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Labirintos da Política

Opinião | Janja sabe como ninguém se autopromover e animar um evento, ofuscando o que importa

Fato que me desconcerta é como parte de um dos mais importantes eventos do calendário anual no mundo virou um debate sobre um palavrão

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Foto do author Monica  Gugliano

Tenho um casal de grandes amigos diplomatas. Um dia, assim, jogando conversa fora, ele me disse: “Você sabe que eu não consigo dizer um palavrão? Não sei. Na minha casa ninguém dizia um palavrão”. Lembrei da frase agora, com o já mais do que falado “F...you”, que nossa primeira-dama, Rosângela Lula da Silva, a Janja, mandou ver para cima do bilionário Elon Musk, praticamente já um assessor do presidente dos Estados Unidos Donald Trump. Duvido que meus amigos do Itamaraty digam isso. São algumas das pessoas mais educadas que conheço.

Há praticamente três dias que só se fala em Janja. Disse palavrão, não disse? É primeira-dama e o cargo não permite tanta coloquialidade; ou ela pode dizer o que quiser? Não sabe se portar em público, envergonha o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (habituê dos palavrões no privado, mas comedido em público, afinal já se vão quase três mandatos de treinamento).

Em meio ao encontro de líderes mundiais, palavrão de Janja chamou atenção Foto: Ludovic Marin/AFP

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Mas o fato que me desconcerta é como parte de um dos mais importantes eventos do calendário anual no mundo virou um debate sobre um palavrão. Dezenas de participantes, por exemplo, que ergueram o inédito G20 Social, durante a presidência brasileira do G-20 – divulgaram no sábado o documento com as propostas para os líderes mundiais nas áreas de combate à fome, sustentabilidade e reforma da governança global.

A aliança Global contra a Fome e a Pobreza foi lançada oficialmente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foram anunciados 148 membros fundadores, 82 países, a União Africana, a União Europeia, nove instituições financeiras internacionais, 31 organizações filantrópicas e não governamentais. Os argentinos, que não queriam assinar de maneira alguma, acabaram convencidos e o ultraliberal Javier Milei incluiu seu nomezinho.

A pobreza na Argentina dispara, afeta mais da metade da população, sete em cada 10 crianças não têm o que comer. São dados do Unicef. “F...you”, diria Janja. No país governado pelo marido de Janja, 600 mil pequeninos, de zero a quatro anos - não tem o que comer. “F...you’, ela repetiria. E nem vamos falar em crise climática, na destruição da Amazônia, a floresta onde o presidente americano, Joe Biden, apareceu ontem para uma visita e anunciou uma doação de US$ 50 milhões. Mais um “F...you” deve ter saído da boca de Janja. Perdoem-me, mas em um exagero de minha parte, poderia dizer que o que ele doou é o mesmo que ele gastou trazendo água mineral e refrigerante dos Estados Unidos.

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Entretanto, não vamos esquecer o mais importante. Enquanto ele posava para fotos em um cenário que mais parecia um painel, as agências internacionais anunciavam que Biden autorizara a Ucrânia a usar mísseis de longo alcance, fornecidos pelos Estados Unidos para atacar a Rússia. A mesma decisão permitiria que o Reino Unido e a França concedam também à Ucrânia permissão para usar os mísseis “Storm Shadow”, mesmo nome de um personagem do filme “G.I. Joe”

Não defendo nem ganho para defender a Janja. Mas neste mundo de autoridades, celebridades e outros, ninguém é espontâneo nem natural e muito menos diz “F...you” assim ao léu. Tudo é milimetricamente ensaiado, coreografado. Tudo tem uma ordem, até nas palavras, que devem ser seguidas e, certamente, “F... you”, não está entre elas”. Acho até que Janja deveria passar por um curso no Itamaraty. Perderia seu deslumbramento, evidente. Mas cairia na vida real dos códigos do poder e não correria o risco de ofuscar o trabalho de centenas de pessoas que só queriam fazer o G-20 Social brilhar.

Opinião por Monica Gugliano

É repórter de Política do Estadão. Escreve às terças-feiras

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