Governo Lula distribui verba de emendas da Saúde sem explicar critério e ignora pedidos do Congresso

Ministério da Saúde diz que não cabia indicações em emendas de bancada e que atendeu propostas de Estados e municípios; a pasta alegou ‘emergência’ sem explicar sobre qual situação se fundamentou, o dinheiro superou capacidade de atendimento em algumas cidades

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Atualização:

BRASÍLIA - O Ministério da Saúde pegou o dinheiro reservado a emendas parlamentares de bancada para mandar recursos a Estados e municípios à revelia das indicações formais do Congresso Nacional, não atendendo prefeituras indicadas pelas bancadas e repassando as verbas para outras cidades por critérios próprios. A pasta alegou “emergência” para fazer essa distribuição sem seguir critérios técnicos, mas não explicou – embora tenha sido questionada várias vezes pela reportagem – que situação fundamenta essa classificação.

Conforme o Estadão revelou, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) distribuiu R$ 8 bilhões da Saúde em troca de apoio político em 2023, atropelando critérios técnicos e repassando dinheiro de cirurgias e exames para cidades que não tinham capacidade de realizar esses procedimentos.

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Parte desses recursos, um total de R$ 241 milhões, foi enviada às custas de uma reserva no Orçamento destinada às emendas de bancada não impositivas e não atendeu aos pedidos formalizados pelos parlamentares. O governo não tinha a obrigação de obedecer às indicações, mas mexeu com um dinheiro que geralmente segue uma lógica de negociação sempre respeitada.

Ao fazer a movimentação, o ministério passou por cima das propostas apoiadas formalmente pelos parlamentares e beneficiou cidades que não têm capacidade para realizar procedimentos de alta e média complexidade com o dinheiro recebido. A transferência ainda pode ter atendido alguma indicação política, mas o órgão não deu transparência para essas negociações.

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Ministro de Relações Institucionais da Presidência da República, Alexandre Padilha, e a ministra da Saúde, Nísia Trindade. Foto: Ricardo Stuckert/PR

A distribuição da verba à revelia do Congresso é um dos principais ingredientes na disputa entre o Executivo e o Legislativo pelo controle do orçamento do Ministério da Saúde. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tinha domínio sobre as liberações do orçamento secreto, esquema revelado pelo Estadão, no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

No governo Lula, o controle é exercido pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, padrinho da ministra da Saúde, Nísia Trindade, no cargo. Após sucessivas cobranças e queixas de Lira levadas diretamente a Lula, o dinheiro foi rateado. Parlamentares reclamam que o governo atropelou as indicações do Congresso ao liberar vários recursos por conta própria.

A bancada de São Paulo indicou R$ 52,6 milhões da Saúde para a gestão estadual, mas não foi atendida. O dinheiro seria destinado ao Fundo Estadual de Saúde e poderia beneficiar hospitais de alta e média complexidade. A verba foi parar em municípios paulistas escolhidos pelo próprio ministério. Mairiporã recebeu R$ 8,1 milhões. O valor extrapolou o limite estabelecido para os repasses regulares da pasta para o município (R$ 7,9 milhões) e também o limite para a indicação de emendas na cidade (R$ 1,6 milhão). Embu das Artes (SP) levou R$ 10 milhões, abaixo do teto regular (R$ 23,7 milhões) mas acima do limite para emendas (R$ 9,9 milhões), e também não teve apoio formal da bancada.

O coordenador da bancada de São Paulo, deputado Antonio Carlos Rodrigues (PL-SP), afirmou que não tinha informação do que foi feito com as indicações das emendas não impositivas. “Das emendas impositivas, os compromissos foram cumpridos. Das não impositivas, é sempre um ponto de interrogação”, afirmou. Integrantes do grupo criticam o manejo das verbas pelo Ministério da Saúde. “Que critério é esse? Se atendeu algum parlamentar, tem que falar quem foi”, disse o deputado Fausto Pinato (PP-SP).

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A bancada do Maranhão indicou R$ 8,5 milhões para o governo do Estado e R$ 3,5 milhões para a prefeitura de São Luís custear procedimentos de alta e média complexidade, mas também não foi atendida. O ministério pegou o dinheiro e liberou, em um único dia, R$ 1,9 milhão para São Bernardo (MA), cidade de 26.943 habitantes que só tinha estrutura para receber R$ 968,7 mil de repasses regulares do governo federal e R$ 940 mil de emendas parlamentares. Procurada, a prefeitura de São Bernardo disse que “todos os recursos destinados ao município são investidos dentro das normas vigentes e regulamentações para utilização dos mesmos”.

Em Goiás, o grupo de deputados e senadores tentou enviar R$ 9,8 milhões para Goiânia, mas o recurso foi distribuído pelo ministério para outras cidades menores, que não foram indicadas pela bancada, incluindo R$ 631 mil Abadia de Goiás, R$ 299 mil para Buriti de Goiás e R$ 493 mil para Chapadão do Céu. Nesses casos, o repasse ultrapassou o teto regular, e não o teto de emendas, mas deixou a capital do Estado sem o recurso solicitado. “Que sacanagem. Nem sabia disso. A coordenadora da bancada não passou nada para nós”, disse o deputado Zacharias Calil (União-GO). A coordenadora da bancada é a deputada Flávia Morais (PDT-GO).

Nísia Trindade assinou portaria autorizando dinheiro de emendas acima do teto

No dia 12 de dezembro, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, assinou uma portaria para estabelecer que as emendas de bancada não impositivas seguiriam as mesmas regras da Portaria 544, publicada em maio, e que foi usada pelo governo Lula para atender aliados. Com essa vinculação, a pasta classificou o dinheiro como emergencial e driblou os limites de recursos impostos a cada município, sem explicar que emergência ocorreu.

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a ministra da Saúde, Nísia Trindade, durante cerimônia do programa Mais Médicos, em julho de 2023. Foto: Wilton Junior/Estadão

No dia 28 de dezembro, quando o Congresso já estava sem atividades, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, assinou uma portaria liberando um total de R$ 601,9 milhões para bancar a realização de exames e cirurgias em Estados e municípios. Desse montante, R$ 241 milhões saíram das emendas de bancada. O que era para ser um atendimento das indicações do Congresso virou recurso distribuído por conta própria do governo, criando distorções nos repasses.

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Ministério da Saúde diz ter atendido propostas de Estados e municípios

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O Ministério da Saúde afirmou ao Estadão que atendeu propostas de Estados e municípios e que, nesses recursos, não cabia às bancadas escolher as localidades beneficiadas. Além da portaria assinada pela ministra no dia 12 de dezembro, uma portaria interministerial do dia 3 de março do ano passado afastou a aplicação das indicações pelos autores das emendas não impositivas.

De acordo com a pasta, os repasses foram feitos para propostas apresentadas pelos gestores estaduais, municipais e distrital de Saúde, observando requerimentos técnicos de cada política pública e a disponibilidade de dinheiro no Orçamento. “Portanto, não há indicações de beneficiários nestas situações, a apresentação de propostas compete aos gestores estaduais e municipais”, diz o órgão.

Sobre a diferença entre os valores recebidos por municípios, e a falta de recurso para outros, o ministério afirmou que há dificuldade de estabelecer comparações entre as diversas realidades sanitárias e socioeconômicas dos municípios do País. Além disso, disse a pasta, “é necessário entender que os diversos componentes de financiamento da Média e Alta Complexidade devem ser considerados em conjunto, ou seja, observando o universo de portarias publicadas durante o exercício financeiro.”

O que são emendas de bancada?

Emendas de bancada são recursos indicados pelo conjunto de deputados e senadores de cada Estado no Orçamento da União. Todos os anos, os parlamentares da Bahia, por exemplo, indicam o envio de verbas federais para uma rodovia no Estado. O mesmo acontece com São Paulo, que destina repasses para um hospital mantido pelo governo estadual.

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Quem paga o recurso é o governo federal. Parte das emendas, porém, não são impositivas, ou seja, o Executivo não é obrigado a atender os parlamentares, mas todos os anos entram no Orçamento e entram na mesma lógica de negociação. Foi nessa parcela de dinheiro que o ministério mexeu.

No total, as bancadas estaduais indicaram R$ 828 milhões em emendas não impositivas ao Ministério da Saúde em 2023, dos quais R$ 673 milhões foram efetivamente liberados – o restante foi cancelado. O ministério só definiu a liberação do dinheiro nos últimos 10 dias do ano, sendo que 74% do valor teve a destinação decidida nos dias 30 e 31 de dezembro.