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Labirintos da Política

Opinião|Os bastidores da operação do Ministério da Defesa e do Itamaraty que repatriou brasileiros em Israel

Nas asas da FAB devem chegar a mais de mil os repatriados em 10 dias; autoridades no Brasil e em Israel contaram à coluna o passo a passo do trabalho

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Foto do author Monica  Gugliano

A expressão “complexo de vira-latas”, criada por Nelson Rodrigues em 1950, após o Brasil perder para o Uruguai a Copa do Mundo em um dramático jogo no Maracanã, é a antítese do clima que existe entre militares e diplomatas envolvidos na maior e mais bem-sucedida operação de repatriação da história do Brasil. Em uma semana, nas asas da Força Aérea Brasileira (FAB), deixaram Israel 916 brasileiros e 24 animais domésticos. “Fomos os primeiros a fazer esse tipo de operação. Três dias depois do começo da guerra já havíamos trazido 210 brasileiros”, relata um diplomata envolvido nas negociações e na “Operação Voltando em Paz”.

O número deve passar dos mil repatriados em menos de dez dias, considerando que há voos previstos para esta semana. Além dos nacionais, é possível que também voltem bolivianos e paraguaios – entre outros sul americanos - atendendo ao pedido que seus respectivos países fizeram às autoridades brasileiras. A informação é confirmada pelo Itamaraty, e por um militar que está em Tel Aviv. A ideia é talvez prestar ajuda aos vizinhos depois que todos os brasileiros que quiserem voltar, retornem.

Brasileiros repatriados pela FAB com origem de Israel , desembarcam no aeroporto do Galeão, na zona norte do Rio, na última quinta-feira, 12 Foto: Pedro Kirilos/Estadão Conteúdo

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Do sábado, quando houve o ataque do grupo terrorista Hamas e a resposta de Israel, ao domingo pela manhã, quando da primeira reunião entre os envolvidos, coordenados pelo Ministério da Defesa e das Relações Exteriores, foram menos do que 24 horas para começar a traçar as principais linhas do trabalho e avisar os brasileiros que estavam em Tel Aviv e Jerusalém: o governo lhes daria condições de voltar para casa, independentemente do que acontecesse com os voos comerciais.

A Embaixada publicou em seu site o formulário em que os cidadãos brasileiros se inscrevem para voltar. Mais de 2.500 preencheram o documento, mas as estimativas do Itamaraty é que não chegue a tanto o número de repatriados. Muitos residentes em Israel e turistas tinham passagens de volta e conseguiram embarcar nos respectivos voos comerciais. Outros desistiram. Na véspera do embarque, os inscritos – com prioridade para gestantes, crianças e idosos – são contatados por mensagem ou telefone e confirmam se vão viajar ou não.

Eles podem trazer duas malas e embarcam até o aeroporto em ônibus fretados pelo governo. Os brasileiros, segundo um diplomata que esteve na linha de frente do processo, chegavam ao aeroporto emocionados, gratos, muitos não escondiam o medo que haviam sentido com os bombardeios e o alívio de voltarem para o Brasil.

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Avião KC-30 da Força Aérea Brasileira usado no resgate do cidadãos do país em Israel Foto: FAB/Divulgação

Foi decidido que seriam usados dois aviões modelo KC-30 (Airbus A330-200) e o KC-390 (Millenium) e, pelo menos, seis esquadrões aéreos. A primeira aeronave com capacidade para 210 passageiros tem autonomia de voo para o trajeto Tel Aviv – Rio de Janeiro. A segunda comporta 69 pessoas e faria escalas em Lisboa, Cabo Verde e Recife para reabastecer. Na chegada, a ideia foi de que eles parassem em Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo. Desde essas capitais, a FAB também fez o transporte até outras, como Porto Alegre, por exemplo. Foram envolvidas cinco Bases Aéreas no território nacional. “No momento em que uma aeronave pousava de volta no Brasil, os tripulantes tinham menos de 24 horas de descanso e já retornavam a Roma. É um trabalho ininterrupto”, disse um membro da FAB.

Os procedimentos foram semelhantes quanto à segurança dos voos que, como o pessoal envolvido no trabalho costuma brincar, fizeram a maior ponte aérea já conhecida por aqui. Escolhida Roma como parada, na capital da Itália as tripulações atualizam os procedimentos de segurança antes da partida, seguindo critérios como restrição do espaço aéreo ou à movimentação terrestre e risco à integridade física de passageiros e tripulantes. “Ainda que o espaço aéreo fechasse, uma aeronave militar teria autorização para pousar”, explicou à coluna o adido de defesa naval e do Exército na embaixada brasileira em Tel Aviv, coronel Fabricio Moreira de Bastos.

Bastos está há quatro meses em Israel com a mulher e dois filhos (10 e 4 anos) e conta que não cogitou a volta deles para o Brasil. Sente-se “por enquanto” em segurança, e o governo israelense tem promovido reuniões periódicas com adidos militares de todos os países com representação diplomática em Tel Aviv. Na primeira delas, eles foram levados para ver o que restou em dois Kibutz (Kfar Aza e Be’eri) depois do ataque dos terroristas. “Nunca vi nada igual na minha vida”, disse Bastos. Na segunda reunião, que aconteceu na segunda-feira, 16, as autoridades israelenses se preocuparam em falar sobre a situação do conflito, e informaram que não houve ainda a entrada de outros grupos terroristas da região. “Afirmaram muito que Israel não quer vingança, mas está combatendo uma ameaça ao seu território e a seus cidadãos”.

Avião da FAB pousa em São Paulo com 64 pessoas que estavam em Israel Foto: FAB/Divulgação

Agora, é grande a expectativa e o trabalho para repatriar – pela fronteira com o Egito - os brasileiros que estão em Gaza, a região mais crítica do conflito e que Israel promete invadir nas próximas horas ou dias. Dezoito estão em Khan Yunis e dez aguardam em Rafah, o local mais próximo da fronteira. As autoridades brasileiras esperavam ter uma resposta até segunda sobre a possibilidade de eles fazerem a viagem até o território egípcio, mas essa expectativa não se concretizou.

Um avião da presidência da República (VC-2, Embraer 190) espera em Roma o sinal verde para seguir até o Egito, onde os brasileiros embarcariam de volta. É uma ação que tem exigido ainda mais expertise de diplomatas e militares que estão atuando no Brasil e no território controlado pelo Hamas, buscando a liberação da passagem fronteiriça.

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A operação envolve o presidente Lula, o chanceler, Mauro Vieira, e o assessor para assuntos internacionais da Presidência, Celso Amorim. Afinal, neste caso o desafio não é só das autoridades, mas sim da diplomacia e do governo brasileiro que tenta na ONU liberar ajuda humanitária para os palestinos que estão em Gaza e que, presidindo temporariamente o Conselho de Segurança, busca articular um mínimo consenso para que haja alguma trégua para a guerra e sejam retomadas negociações pela paz.

Opinião por Monica Gugliano

É repórter de Política do Estadão. Escreve às terças-feiras

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