NOVA YORK - Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) foram alvo nesta segunda-feira, 14, de hostilidades por parte de um grupo de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL), em Nova York. Cinco integrantes da Corte máxima do País participaram na cidade americana de um debate sobre o “respeito à liberdade e a democracia”, durante o qual fizeram duras críticas aos atos com mensagens antidemocráticas que apoiadores de Bolsonaro realizam desde o resultado da eleição presidencial, quando o atual ocupante do Palácio do Planalto foi derrotado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Duas semanas após o segundo turno das eleições, manifestações convocadas por apoiadores de Bolsonaro que questionam o resultado das urnas persistem na porta de quartéis do Exército. Concentrações são mantidas, por exemplo, nas sedes de comandos militares em São Paulo e no Rio. Os manifestantes defendem ações contra o Supremo e fazem pedidos de uma intervenção federal.
“Supremo é o povo. O povo se pronunciou, e a eleição acabou, só cabe respeitar o resultado. O resto é espírito antidemocrático, quando não selvageria”, disse Luís Roberto Barroso, que participou do evento - organizado pelo Grupo de Líderes Empresariais (Lide), entidade criada pelo ex-governador João Doria, que estava presente - ao lado dos ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Alexandre Moraes.
“Criou-se uma lenda no Brasil de que o Supremo Tribunal Federal é contra o presidente. Todos os presidentes tiveram queixas do Supremo, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff. A única diferença é que nenhum deles atacou o Supremo. Nós não temos lado, só o das instituições”, completou Barroso.
Na sua intervenção, Gilmar Mendes seguiu na mesma linha. “É preciso perguntar se não há um cenário de absoluta dissociação cognitiva, principalmente quando lunáticos pedem intervenção militar.”
Já Dias Toffoli criticou que os “autoproclamados conservadores” fecharam estradas após o resultado das eleições interrompendo o direito de ir e vir. “Não podemos deixar que ódio entre no nosso país.”
Um grupo de manifestantes com bandeiras do Brasil e cartazes com mensagens antidemocráticas e apoio às Forças Armadas se posicionou em frente ao hotel onde estão hospedado os ministros do STF, o ex-ministro da Corte Carlos Ayres Britto, além de empresários e políticos como o ex-presidente Michel Temer (MDB) e o governador de São Paulo, Rodrigo Garcia (PSDB).
Entre os ativistas estava o blogueiro Allan dos Santos, foragido da Justiça brasileira depois de ser condenado pelo STF. Alexandre de Moraes ordenou, em outubro do ano passado, a prisão preventiva do dono do canal Terça Livre, no âmbito do inquérito das milícias digitais. Ele permanece foragido nos Estados Unidos desde então, embora costume se fazer presente em eventos públicos.
Vídeos que circulam na internet mostram manifestantes hostilizando os ministros Moraes, Gilmar Mendes, Lewandowski e Barroso.
Conforme as gravações, na noite de domingo, 13, Moraes, Gilmar e Lewandowski foram hostilizados na porta do hotel, sob os gritos de “ladrão, bandido, vagabundo’'. Eles deixaram o hotel com a escolta de seguranças. Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), não responde às agressões, mas sorri levemente. Os manifestantes gritam: “Ei, Xandão, seu lugar é na prisão!”
Outro vídeo mostra Moraes sendo provocado por uma pessoa em um restaurante da cidade. O ministro chega a levantar quando é desafiado a ir para fora do estabelecimento. O homem deixa o local em seguida.
Já Barroso é seguido por uma brasileira pela Times Square, região central de Manhattan, conforme um registro em vídeo. A gravação mostra o ministro sendo hostilizado. “Nós vamos ganhar esta luta. Cuidado! Você não vai ganhar o nosso País. Foge!”, diz outra manifestante a Barroso, que retruca: “Minha senhora, não seja grosseira. Passe bem.”
Principal alvo dos manifestantes, Moraes fez um discurso enfático no evento desta segunda-feira, 14, pautando sua fala na falta de regulamentação das redes sociais, nos ataques à democracia e nos questionamentos em torno da credibilidade do sistema eleitoral.
”A democracia foi atacada no Brasil, mas sobreviveu”, disse o ministro. “A desinformação e o discurso de ódio vêm corroendo a democracia”, afirmou.
Para Moraes, o fato de não haver regulamentação das redes sociais é um “problema mundial”. “Não é possível que as redes sociais sejam terra de ninguém e as milícias digitais ataquem impunemente”, avaliou, acrescentando que é necessário “liberdade com responsabilidade”. “Sob o falso manto da liberdade sem limites o que se pretende é corroer a democracia.”
Questionado se sua conduta à frente do TSE contra fake news não pode ser confundida com censura, Moraes reafirmou que sua preocupação é com as redes sociais. “Quero trazer a lei para as redes”, afirmou.
Citando a proibição de um livro de apologia ao nazismo, questionou. “Por que um livro pode ser proibido e o que é colocado na rede não? O binômio liberdade com responsabilidade. As milícias digitais podem falar o que quiser, mas devem ter coragem para serem responsabilizadas posteriormente”.
O presidente do TSE também comentou sobre o relatório do Ministério da Defesa que descartou fraude nas urnas eletrônicas. “Pode haver vida extraterrestre? Pode”, ironizou. Em seguida, reafirmou que o sistema é seguro e lembrou que o Tribunal de Contas da União auditou 4.100 urnas e os militares, 360.
O STF divulgou nota de repúdio. ”A democracia, fundada no pluralismo de ideias e opiniões, a legitimar o dissenso, mostra-se absolutamente incompatível com atos de intolerância e violência, inclusive moral, contra qualquer cidadão”, diz a nota assinada pela presidente do STF, Rosa Weber.
O ex-ministro do STF Carlos Ayres Brito também criticou duramente o cerco aos ministros em Nova York. “A democracia não vence por nocaute. A ditadura vence por nocaute. O que se observou ontem (domingo) foi a expressão brutal do autoritarismo e a intolerância que caracterizam uma parte do Brasil. Uma parte do Brasil é autoritária.”
Os organizadores do evento reforçaram a segurança para as palestras desta terça-feira, 15, que será feriado da Proclamação da República no Brasil. O tema será economia, mas a expectativa é de nova mobilização.
*O repórter Pedro Venceslau viajou a convite do Lide
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