BRASÍLIA - O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, revelou nesta segunda-feira, dia 2, que tem amigos e parentes nos acampamentos bolsonaristas, contrários ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no entorno de quartéis pelo País. Após tomar posse no cargo em cerimônia sem a presença da antiga cúpula militar de Jair Bolsonaro, Múcio disse que nem todos os participantes são radicais e considera a manifestação legítima, mas entende que irão se esvaziar. Em discurso, o ministro afirmou que os militares têm senso de responsabilidade e que as Forças Armadas brasileiras “sempre se posicionaram a favor da democracia”.
“Eu acho que aquilo vai se esvair. Na hora que o ex-presidente da República (Bolsonaro) entregou seu cargo, saiu do cargo, que o general Mourão (ex-vice-presidente) fez um pronunciamento falando que todos voltassem a seus lares”, afirmou Múcio, em entrevista a jornalistas após a cerimônia na seda do ministério. “Aquelas manifestações no acampamento, falo com autoridade porque tenho parentes lá, no de Recife, tenho alguns amigos aqui , é uma manifestação da democracia. Aos pouquinhos aquilo vai se esvair e vai chegar ao lugar que todos nós queremos.”
O tom de José Múcio destoa, em público, de outros ministros do governo Lula. A desmobilização dessas concentrações era um desejo de Lula confidenciado a parlamentares, como revelou o Estadão, e vem sendo defendida, ainda que seja necessária uma remoção forçada, por ministros como Flávio Dino, da Justiça. Ele disse que os acampamentos viraram incubadoras de terroristas. Para Alexandre Padilha, ministro da Secretaria de Relações Institucionais, transformaram-se em incubadoras de atos violentos e crimes.
Investigações policiais apontaram frequentadores extremistas do acampamento do Quartel-General do Exército como autores de uma tentativa de atentado a bomba e de sitiar a capital federal com incêndios e explosões para provocar um golpe militar e impedir a posse de Lula, ocorrida neste domingo, dia 1º.
Questionado se seus parentes estavam ainda aglomerados nos quartéis, o ministro esquivou-se, dizendo que iria telefonar para eles. “O conselho que dou é que defendam com racionalidade e educação o que pensam”, disse Múcio.
Múcio disse que o País vive um momento de estabilidade e que enxerga “desarmamento em nome da fraternidade”, em que pese o acirramento político nas eleições. Apesar das preocupações com a segurança da posse presidencial, a cerimônia foi considerada pelo ministro “tranquila e alegre”. Ele observou que os espaços de quem era contra e a favor foram respeitados.
O ministro ignorou episódios recentes que indicam politização nas Forças Armadas e não fez qualquer menção aos 21 anos de ditadura militar no Brasil, período em que houve perseguições, tortura e execuções à margem da lei por parte de agentes do Estado. O ministro foi filiado à Arena, partido que deu sustentação política ao regime, e depois sempre atuou em legendas de direita. Atualmente, não é filiado.
“Nosso País possui tradições pacíficas. Apesar de sua relevante dimensão geopolítica, o Brasil e nossas Forças Armadas sempre se posicionaram a serviço da paz, da democracia, do respeito às instituições e da cooperação com seus vizinhos. Nossa história, rica em exemplos, mostra que a Marinha, o Exército e a Aeronáutica são instituições de Estado, respeitáveis e ciosas de seus papéis constitucionais, regidas pelos princípios da hierarquia e da disciplina, nelas profundamente arraigados.”
Múcio tomou posse no cargo sem a presença de nenhum dos nomes da antiga cúpula militar do governo Jair Bolsonaro. O único na cerimônia foi o ex-chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, general de Exército Laerte de Souza Santos.
O general Laerte fez um discurso formal, afirmando que Múcio contará com todo apoio da equipe e que, sob coordenação da pasta, as Forças Armadas se mantém preparadas para defender a soberania nacional. Os ex-comandantes das Forças Armadas se ausentaram. Também o último ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, e o ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, general Walter Souza Braga Netto, candidato a vice-presidente derrotado com Bolsonaro.
Dois ex-ministros de Jair Bolsonaro prestigiaram a posse de Múcio. O ex-ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva e o almirante Bento Albuquerque, ex-ministro de Minas e Energia. Também acompanharam a cerimônia os ex-ministros Raul Jungmann e Joaquim Silva e Luna, ambos do governo Michel Temer.
Apesar da ausência, Múcio fez questão de agradecer nominalmente aos integrantes da cúpula militar de Bolsonaro: ministro Paulo Sérgio, duas vezes citado por sua “cortesia”, o almirante Almir Garnier Santos (Marinha), o brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior (Aeronáutica) e o general Marco Antônio Freire Gomes (Exército). Também fez menção elogiosa ao general Sérgio José Pereira (Secretaria Geral da Defesa).
Dos três comandos, só a Marinha tem uma cerimônia pendente de passagem de comando. Ela deverá ocorrer no dia 5, quinta-feira, com a presença do almirantado a convite do comandante-geral Marcos Olsen. A do Exército ocorreu na sexta-feira, dia 31 de dezembro, também de forma reservada, com a chegada do general Júlio César Arruda ao comando-geral.
“O que estava se aguardando era algo diferente do que aconteceu”, disse Múcio, falando na intenção dos comandantes anteriores de saíram de suas funções de forma antecipada, à revelia do novo governo, o que foi depois acordado com ele.
O brigadeiro Marcelo Kanitz Damasceno recebeu o cargo nesta segunda-feira, na Base Aérea de Brasília. O novo comandante da Força Aérea disse que “não fugiria à luta” nem se “furtaria à nobre missão”, mesmo diante de descontentamentos. “Que a incompreensão de alguns mais próximos reverta-se em futuro entendimento”, afirmou Damasceno.
Questionado sobre a declaração, Múcio afirmou que os descontentes devem ser respeitados, “desde que não criem problemas” no trabalho das Forças Armadas. Ele não quis responder como agirá em eventuais casos de indisciplina com manifestações políticas de parte de oficiais-generais da ativa. No governo Bolsonaro, não houve punição, como no caso do ex-ministro da Saúde e general da reserva Eduardo Pazuello (PL), deputado federal eleito pelo Rio. Ele é investigado por causa da gestão durante a pandemia da covid-19.
Múcio negou que o fato de militares terem participado de forma ampla e sem precedentes no governo Bolsonaro, inclusive na ativa e em cargos civis e políticos, signifique que eles tenham participado de um projeto autoritário de poder. O ministro afirmou que os militares demostraram a ele “profissionalismo” e “senso de dever”.
Múcio afirmou que, em princípio, não entendeu o convite de Lula para assumir a Defesa, mas que compreendeu a necessidade de conversas “em função das querelas políticas”. Ciente da sensibilidade ainda presente, pediu “comunhão de propósitos” e “lealdade mútua” entre o ministério e os comandos.
A posse de Múcio concretiza o retorno de um civil para exercer o cargo, nas mãos de militares desde 2018. Múcio disse ter gratidão ao presidente Lula pela nomeação. Ele disse que vai manter todos os projetos estratégicos em curso nas três forças, antes de dar início a “inovações”.
“Procurarei coordenar esforços e assegurar meios e condições para que possem cumprir suas missões e fortalecer o já elevado reconhecimento público pelos inestimáveis serviços que prestam ao povo. Cuidarei dos prioritariamente programas estratégicos e intercâmbio com a base industrial de Defesa”, discursou o ministro. “Com espírito de colaboração e absoluto respeito às instituições e tradições militares, aliado à consciência da relevância e da autoridade do cargo que assumo, ratifico meu compromisso de servir ao País, às Forças Armadas e ao povo brasileiro.”
Múcio prometeu uma gestão equilibrada e espírito conciliador e cooperativo: “Chego com humildade, com profundo respeito à cultura e tradições militares e compromisso sincero de me dedicar diuturnamente a contribuir para o cumprimento das missões institucionais”.
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