Ministro da CGU admite que Portal da Transparência do governo não tem dados sobre orçamento secreto

Em resposta a internauta, Wagner Rosário admite que Portal da Transparência não traz informações sobre autoria de pedidos do orçamento secreto, e alega não ter informações. Gestão do dinheiro era feita dentro do Palácio do Planalto em 2020

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Foto do author André Shalders
Atualização:

BRASÍLIA – O ministro-chefe da Controladoria-Geral da União (CGU), Wagner Rosário, admitiu que o Portal da Transparência não tem informações sobre os autores das emendas do orçamento secreto. Respondendo a um internauta no Twitter, Rosário reconheceu que o Portal da Transparência não permite identificar quem são os deputados e senadores que indicaram o destino do dinheiro público.

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Rosário foi questionado sobre o tema ao postar um vídeo mostrando como pesquisar informações sobre emendas parlamentares no Portal da Transparência. O ministro tentava mostra que o “orçamento secreto” está todo exposto de forma clara no site do governo que contém dados sobre gastos públicos. “As emendas de relator, apelidadas de orçamento secreto, são alterações realizadas pelo relator do orçamento na proposta orçamentária encaminhada pelo Governo Federal. Vc sabia que elas estão todas detalhadas no portal da transparência ? Assista o vídeo e fiscalize!”, escreveu Rosário.

A publicação começou a circular entre apoiadores do governo na tentativa de reforçar a ideia de transparência da gestão. Até que o próprio Rosário foi questionado por um seguidor na rede social. “Ministro, e quem pediu a emenda ao relator (do Orçamento)? Tem esse dado no Portal da Transparência?”, questionou o usuário Alessandro Pignata. “Infelizmente não Alessandro. Quem tem essa informação é o relator. Quando tivermos colocaremos no Portal. O Congresso já começou a colocar no site alguns beneficiários. Vc pode checar. Não sei se está completo”, disse Rosário com um link para o site da Câmara dos Deputados – que só tem os nomes dos responsáveis por parte dos pedidos.

Ao contrário do que diz o ministro, o Poder Executivo detém informações sobre os autores das emendas. Quando as verbas do orçamento secreto começaram a ser distribuídas, em 2020, o controle dos pedidos era feito pela Secretaria de Governo (Segov), pasta comandada à época pelo atual ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, o general Luiz Eduardo Ramos, e que funciona dentro do Palácio do Planalto. Desde o início da distribuição das verbas, os pagamentos somam pouco mais de R$ 20,4 bilhões.

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O orçamento secreto é um mecanismo criado pelo governo Bolsonaro no fim de 2019 para garantir apoio no Congresso em troca da liberação de recursos que os parlamentares direcionam para suas bases eleitorais. Formalmente, as emendas são registradas como sendo de autoria do relator-geral do Orçamento da União daquele ano – por isso o nome de “emendas de relator”.

Além disso, ao contrário do que acontece com parte das emendas individuais (identificadas no Orçamento pelo código RP 6) e de bancada (código RP 7), as emendas de relator (também chamadas de RP 9) não são impositivas – isto é, elas só são pagas mediante decisão do Executivo.

O senador Márcio Bittar (União-AC) foi o relator-geral do orçamento de 2021, no segundo ano de vigência do orçamento secreto. Na época, diz ele, não existia a obrigação legal de manter registros detalhados sobre quem pedia o quê. “Até o segundo ano, a lei que criou o RP 9 (a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2020) não obrigava que a emenda dissesse quem pediu. Se foi o governador, se foi o prefeito, se foi um deputado federal, uma bancada (...). Não havia na lei essa obrigação. Isso é que gerou toda essa desconfiança e todo esse caso que vocês batizaram… de orçamento secreto, quando nada é secreto”, diz ele.

Por esta razão, alega Bittar, não existem registros completos sobre os autores por detrás dos pedidos. “A única questão é: quem pedia a emenda, quem pedia o auxílio, a lei não dizia que tinha que estar. Então eu, por exemplo, recebi milhares de pessoas. Prefeitos, governadores, deputados estaduais, líderes, bancadas. Então não havia uma lei que dissesse que, ao acatar (um pedido), você tem que botar o nome dele”, diz.

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A necessidade de maior transparência veio a partir de pressão do Supremo Tribunal Federal (STF). “E aí o presidente do Congresso (o senador Rodrigo Pacheco, do PSD-MG), em conversa com a (ministra) Cármen Lúcia (do STF), chegaram a um acordo de cavalheiros (no fim de 2021) para que a gente solicitasse aos parlamentares, buscasse na memória tudo que pudesse ter de informação. Quando foi em abril deste ano, um monte de informações, o que foi possível, foi enviado ao Supremo. E ao mesmo tempo foi aperfeiçoada a lei, no fim do ano passado, para dizer que este ano essa falha será corrigida”, diz Bittar.

Registros do governo

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) contesta a alegação de que não existem registros dos parlamentares que indicaram o destino das verbas. Para Vieira, é “evidente” que o governo mantém registros sobre quais políticos são agraciados com as verbas do orçamento secreto – uma rubrica que só em 2020 soma R$ 7,02 bilhões já pagos. “É evidente que essa massa gigantesca de recursos (do Orçamento Secreto) é distribuída mediante acordo político e com registro dessas transações. Não há expectativa de você ter uma distribuição bilionária de recursos sem você que você tenha por parte do governo um controle muito claro de quem pede cada coisa”, diz ele.

O presidente Jair Bolsonaro disse em debate na TV que tinha lista de deputados do PT beneficiados pelo orçamento secreto. Foto: Reuters

“O presidente da República (Jair Bolsonaro, do PL), no último debate (promovido pelo portal UOL e pela TV Band nesta segunda-feira, dia 17) ele fala isso. Que nunca daria esse dinheiro se o Congresso não votasse com ele”, diz Vieira. Durante o debate, Bolsonaro mostrou um papel que ele dizia conter uma lista de congressistas de esquerda que receberam recursos do orçamento secreto. Por isso, Vieira apresentou um pedido ao STF solicitando que a Corte obrigue Bolsonaro a disponibilizar as informações que possui sobre a destinação das emendas de relator. “Basicamente a gente tem aproveitado todas as oportunidades para pressionar o STF no sentido de buscar mais transparência”, diz o senador sergipano.

Nota

Procurada pela reportagem do Estadão, a CGU reiterou que não sabe quem são os autores dos pedidos. “Em relação ao nome dos parlamentares que tenham participado da indicação da emenda junto ao Relator, além de nunca ter sido afirmado que constava do Portal, este dado, obviamente, só está disponível com cada deputado e com o Relator. Não há como a CGU dar transparência a essa informação, uma vez que a CGU não tem essa informação sob o seu domínio”, disse o órgão, em nota. “Dessa forma é impossível que a CGU publique informações que o órgão não tem acesso, e isso, por óbvio, não caracteriza falta de transparência das informações”, diz o texto.

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