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Labirintos da Política

Opinião | A hora H do dia D de Bolsonaro, Augusto Heleno, Braga Netto e outros mais

História que começou em restaurante da Barra da Tijuca com pergunta sobre apoio dos militares à candidatura chega à beira do banco dos réus no STF

Foto do author Monica  Gugliano
Atualização:

Nesta terça-feira, 25 de março, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) abre o julgamento em que começa a decidir se aceita a acusação da Procuradoria Geral da República (PGR) contra o considerado “núcleo central” da tentativa de golpe de Estado no dia 8 de janeiro de 2022, entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro inelegível até 2030. Uma história que, por incrível que pareça, começou em 2014 em um restaurante no Rio de Janeiro, chamado sugestivamente de “Camarada, Camarão”.

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- Você tem grana?

- Não. Mas tenho a internet.

Era o final de 2014. O último ano do segundo mandato de Dilma Rousseff, reeleita por um triz. Na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, sentados frente a frente em uma das mesas do restaurante, uma franquia espalhada pelas capitais brasileiras, o general de Exército reformado e diretor do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Augusto Heleno Ribeiro Pereira, e o deputado Jair Bolsonaro, começavam com essas duas frases o diálogo sobre um projeto que, quatro anos depois, faria do ex-capitão o 38° presidente da República.

Jair Bolsonaro e o ministro do GSI, Augusto Heleno, durante o período em que o segundo era ministro do primeiro Foto: Marcos Corrêa/PR

Bolsonaro já se encontrara com gente do agronegócio, das igrejas evangélicas, pequenos empresários, comerciantes e até militares. É bem verdade que as respostas a esses encontros vinham sendo mais do que positivas e o entusiasmavam. Mas ele precisava de mais. Necessitava de alguém que, “na hora H do dia D” – como ele mesmo dissera anos depois – lhe garantisse o apoio dos oficiais do Alto Comando do Exército (ACE). E essa pessoa tinha nome e sobrenome: Augusto Heleno Ribeiro Pereira, amigo e defensor de longa data.

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Mais do que um quatro estrelas, ainda que na reserva, Heleno era um militar respeitado e admirado desde a Academia Militar das Agulhas Negras (Aman). Fizera uma carreira brilhante. O almoço foi o primeiro de uma série. Às vezes participava algum dos filhos do ex-capitão. E se Heleno se sentia honrado em participar de tão grandioso projeto, em alguns momentos não escondia uma certa mágoa que confessava só aos muito próximos: “Talvez, ele fosse um presidente melhor e mais preparado que Bolsonaro. Mas seu carisma era zero. Quem votaria nele?” Bolsonaro, por onde passava, era saudado aos gritos de “mito”.

Sairiam dos quarteis, escolas militares, analisava Bolsonaro com Heleno, os quadros que os ajudariam a governar o Brasil, alimentando a ideia de que ali estavam homens bem preparados, prontos para assumir a gestão dos programas, projetos do governo e, principalmente, mais do que aptos a extirpar a mazela do “comunismo” que, em sua opinião, se alastrara de norte a sul. E, de quebra, concordavam eles, ainda contariam com uma ameaça velada, pairando sob a Nação: se algo não desse certo, os quartéis estavam fechados com ele e o Alto Comando também. E se fosse o caso de recorrer à força, sempre poderia haver um golpe militar.

A essa altura, o Alto Comando estava fechado com o ex-governador de São Paulo, o tucano Geraldo Alckmin. O próprio comandante general Villas Bôas - aquele que pode ter ajudado a mandar o à época ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à cadeia - me disse em uma entrevista que jamais votaria em Bolsonaro. O tempo correu. Lula não pode ser candidato à presidência, seu sucessor foi o atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad. E o resto da história já se sabe, Bolsonaro venceu e montou aquela que viria a ser chamada de “República dos Generais”. O Palácio do Planalto era praticamente um quartel.

E o tempo correu novamente. Bolsonaro um ex-capitão do Exército, se tornou um presidente inábil, a não ser quando estava entre os seus. Dia após dia, foi aumentando sua animosidade com o Supremo Tribunal Federal, que ameaçou invadir, fechar, aposentar ministros. Entre os militares, também passou a não ser tão aplaudido. Mas ainda tinha o apoio de uma boa parcela da população, quando tentou a reeleição, que temia a derrota eleitoral dele para Luiz Inácio Lula da Silva, disputando seu terceiro mandato, e, novamente trazendo na bagagem a volta do tal do “comunismo”.

Com a campanha pela sua reeleição nas ruas, Bolsonaro investiu contra as urnas eletrônicas. Não eram seguras e o resultado não seria fidedigno, dizia. Foi criada uma comissão com militares praticamente forçados a dizer que as urnas permitiam fraudes. Veio a eleição. Bolsonaro perdeu e, então, começou a correr à boca pequena que parecia ter chegado a hora do golpe militar. Militares e civis montaram acampamentos em frente aos quartéis, pedindo o golpe. Entretanto, aí começaram as más notícias para os bolsonaristas. O governo dos Estados Unidos, o próprio presidente democrata Joe Biden, mandou emissários avisando que em hipótese alguma apoiaria um golpe. Vozes da sociedade civil se levantaram, outros países também se posicionaram contra.

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Bolsonaro fugiu para os Estados Unidos. Sobrou quem? O Alto Comando do Exército e as demais Forças Armadas que, ainda que não de forma unânime, rejeitaram o golpe. O almirante Almir Garnier dos Santos até ofereceu seus tanques fumacentos e suas tropas. Mas como dos militares não vinha o sinal para o golpe, foram civis que no dia 8 de janeiro de 2022 atacaram sem dó as sedes dos Três Poderes, destruindo tudo que lhes aparecia pela frente. Até hoje, depois de dezenas de julgamentos, há quem diga que essas pessoas estavam “só tirando selfies”. Não conseguiram convencer o ministro do STF Alexandre de Moraes. Condenados, muitos cumprem pesadas penas e outros vão seguir esse caminho. Como se diz na gíria popular “não deu bom, deu ruim”.

Opinião por Monica Gugliano

É repórter de Política do Estadão. Escreve às terças-feiras

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