, aquele que mais lhe agrada e que agrade a gente também. Tem que haver uma concordância dos dois lados.
O senhor teve o sigilo fiscal quebrado no âmbito da investigação que apura o papel da Transwolff na suposta lavagem de dinheiro para o PCC. A investigação aponta que o senhor seria próximo de Luiz Carlos Efigênio Pacheco, o Pandora, que é o presidente afastado da empresa. Qual é a relação do senhor com ele? Essa investigação lhe preocupa de alguma forma?
Preocupação não tem nenhuma. Quem não deve, não teme. Eu conheço o Pandora. Primeiro, acho que você precisa atualizar, com todo respeito. Já restou sabido que aquilo que eles falavam que houve lavagem de dinheiro, não houve.
Eles acusavam um banco, o banco Luso, de ter feito lavagem. O Ministério Público disse, na primeira entrevista, que R$ 53 milhões foram lavados. Primeira coisa: não foi isso. Os R$ 53 milhões foram um aumento de capital da empresa Transwolff. Só R$ 23 milhões foram aumentados de capital. Os outros (R$ 30 milhões) foram aumento a ser integralizado ao longo do tempo com bens próprios.
Os R$ 23 milhões foram empréstimo bancário junto ao banco Luso. Ele emprestou para 89 pessoas, que emprestaram e pagaram, banco a banco. Eles pegaram, sacaram do banco Luso esses R$ 23 milhões, mandaram para a conta das pessoas, dos associados, antigos cooperados, mandaram para o Banco do Brasil, em suas contas pessoais, no Banco do Brasil, e da conta do Banco do Brasil foi para um fundo. Uma empresa-fundo que aumentou capital.
Esses empréstimos foram pagos, banco a banco, conta a conta. Onde que há lavagem de dinheiro se saiu banco a banco, conta a conta, onde é que entrou? Falar que é lavagem é um negócio estranho. Você tem que entrar e tem que sair (o dinheiro).
Essa era a suspeita do Ministério Público.
Mas ele não apontou onde entrou o dinheiro (supostamente do PCC). Onde ele disse que entrou, a Justiça denegou e soltou o Luiz Pandora. Soltou de imediato, falou “isso aqui não se sustenta”. Ao contrário do que vocês estão dizendo.
Por que não se sustenta? Porque não houve isso. Primeiro, acho que eles cometeram um equívoco ali ao formatar a primeira fala. Quando fala R$ 53 milhões depositado em dinheiro. Nunca houve depósito em dinheiro. O banco foi inocentado da acusação.
Se não houve lavagem através do banco, como é que lavou o dinheiro da Transwolff se o dinheiro saiu da conta dele?
O senhor acredita na inocência da empresa?
Que tem PCC? Tenho a absoluta convicção que não tem. Pode ter problema fiscal, de gestão, isso é outra história. Se você perguntar para mim, eu acredito que possa ter. Eu não estou lá dentro, não sou sócio, não tenho ônibus, não tenho nada.
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