Ministro de Lula esconde do TSE patrimônio de R$ 2 milhões em cavalos de raça

Levantamento do Estadão identificou bens ocultos de Juscelino Filho, titular da pasta das Comunicações; animais são criados em haras no Maranhão, que está em nome da irmã e de um ex-assessor dele que hoje trabalha no Senado

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BRASÍLIA - O ministro das Comunicações, Juscelino Filho, escondeu do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um patrimônio de ao menos R$ 2,2 milhões em cavalos da raça. Em agosto do ano passado, quando registrou sua candidatura a deputado federal, ele possuía ao menos 12 animais Quarto de Milha, adquiridos em leilões. Os cavalos são criados no haras dele em Vitorino Freire, no Maranhão, onde ele mandou asfaltar, com dinheiro do orçamento secreto, uma estrada que corta fazendas da família e passa em frente a sua pista de pouso particular.

O Estadão levantou o patrimônio oculto do ministro cruzando informações de entidades de criadores e de negociantes de animais; os valores foram atualizados. Num primeiro momento, a reportagem identificou registros de cavalos em nome de Juscelino no banco de dados da Associação Brasileira de Quarto de Milha (ABQM). A entidade, reconhecida pelo Ministério da Agricultura, mantém um serviço de certificados, que inclui o nome do proprietário, data de nascimento, sexo e pelagem dos cavalos. Com os nomes dos animais registrados por Juscelino, a reportagem encontrou os animais em leilões realizados em Alagoas, Ceará, Maranhão, São Paulo e Sergipe, Estados estratégicos para o mercado de animais de vaquejadas. Foram assistidas 56 horas de gravações, de 14 pregões.

Ministro Juscelino Filho é frequentador de leilões de cavalo e um dos mais conhecidos criadores de animais da raça Quarto de Milha, voltada para vaquejada. Na imagem, ele em um evento em 22 de janeiro de 2022. Foto: Reprodução/TV Vaquejada

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A negociação dos cavalos, atividade paralela à política, não costuma aparecer nas redes sociais do ministro, usadas com frequência para divulgar suas tarefas ministeriais e momentos de sua vida privada. Nos leilões de animais, Juscelino Filho é festejado pelos organizadores, que o tratam como dono do haras em Vitorino Freire. “Comprador é Parque & Haras Luanna, é Vitorino Freire, Maranhão, é o nosso deputado federal Juscelino Filho”, festejou o consultor Júnior Machado num leilão em 2020.

No papel, o estabelecimento pertence à irmã do ministro, a prefeita Luanna Rezende, e a Gustavo Marques Gaspar, um ex-assessor dele na Câmara. Gaspar está nomeado na liderança do PDT no Senado. O Estadão ligou para o haras nesta segunda-feira, 27, e conversou com um funcionário que afirmou não conhecer nenhum Gustavo Gaspar.

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Em declaração à Corte Eleitoral antes das disputas do ano passado, o ministro informou um patrimônio de R$ 4,457 milhões, com fazendas, carros, 50% de uma aeronave, um apartamento e o terreno onde está instalado o haras. A declaração de Juscelino ao TSE não incluiu animais nem embriões. O valor declarado por ele é semelhante aos R$ 4,426 milhões que ele movimentou em leilões desde 2018. Nesse período, além das compras de cavalos, ele vendeu 14 animais da raça Quarto de Milha.

Para especialistas, a prática de ocultar bens pode ser considerada falsidade ideológica eleitoral. “As omissões de candidatos em relação à declaração de bens podem acarretar efeitos em três searas: nas áreas tributária, um crime de sonegação fiscal, eleitoral e penal eleitoral, falsidade ideológica”, afirma o advogado eleitoral Walber de Moura Agra.

Registros de entidade, reconhecidos pelo Ministério da Agricultura, mostram que Juscelino Filho é proprietário de cavalos de raça. Animais não aparecem na declaração de bens ao TSE. Foto: Reprodução

Em reportagem publicada na segunda, o Estadão revelou que Juscelino Filho usou um voo da FAB e recebeu R$ 3 mil de diárias para ir a leilões de cavalos no interior de São Paulo e a outros compromissos envolvendo o animal. Ele justificou ao governo que tinha compromissos “urgentes” na capital paulista. A agenda pública dele registra apenas uma reunião institucional com a Claro e visitas à Telebras e à representação da Anatel. Ao todo, foram duas horas e meia de trabalho em dois dias.

Os compromissos ministeriais se encerraram na sexta-feira ao meio-dia. O ministro, contudo, só voltou a Brasília na segunda-feira após participar de dois leilões, inaugurar uma praça em homenagem a um cavalo de seu sócio e receber um prêmio no chamado “Oscar do Quarto de Milha”. Em um dos discursos, disse que usaria o cargo de ministro para impulsionar o mercado de cavalos e se apresentou como “integrante da equipe do presidente da República”, sem citar o nome do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Após a publicação da reportagem, o ministro foi criticado em rede social e apagou o comentário, mantendo apenas os elogios à sua atuação.

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O jornal mostrou também que o ministro mandou verbas do orçamento secreto para asfaltar uma estrada que passa pelas fazendas dele em Vitorino Freire. A família controla a política da cidade. Lá também está o Parque & Haras Luanna. O espaço mistura negócios privados e política. Lá o ministro cria e negocia animais de raça, a prefeitura realiza eventos e os aliados da família organizam encontros. No ano passado, o senador Weverton Rocha (PDT-MA), um dos patrocinadores de sua indicação para o ministério, realizou ato de sua pré-campanha ao governo do Maranhão.

Negócio com a prefeitura

Com 165 mil metros quadrados, o equivalente a 15 campos oficiais de futebol, o terreno onde fica o haras pertencia à prefeitura de Vitorino Freire. Em 1999, o então estudante Juscelino Filho, um adolescente de 14 anos, comprou o imóvel por R$ 1 mil (R$ 4,3 mil em valores corrigidos). O pai dele, Juscelino Rezende, era o prefeito – logo, o vendedor do imóvel. Em 2007, Juscelino Filho vendeu a área por R$ 50 mil (R$ 124 mil atuais) para Gustavo Gaspar. Mais tarde, em 2018, o então deputado readquiriu o terreno por R$ 167 mil (R$ 215 mil). Gaspar foi assessor dele na Câmara.

Em 1999, terreno onde está o haras da família foi cedido pela prefeitura de Vitorino Freire para Juscelino Filho. À época, o pai dele era o prefeito. Juscelino Filho tinha 14 anos de idade. Foto: Reprodução/Estadão
Documento obtido pelo Estadão mostra recompra de terreno do haras, em Vitorino Freire (MA), por Juscelino Filho, em 2018. Dono era Gustavo Gaspar, hoje comissionado do Senado. Foto: Reprodução/Estadão

Leilões

Juscelino é presença constante em leilões de Quarto de Milha. Em maio de 2020, ele gastou R$ 259 mil em duas éguas, a Globeleza Apollo FSF e a Miss Lady Steel Made. O ministro também organiza leilões. Em 30 de julho do ano passado, Juscelino Filho promoveu venda de cavalos em São Luís. Na ocasião, 11 animais da família foram negociados. Em um dos lances, Juscelino faturou R$ 400 mil com a venda de 66% de uma égua.

“Vocês sabem o quanto sou apaixonado e amante do cavalo, são quase 30 anos de criação. Apesar de muito novo, tenho muita história com o cavalo, com a vaquejada, com o Quarto de Milha”, comemorou.

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Juscelino acompanha os leilões até quando não está no País. No dia 11 de fevereiro, o ministro estava em viagem oficial a Portugal e assistiu pela internet a um evento. “Está lá direto de Portugal nos assistindo, é nosso ministro das Comunicações, Juscelino Filho, mandando um abraço”, anunciou o locutor do evento.

Quando disputou pela primeira vez o mandato de deputado federal, em 2014, Juscelino chegou a declarar animais à Corte Eleitoral. Ele informou ter 24 cavalos no valor de R$ 120 mil, 1.100 bois estimados no total de R$ 660 mil e 105 cabras e bodes estimados em R$ 21 mil. Apesar das transações nos últimos anos, não houve menções a animais nas declarações de bens de 2018 e 2022.

O ministro das Comunicações foi procurado nessa segunda-feira, 27, mas não se manifestou. Juscelino foi questionado sobre o motivo de não ter declarado os cavalos de raça na declaração entregue à Justiça Eleitoral, bem como sobre estar a frente do Haras, apesar de, no papel, não ser sócio.

A reportagem também tentou contato com Gustavo Gaspar, mas não obteve sucesso. Um funcionário do Haras disse não conhecer o ex-assessor, e indicou ser necessário procurar o próprio Juscelino para saber detalhes sobre o empreendimento.

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