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Labirintos da Política

Opinião|Com o Executivo refém do Congresso, sociedade tem buscado chamar a atenção para descalabros nas ruas

Pressão popular contra projeto que endurece penas para o aborto praticado mesmo por mulheres estupradas parece ter surtido efeito

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Foto do author Monica  Gugliano

Se o governo, sem maioria no Congresso, não consegue colocar um freio no Parlamento e se soltar das amarras do centrão, a sociedade tem mostrado que cansou da profusão de insanidades que saem da gaveta da Mesa Diretora, sem um prévio debate público, apenas com o objetivo de espezinhar e tumultuar o Executivo. Pelo menos é esta a impressão que ficou das milhares de mulheres que saíram às ruas, país afora, protestando contra a aprovação do pedido de urgência para o PL 1.904/2024 que equipara o aborto realizado acima de 22 semanas de gestação ao crime de homicídio simples. E isso, mesmo nos casos em que, hoje, o procedimento é permitido por lei – estupro, risco de vida à mulher e anencefalia fetal.

Os primeiros sinais de que o projeto não terá a vida fácil que se imaginava já apareceram nesta segunda-feira. Parte da bancada evangélica, completamente contra o aborto, começou a mudar de opinião. Não que tenham passado a ser a favor, mas poucos meses antes das eleições municipais não parece ser produtivo comprar uma briga deste tamanho com o eleitorado feminino. E as mulheres se preparam para manter a mobilização.

Manifestações contra o PL que endurece penas para aborto, mesmo em caso de estupro, fizeram a Câmara frear a iniciativa Foto: Tiago Queiroz/Estadão

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O último dado do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) mostra que as mulheres são 52,6% da população apta a votar. A diferença em relação aos homens é de 8,1 milhões de votos a mais. No segundo turno da eleição presidencial de 2022, Lula (PT) venceu com pouco mais do que dois milhões de votos.

São tantas as crueldades previstas pelo projeto que é até difícil citá-las sem o mesmo sentimento de revolta que mobilizou as mulheres no País. O aborto é proibido no Brasil exceto nos casos já citados acima. É um crime previsto no Código Penal que estabelece detenção de um a três anos para a mulher que aborta e de um a quatro anos para o médico ou quem executar o procedimento com consentimento. E de três a 10 anos para quem execute o procedimento sem consentimento .

Se o projeto for aprovado, a maldade não termina por aí. O texto estabelece que, quando o aborto for realizado após 22 semanas de gestação, a punição prevê reclusão de seis a 20 anos, nos casos já cabíveis de punição e quando a gravidez é fruto de estupro. Como a pena é igual à de homicídio simples, não faltarão casos em que vítima de estupro tenha uma pena maior do que o estuprador. E ainda pode ser pior. Em um País completamente desigual, a realidade e alguns dados mostra que as meninas são as principais vítimas. Elas são maioria entre as que sofrem violência sexual, na maior parte das vezes em casa, por parentes próximos e que sem saber exatamente o que lhes acontece, tem imensa dificuldade em identificar a gravidez e denunciar o fato.

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Num momento em que o Congresso Nacional tem mostrado o que tem de pior – é pancadaria , falta de respeito e, nesta segunda-feira, o supra sumo das aberrações, uma encenação no plenário do Senado sobre como é feito um aborto – a sociedade terá que seguir o exemplo do combate ao PL 1.904/2024 e não relaxar a vigilância sobre os delírios e desvarios que têm saído das duas Casas. Parece que funcionou no projeto que ficou conhecido como o da “privatização das praias” que, diante da imensa mobilização popular, está com jeito de já ter ido para as calendas. E seguirá funcionando se nos mantivermos atentos e fortes, como diz um pedaço do refrão da canção Divino Maravilhoso – de Caetano Veloso e Gilberto Gil – interpretada por Gal Costa (1945-2022).

Opinião por Monica Gugliano

É repórter de Política do Estadão. Escreve às terças-feiras

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