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Labirintos da Política

Opinião | Campo minado: ‘Fomos tragados pela percepção do golpismo’, diz chefe do Estado-Maior

No Quartel-General, em Brasília, porém, a ordem é manter a normalidade

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Atualização:

Passados seis meses do 8 de janeiro, o Alto-Comando do Exército continua enredado numa trama da qual afirma, dia sim, outro também, não ter participado institucionalmente, mas que corrói sua imagem e envolve seus oficiais sem trégua e sem descanso: um plano para dar um golpe, impedindo a posse do petista Luiz Inácio Lula da Silva. Poderia dizer que, pisando todos os dias em terreno minado e sem saber onde estará enterrado o próximo artefato explosivo que jogará tudo pelos ares, os oficiais têm recorrido à tática da escovinha. É um exercício de concentração extrema que se aprende nos treinamentos militares e que, à falta do equipamento específico, pode salvar a vida do combatente que, com uma escovinha, uma vareta, movimentará com suavidade a terra onde pisa, palmo a palmo até encontrar, ou não, a mina enterrada.

Nestes tempos, têm faltado braços e argumentos para limpar a área e achar as minas que, dia sim, outro também, disparam estilhaços para todo lado. “Fomos totalmente capturados pelos assuntos políticos. Tragados pela percepção do golpismo”, disse ao Estadão o chefe do Estado-Maior do Exército, general Fernando José Sant’Ana Soares e Silva, segundo homem na linha de comando. “Nós, o Exército, nunca quisemos dar nenhum golpe. Tanto não quisemos, que não demos. Não houve uma única unidade sublevada”, esclarece o general, em uma de suas raras entrevistas.

Fernando José Sant’Ana Soares e Silva, chefe do Estado-Maior do Exército, é segundo homem na linha de comando da Força Foto: CMO/EB

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Setores da população, da política e do establishment intelectual que compartilham a ideia de que a Força nunca perdeu a ambição política, prossegue ele, não aceitam a ideia de que o Exército é “apartidário e apolítico” e, por mais esforços que sejam feitos, esses conceitos continuam caindo no vazio. “As redes sociais são muito atuantes e se perde uma energia infinita tentando desmentir ou separar o que é verdade das fake news”, explica o general Soares.

Não que o Exército, assinala ele, não tenha o que dizer e o que mostrar à sociedade. Militares atuaram e continuam atuando no auxílio aos Yanomamis e outras tribos na Amazônia; combatendo o garimpo; projetos para a indústria de defesa – definida agora como um dos setores primordiais para a reindustrialização – seguem em discussão e análise e outros tantos programas e ações prosseguem em marcha. Mas caem no vazio. “As Forças Armadas não se envolveram em atos golpistas. Muitos militares da reserva podem ter atuado nesse ou naquele sentido. Entretanto, nós, não”, afirma.

O problema número um é que não caem no esquecimento facilmente os quatro anos do governo de Jair Bolsonaro, no qual militares da ativa e da reserva participaram da administração e silenciaram diante das ameaças golpistas, de intervenção armada feitas quase que todos os dias pelo comandante-em-chefe.

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O segundo problema é pouca gente, tida como minoritária e radical, que não parece esquecer que, em algum momento – ainda que estivessem completamente equivocados –, se viram próximos a tomar o poder – embora em nenhum momento o Alto-Comando tivesse feito qualquer sinalização de que poderia aderir a qualquer “maluquice” desse tipo. Foi com esse espírito que marcharam na Esplanada e participaram dos atos de vandalismo e tentativa de golpe do 8 de janeiro. Foi com esse espírito que acamparam na frente dos quartéis, desafiando a Constituição e pedindo intervenção federal.

Também é esse espírito que a Polícia Federal encontra nas trocas de mensagens entre os celulares do então ajudante de ordens do ex-presidente Bolsonaro, Mauro Cid, e seus asseclas como o coronel Jean Lawand Junior com quem dividia planos de golpes roteirizados e com lances completamente estapafúrdios. “Não haverá como mudar a imagem da Força se, nós, dentro, continuarmos a nos dividir. Se esses companheiros não entenderem que a única condição viável é a da democracia. Que nós não temos o direito de usar o Exército para atividades que contrariem nossa função precípua estabelecida na Constituição.”

Nesta semana em que o Alto-Comando do Exército está reunido em Brasília para tratar de promoções e que o Tribunal Superior Eleitoral inicia o julgamento da ação de investigação judicial eleitoral que pode tornar Bolsonaro inelegível por oito anos, o clima promete esquentar entre os bolsonaristas. No Quartel-General do Exército, no entanto, a ordem é manter a normalidade, mesmo que para isso seja preciso escovar o território sem parar.

Opinião por Monica Gugliano

É repórter de Política do Estadão. Escreve às terças-feiras

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