Filha de seringueiros, Marina Silva nasceu Maria Osmarina Silva de Souza. A contração veio da dificuldade da família em conseguir falar corretamente seu nome, ficou Marina. Aos 10 anos, em 1968, já trabalhava com os pais e irmãos em um seringal no Acre.
A menina, que perdeu a mãe e as irmãs por doenças como malária e sarampo, e teve que enfrentar a contaminação por mercúrio e leishmaniose, foi aprender a ler e escrever apenas no meio da adolescência, aos 16 anos. Início de vida surpreendente para a mulher que assumirá pela segunda vez o Ministério do Meio Ambiente, que agora se chamará Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, com um desafio maior do que encontrou em 2002
Desta vez, não apenas as taxas de desmatamento são crescentes, como os órgãos ambientais de combate foram desmobilizados e perderam quadros importantes durante o governo de Jair Bolsonaro. A remontagem dessa estrutura, como disse Marina ao Estadão, na véspera do segundo turno das eleições, exigirá “um esforço de pós-guerra”.
Hoje reconhecida internacionalmente por sua dedicação aos temas ambientais, Marina queria ser freira. Acabou estudando História e, em 1984, iniciou sua carreira política como vice-coordenadora da CUT no Acre. Filiou-se ao PT em 1985. O seringueiro e ambientalista Chico Mendes era o presidente da entidade. Em 1988 foi eleita a vereadora mais votada de Rio Branco. No mesmo ano, Chico Mendes foi assassinado.
Dali para frente a menina franzina não parou de crescer. Em 1990, foi eleita deputada estadual, mais uma vez a mais votada. Em 1994, senadora, aos 36 anos. Reeleita em 2002, foi nomeada ministra do Meio Ambiente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 1º de janeiro de 2003.
O Brasil vivia, então, os efeitos do aumento exponencial do desmatamento na Amazônia, reflexo de anos de uma política ambiental que via na maior floresta tropical do mundo um deserto verde a ser ocupado e colonizado.
Com seu estilo discreto e sua fala baixa, foi a responsável pelo declínio dos índices de desmatamento. Em sua gestão foi criado o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), em 2004. O objetivo era reduzir de forma contínua o desmatamento e criar as condições para a transição para um modelo de desenvolvimento sustentável na Amazônia Legal. Aos poucos os resultados apareceram.
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Na mesma medida em que as taxas de desmatamento caíam após dois anos de alta no início do governo Lula, Marina foi também acumulando a admiração dentro e fora do Brasil. Em 2007, por exemplo, recebeu o prêmio “Champions of the Earth” da ONU por sua luta para proteger a floresta amazônica - concedido a seis outras personalidades, entre elas o ex-vice-presidente dos EUA, Al Gore. No mesmo ano, o jornal britânico The Guardian apontou a agora futura ministra confirmada por Lula como uma das 50 pessoas que podem ajudar a salvar o mundo.
Ao mesmo tempo, os problemas e discordâncias com os rumos do governo foram crescendo. Perdeu embates internos importantes no PT, como a luta contra os transgênicos, contra a usina nuclear de Angra 3 e não conseguiu aprovar uma Comissão Técnica nacional de Biossegurança (CNTBio) mais ambientalista. Teve também divergências com a a então ministra-chefe da Casa Civil, que era Dilma Rousseff, uma reedição da rusga que surgira quando a ex-presidente ocupava a pasta das Minas e Energia.
Passou a dar recados claros que não estava disposta a flexibilizar as regras ambientais em sua gestão para permanecer no governo. Anunciou sua saída do Ministério do Meio Ambiente em 13 de maio de 2008, após perder disputa com o também ministro Roberto Mangabeira Unger, titular da pasta de Assuntos Estratégicos, escolhido por Lula para coordenar o Plano Amazônia Sustentável.
Em 19 de agosto de 2009, Marina deixou o PT e se tornou pré-candidata do Partido Verde à presidência da República pelo PV. Terminou o primeiro turno em terceiro lugar com 19.636.359 votos, ou 19,33% dos votos válidos, um desempenho surpreendente que a colocou de vez no mapa dos presidenciáveis. .
Em 2013, após se desligar do PV, participou da criação da “Rede Sustentabilidade”, novo partido liderado por ela e no qual pretendia concorrer pela segunda vez à presidência, nas eleições de 2014. A legenda, no entanto, não conseguiu o registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Marina decidiu se aliar ao PSB e ao então candidato Eduardo Campos, morto em acidente aéreo durante a campanha.
Após a morte de Campos, a ex-ministra ocupou a cabeça de chapa e concorreu pela segunda vez à presidência. Novamente ficou em 3º lugar, dessa vez com 22.154.707 de votos. No segundo turno, apoiou o candidato do PSDB Aécio Neves, o que lhe custou críticas de parte da esquerda e até mesmo de seus eleitores.
Quatro anos depois disputou pela terceira vez consecutiva o cargo. Dessa vez, teve seu pior desempenho no pleito presidencial, terminando em oitavo lugar, com 1.069.575 de votos, a eleição que levou Jair Bolsonaro à presidência.
Desde então, Marina foi voz ativa no combate ao desmonte dos órgãos ambientais e ao aumento nas taxas de desmatamento e ilícitos na Amazônia e outros biomas no governo Bolsonaro. Sua participação nas COPs, a conferência do clima da ONU, também a colocou ainda mais em posição de destaque.
Na oposição a Bolsonaro, Marina se reaproximou de Lula, de quem se tornou crítica após deixar o PT. Durante a campanha do petista, coube ao agora também futuro ministro Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo, promover o reencontro dos dois que levou à manifestação pública de apoio de Marina à nova candidatura do líder do PT.
Vinte anos depois de assumir o Ministério do Meio Ambiente pela primeira vez, Marina defende que o tema, assim como as mudanças climáticas, seja tratado de forma intersetorial pelo governo. A seu favor terá a criação de secretarias na pasta, como a de Mudanças Climáticas, e uma secretaria extraordinária para organizar a regularização fundiária na Amazônia, um dos maiores problemas associados ao desmatamento. “Não há como enfrentar o desmatamento e as questões do clima sem essa visão transversal”, disse ao Estadão em novembro a futura ministra.
Entre suas primeiras medidas devem estar a reativação do Fundo Amazônia, suspenso desde o início do governo Bolsonaro, e a reconstrução dos órgãos de comando e controle, como o Ibama e o ICMBio, trabalho de “pós-guerra”.
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