BRASÍLIA - O ministro da Integração e do Desenvolvimento Regional, Waldez Góes (PDT), usou os últimos dois meses do ano passado para assinar dezenas de convênios que vão transferir — alguns deles em pleno ano eleitoral — mais de R$ 321 milhões para cidades governadas por prefeitos aliados do seu grupo político no Amapá, onde já foi governador por quatro mandatos. O atual chefe do Executivo estadual também foi beneficiado pelas verbas.
Dentre os municípios beneficiados pelos repasses do governo federal, oito têm prefeitos que devem concorrer à reeleição ou vice-prefeitos em busca de assumir a cabeça de chapa neste ano. A maior parte do dinheiro que vai turbinar os cofres das cidades administradas por esses políticos será destinado a obras de grande apelo eleitoral. Procurado pela reportagem, o MIDR afirmou que “são seguidos rigorosamente todos os critérios técnicos antes da liberação de recursos e, consequentemente, da execução de projetos”, mas não explicou porque apenas governos aliados foram contemplados.
A equipe de Góes assinou 46 convênios entre outubro do ano passado e janeiro deste ano. Os R$ 321 milhões celebrados entre o Ministério da Integração, os municípios e o governo do Estado por meio deste instrumento já foram empenhados – ou seja, a pasta já reservou os recursos, mas ainda não liberou o dinheiro.
Os convênios estabelecem a transferência de recursos financeiros do governo federal a Estados, municípios e organizações com o objetivo de executar projetos pré-aprovados em negociações políticas. O gestor público que deseja obter os repasses precisa apresentar uma contrapartida, muitas vezes irrisória, para contribuir com os custos da obra a ser viabilizada com o dinheiro da União.
As cidades de Macapá, Tartarugalzinho e Calçoene foram as únicas a receber os repasses até o momento, que correspondem a R$ 11,2 milhões do total. O dinheiro destinado a esses municípios foi liberado antecipadamente pela pasta da Integração por meio de cinco convênios para viabilizar ações de resposta, socorro e restabelecimento de áreas atingidas por desastres naturais.
Os 41 contratos restantes, que equivalem a R$ 310 milhões, envolvem as obras “preferidas” dos prefeitos, como pavimentação de estradas, compra de maquinário agrícola, investimento em startups e construção de galpões, pontes, mercados e feiras populares. Esse tipo de gasto público garante entregas mais rápidas e de grande retorno político.
As cidades beneficiadas pelos convênios são governadas por prefeitos que têm relações próximas não só com Góes, mas também com o seu padrinho político no Ministério da Integração, o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). Dos nove municípios que vão ser beneficiados pelos repasses, apenas dois não são governados por aliados do parlamentar e do ministro (mais informações abaixo). O Amapá tem apenas 16 cidades e 11 delas são chefiadas por pessoas próximas ao senador.
Procurado, Alcolumbre afirmou, por meio de nota, que “a liberação de recursos para obras e investimentos no Amapá também é uma demonstração de que o senador se empenha em favor do estado que o elegeu”. O parlamentar, contudo, alegou que a responsabilidade pelos convênios é exclusivamente dos agentes envolvidos na operação. Ele não respondeu se pediu que os recursos fossem direcionados para os seus aliados.
“A execução de contratos e convênios públicos, inclusive daqueles provenientes de recursos aprovados à Lei Orçamentária por meio de emendas parlamentares, é atribuição única e exclusiva dos respectivos Poderes Executivos”, disse Alcolumbre. O Estadão procurou todas as Prefeituras contempladas e o governo do Estado do Amapá, mas não teve retorno até a publicação desta reportagem.
Embora tenha favorecido políticos do seu grupo no Amapá, Góes não direcionou a maior parte dos recursos disponíveis no Ministério para o seu reduto eleitoral. As cidades do Piauí, por exemplo, foram contempladas com R$ 863 milhões derivados de 210 convênios voltados a obras e pavimentação. Até o momento, apenas R$ 2 milhões foram liberados pela pasta da Integração.
Minas Gerais também recebeu valores vultosos. As cidades mineiras assinaram 484 convênios com o governo federal que renderam R$ 468 milhões, dos quais R$ 60 milhões já foram liberados. Neste caso, mais de um terço dos contratos foram direcionados a ações de resposta a situações de crise.
Municípios recordistas de repasses já foram beneficiados por orçamento secreto de Alcolumbre
A Prefeitura de Pedra Branca do Amapari, no Amapá, é uma das que mais vai receber recursos da União. A cidade governada pela prefeita Beth Pelaes (União Brasil) receberá R$ 19 milhões para serem aplicados em três obras de pavimentação de estradas vicinais e blocos intertravados. A chefe do Executivo pedrabrancaniense é aliada de Alcolumbre, a quem considera “o parceiro número um do município”.
Como revelou o Estadão, a cidade de pouco mais de 17 mil habitantes recebeu mais de R$ 13,5 milhões em recursos do orçamento secreto e de emenda pix — também chamada de transferência especial, com o parlamentar definindo o destino do dinheiro sem controle federal. Do total, R$ 9,5 milhões foram destinados à cidade para “urbanização da orla com pavimentação”.
A prefeita se reuniu com Góes no Ministério da Integração em agosto do ano passado. Na ocasião foram discutidos dois projetos de apoio à agricultura de Pedra Branca do Amapari. “Temos muito orgulho de ter o ministro do Amapá e tenho certeza que vai dar todo apoio, com todo carinho, nesse momento que nós estamos mais precisando”, disse Pelaes em vídeo publicado nas redes sociais.
Pelaes foi uma das únicas beneficiadas com os convênios que não poderá concorrer à reeleição. Ela exerce o segundo mandato consecutivo. Porém, a expectativa é que o seu vice, também do União Brasil, tente manter o controle da política local nas eleições deste ano. Na prática, o município é comandado desde julho de 2022 pelo vice-prefeito, Marcelo Pantoja. Foi durante a gestão interina dele, em dezembro do ano passado, que os contratos com o Ministério da Integração foram assinados. A prefeita se ausentou do cargo para cumprir licença maternidade e cuidar da saúde. Nesse intervalo, Pantoja começou a ser apontado por veículos locais como o possível candidato da situação nas eleições municipais.
Outra cidade recordista em repasses do Ministério foi Tartarugalzinho, cujo prefeito é Bruno Mineiro (PDT) — correligionário de Góes e aliado de Alcolumbre. O município receberá R$ 35 milhões por meio dos convênios. Desse montante, R$ 704 mil já foram liberados para ações de enfrentamento a desastres climáticos. Os R$ 34,7 milhões restantes vão para a construção da feira do produtor local e a pavimentação de estradas rurais.
Bruno Mineiro já foi condenado juntamente com o segundo suplente de Alcolumbre, o empresário Breno Pinto, pelo crime de desmatamento ilegal de 83 hectares, equivalente a 77 campos de futebol, durante a execução de obras no Amapá. A sentença determinou que os dois deveriam pagar multas e prestar de serviço comunitário. A despeito do histórico na Justiça, o prefeito de Tartarugalzinho deve ter o nome à disposição nas urnas nas eleições deste ano.
A lista de aliados de Alcolumbre privilegiados pelos convênios também inclui o nome do prefeito de Santana, Bala Rocha (PP), que teve acesso a R$ 16,3 milhões para pavimentar estradas e comprar maquinário agrícola. O político deve ser candidato à reeleição neste ano.
O Estadão revelou que o município governado por Bala Rocha foi destino de R$ 9 milhões em emendas do orçamento secreto enviadas por Alcolumbre no ano passado. Esse dinheiro contratou a empresa do suplente do senador, novamente Breno Pinto, para executar pavimentação asfáltica. A empresa foi alvo de investigação da Polícia Federal (PF) por suspeita de superfaturamento em obras no Amapá.
Em vídeo publicado nas redes sociais após visita ao gabinete de Góes, o prefeito Bala Rocha compartilhou que foram atendidas outras seis demandas do município por meio da Codevasf, que ficou conhecida como a estatal do Centrão durante o governo Jair Bolsonaro. O ministro destacou a articulação com Alcolumbre e outros parlamentares para destinar recursos à pavimentação da cidade. ”Conte 100% com o governo do presidente Lula (...) Vai ter muita pavimentação em Santana”, disse o ministro da Integração.
O cenário se repete na cidade de Ferreira Gomes, onde o prefeito Divino Rocha (PP) deve concorrer à reeleição tendo como trunfo R$ 1,9 milhões em convênio com o governo federal para a construção e manutenção de estradas. O político chegou a ter o mandato cassado pela Câmara Municipal em dezembro do ano passado sob acusações de fraude de licitação, nomeação de pessoa investigada, presença de funcionários fantasmas em gabinete, superfaturamento na locação de ônibus, dentre outros. Porém, menos de dez dias depois da cassação, ele foi reconduzido ao cargo por decisão da Justiça.
Outro prefeito que vai buscar a reeleição neste ano é Ronaldo Santos Barros, de Calçoene, um aliado de Alcolumbre. O político receberá R$ 7,1 milhões para bancar a pavimentação de vias rurais do município. Além desses recursos, a cidade já havia sido beneficiada com R$ 249 mil para prestar socorro e assistência aos moradores atingidos por desastres naturais.
Já o prefeito de Cutias, professor Amanajás (PROS), receberá R$ 5,7 milhões para pavimentar estradas. Ele é aliado de Góes e Alcolumbre, mas não poderá concorrer à reeleição neste ano porque já vem de dois mandatos consecutivos. A disputa eleitoral no município segue incerta. O único partido que definiu o candidato na cidade até o momento foi o PT, que não tem histórico de destaque na política local.
No sul do Amapá, o prefeito de Vitória do Jari e correligionário de Alcolumbre, Ary Duarte (União Brasil), conseguiu R$ 815 mil para a construção de um galpão. Este foi o menor valor disponibilizado pelo Ministério da Integração. O político local poderá concorrer à reeleição neste ano e tem compartilhado os feitos da sua gestão nas redes sociais.
Governo do Amapá recebeu recursos e direcionou para a capital, única cidade beneficiada que não firmou convênios por meio da Prefeitura
Apenas duas cidades beneficiadas pelos repasses do Ministério não são de aliados históricos de Góes e Alcolumbre. Uma delas é a capital Macapá. O município é governado por Dr. Furlan (Podemos), que derrotou Josiel Alcolumbre (União Brasil), irmão do senador, nas eleições de 2020. Mesmo na oposição do clã Alcolumbre, o político tem um histórico de proximidade com Góes, de quem chegou a ser líder do governo na Assembleia Legislativa do Amapá (ALAP), entre 2016 e 2019. O ministro era governador na época.
A cidade governada por Furlan receberá R$ 231 milhões em convênios com o Ministério de Góes. Desse montante, R$ 10 milhões foram liberados para ações de resposta a situações de crise. Mas, diferentemente de todas as outras Prefeituras beneficiadas pelos repasses, o dinheiro negociado nos convênios não cairá no caixa da cidade. Os acordos que vão privilegiar Macapá foram firmados com o governo do Amapá, que é comandado por Clécio Luís (Solidariedade), um aliado histórico de Góes e Alcolumbre. O chefe do Executivo amapaense já trabalhou como assessor parlamentar no gabinete do senador, em 2021.
Isso significa que, à revelia de o empreendimento ser realizado na capital, será o governador quem terá o nome exibido nas placas de entrega dos empreendimentos. O dinheiro destinado ao governo do Estado vai custear a obra da feira do produtor do Macapá, a pavimentação de rodovias estaduais e estradas vicinais, a aquisição de máquinas e equipamentos agrícolas e a construção de um porto, um terminal hidroviário, três mercados em unidades habitacionais, um viaduto, uma ponte e um laboratório de manejo bovino.
As principais pesquisas de opinião divulgadas até o momento apresentam Josiel Alcolumbre (União Brasil) como um dos possíveis candidatos na eleição de Macapá neste ano. Caso concorra, o irmão do senador Alcolumbre poderia reeditar o segundo turno de 2020, quando disputou com o atual prefeito Furlan. Outro nome que aparece nos cenários eleitorais é o do próprio ministro Waldez Góes, que marcou 10% na levantamento realizado em julho do ano passado pela Paraná pesquisas.
O Ministério da Integração afirmou em nota que os repasses não foram feitos diretamente para Macapá porque a cidade está inscrita no Sistema de Informações sobre Requisitos Fiscais (CAUC), que define quais Estados e municípios podem receber transferências do governo federal com base na situação fiscal.
“Por conta das inadimplências, o empenho de recursos a serem empregados na capital amapaense pode ser, eventualmente, feito diretamente ao Governo do Estado, para que a população local seja beneficiada e atendida sem ser prejudicada”, alegou o Ministério.
Já o governo do Amapá alegou que “Macapá é a maior cidade do Estado e os investimentos são necessários para o desenvolvimento da capital”. A gestão Clécio ainda afirmou que recebe recursos de outros Ministérios e de emendas parlamentares.
Outro município chefiado por políticos não alinhados a Góes e Alcolumbre, mas que vai receber repasses da União, é o de Oiapoque. A cidade é governada desde outubro do ano passado pelo vice-prefeito, Euclimar Lima (PROS), e foi beneficiada, em dezembro, com um convênio de R$ 2,8 milhões para a pavimentação de estradas vicinais.
O vice assumiu interinamente o lugar do prefeito Breno Almeida (PRTB), que foi afastado por seis meses da Prefeitura sob suspeita de desviar R$ 1,5 milhão de verbas federais repassadas por meio de convênio. Almeida ainda foi preso em flagrante por posse de munição ilegal, mas acabou solto onze dias depois. O político era um aliado de longa data de Alcolumbre, mas rompeu com o senador nas eleições de 2022 para apoiar a candidata Rayssa Furlan (MDB), que é casada com o prefeito de Macapá.
Com o parceiro de chapa em 2020 enfraquecido pelas investigações policiais, Lima é apontado pela imprensa local do Oiapoque como um pré-candidato certo à reeleição. A decisão de concorrer desencadearia um movimento de ruptura com Almeida, que, mesmo afastado da Prefeitura, é cotado para voltar a disputar o cargo na eleição deste ano. O atual prefeito não tem relação pública com Alcolumbre e Waldez, mas tenta se cacifar na política local.
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