Ministério Público pede que TCU investigue ‘mercado paralelo de garantias’

MP também quer que tribunal impeça governo de aceitar fianças bancárias de empresas que não são bancos. Caso foi revelado pelo Estadão

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BRASÍLIA — O Ministério Público Federal (MPF) pediu ao Tribunal de Contas da União (TCU) que investigue o “mercado paralelo de garantias”, formado por empresas que atuam como garantidoras em contratos do poder público, mesmo sem autorização legal. Uma representação sobre o assunto foi apresentada nesta quarta-feira, 3, pelo subprocurador-geral da República junto TCU, Lucas Furtado

No texto, Furtado pede, ainda, decisão liminar (provisória) da Corte de Contas para impedir que o governo federal continue aceitando garantias de empresas não autorizadas. A existência desse “mercado paralelo” começou a ser revelada na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, durante as investigações sobre a compra da vacina indiana Covaxin.

A sede do Tribunal de Contas da União (TCU), em Brasília Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado - 9/8/2019

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A CPI instalada no Senado descobriu que o Ministério da Saúde aceitou, em março, garantia de R$ 80,7 milhões de uma empresa chamada FIB Bank, ligada ao empresário de TV Marcos Tolentino. Apesar do nome, o FIB Bank não é um banco reconhecido pelo Banco Central (BC) e nem uma seguradora regulada pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), como exigido pela legislação.

Nesta segunda-feira, 1.º, reportagem do Estadão mostrou a existência de mais oito empresas que também atuaram como garantidoras de contratos públicos, mesmo sem serem reconhecidas pelo BC ou pela Susep. Muitas delas também usam o termo inglês “Bank” no nome e declaram ter patrimônio milionário ou bilionário, mas documentos públicos mostram inconsistências no suposto capital das firmas.

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"Alarmante". Na representação, o subprocurador Lucas Furtado afirma que a situação é “alarmante”. “Ao que parece, os responsáveis por atestar o atendimento da exigência legal vem se deixando enganar e aceitando compromissos fidejussórios firmados por instituições não bancárias e inidôneas (...). A administração tem sido iludida, aparentemente, por singelos artifícios, como, por exemplo, a adoção da palavra ‘bank’ na denominação social das empresas fornecedoras da garantia”, diz o texto.

Além do FIB Bank e do National Bank, mencionados durante as investigações da CPI da Covid, a reportagem do Estadão encontrou outras oito empresas: Maxximus Bank, Garantia Bank, BMB Bank, Capital Merchant Bank, Analysisbank, Alpha Bank, Profit Bank e Infinite Bank.

A atuação destas empresas se estende desde empresas públicas até prefeituras, passando por vários ministérios. Só a pasta da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), por exemplo, aceitou pelo menos seis cartas-fianças das instituições Infinite Bank S/A, Analysisbank, e Maxximus Afiançadora, além do FIB Bank. A informação consta da lista de garantias aceitas pelo ministério, obtida pela reportagem por meio da Lei de Acesso à Informação.

“Se já não bastasse o fato de a natureza jurídica das instituições em tela não ser bancária — e, portanto, não se submeterem aos controles próprios pelo Banco Central —, tudo indica se tratar de empresas inidôneas, que declaram patrimônio inexistente e se utilizam de sócios e dirigentes ‘laranjas’”, anotou Furtado na representação.

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“A conduta que vem sendo praticada por diversos órgãos da administração, no sentido de não distinguir adequadamente entre fianças prestadas por instituições bancárias de outras prestadas por instituições de natureza diversa, além de ser ilegal e de constituir risco de prejuízo aos cofres públicos, proporciona competição injusta aos licitantes, haja vista que esse tipo de garantia tem permitido a redução temerária dos custos de quem a ela recorre”, escreveu o subprocurador-geral.

A representação formulada pelo MP junto ao TCU será encaminhada para a área técnica do tribunal, que é a responsável pela investigação. Na representação, Furtado pede, ainda, que empresas envolvidas sejam declaradas inidôneas e impedidas de contratar com a administração pública, além da identificação e eventual punição dos servidores públicos que aceitaram as garantias. 

Apesar do nome, o TCU não é parte do Judiciário — trata-se de um órgão de assessoria do Congresso, com a atribuição dada pela Constituição de fiscalizar o funcionamento do Poder Executivo. Entre as funções da Corte de Contas está a fiscalização de possíveis irregularidades em contratos firmados pelo governo. Embora o TCU não possa responsabilizar criminalmente uma empresa ou servidor público, pode aplicar multas e expedir recomendações.

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