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Labirintos da Política

Opinião|Rio de Janeiro vive era do ‘dinheiro ou chumbo’, como Medellín da década de 90, e solução é complexa

Governadores apontam desafios para superar crise da segurança pública e apontam que sem investimento e ação federal é impossível enfrentar o problema

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Foto do author Monica  Gugliano

O avião foi diminuindo a altitude até pousar na cidade cercada por montanhas. Aparentemente um lugar aprazível, carregava um clima pesado, de falta de iluminação à noite, de insegurança, e por que não, de medo. Logo descobri o que era, quando um dos entrevistados falou: “Tenha cuidado. Evite andar sozinha. Só vá onde você souber que é seguro, se bem que, aqui, nenhum lugar é seguro. E fuja das motos. São os sicários. Eles matam e não gostam de jornalistas”, me disse uma das fontes que eu fora entrevistar, tão logo havia chegado a Medellín, a segunda maior cidade da Colômbia.

À época, início da década de 90, “Plata o plomo” (dinheiro ou chumbo) era a sentença, atribuída ao narcotraficante Pablo Escobar (1949-1993), que resumia aquela sociedade, onde juízes, jornalistas, políticos eram mortos nas ruas. Já se passaram 30 anos desde esse momento quando volto a ouvir a palavra sicário (assassino de aluguel). Estou em São Paulo e, consternada, vejo a imagem borrada nos noticiários de televisão do momento em que três indivíduos descem de um carro e detonam mais de 30 disparos contra quatro cidadãos. Eram ortopedistas que participavam de um Congresso e, à noite, haviam saído para tomar um chopinho em um quiosque à beira mar na Barra da Tijuca (RJ), na zona oeste. Três morreram na hora, em frente ao hotel de luxo em que estavam hospedados e a poucos metros do condomínio Vivendas da Barra, onde morava o ex-presidente Jair Bolsonaro. Um deles sobreviveu.

Médicos foram mortos na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, após um deles ser supostamente confundido com um miliciano por um grupo ligado a uma facção criminosa Foto: Reprodução de vídeo

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As semelhanças são tantas com a década de 80 e 90 na Colômbia que é impossível não as comparar com o Rio de Janeiro de hoje, uma cidade soberbamente bonita, luminosa, mas onde as sombras e a escuridão do crime organizado estão cada vez mais presentes. Quando estive em Medellín, Escobar estava preso. O cárcere fora construído por ele, no topo de uma colina, com todo o conforto que ele considerava necessário. As visitas eram liberadas. Telefones, televisão. À noite, a prisão ficava toda iluminada e a população a batizara de “A Catedral”. Desde lá, Escobar continuava administrando os negócios, ordenando o destino de seus inimigos.

Mesmo assim, fugiu. Acabou morto pela polícia em 1993. Se fosse capturado sabia que acabaria extraditado e terminaria seus dias em uma prisão nos Estados Unidos. O Cartel de Medellín que ele chefiara com mão de ferro e tanto terror semeara definhou com a morte dele. Seu homônimo de Cáli – outra cidade colombiana – também.

Depois desse período, em duas décadas Medellín passou por um intenso processo de revitalização, transformação social e urbanística, ancorado em três pontos: um sistema de transporte público e de acessibilidade eficiente e qualificado; serviços públicos de qualidade para toda a população e planejamento urbano e territorial de longo prazo. A cidade recebeu inúmeros prêmios internacionais e é considerada uma das melhores para se viver no mundo.

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Medellín dos tempos atuais não tem nada dos tempos sombrios da década de 90, quando era dominada pelo cartel liderado por Pablo Escobar Foto: Albeiro Lopera/Reuters

O que aconteceu na cidade colombiana? Simples. Houve uma decisão inabalável de mudar. No Brasil, governo federal e governos estaduais não se acertam nunca e a degradação só se agrava. O Rio de Janeiro passou por incontáveis planos de segurança. Até Garantia da Lei e da Ordem (GLO) foi decretada por um ano. Mas tudo volta ao que era antes de as ações acontecerem. “Sou o governador do Estado e só tem um Estado, não tem essa de estado paralelo, região onde o estado não entra nem nada disso”, afirmou o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil)

Em São Paulo, em meio a uma operação, chamada de Escudo que deixou dezenas de mortos na Baixada Santista o governador do Estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas, um possível candidato à presidência da República em 2026, foi na contramão de Caiado. Admitiu ao G1 que “é preciso botar na cabeça que a Baixada Santista foi tomada pelo crime organizado” e pediu respeito aos policiais porque não é fácil entrar numa área dominada pelo crime organizado. “Vai entrar numa área conflagrada para ver se é fácil. Vai entrar lá sendo recebido com gente que está com fuzil na mão”, prosseguiu na mesma entrevista.

Ainda ontem, dois helicópteros das polícias Civil e Militar do Rio foram atingidos por tiros quando sobrevoavam uma das regiões ocupadas por narcotraficantes. É o estado paralelo, como disse Caiado, não permitindo a entrada dos órgãos de segurança pública no território dele no Rio, em São Paulo, seja onde for.

Ronaldo Caiado, governador de Goiás, afirmou que é preciso de investimentos e que a União assuma seu papel de liderança nessa questão Foto: WILTON JUNIOR/ ESTADÃO

As autoridades no Rio mobilizaram ontem mil homens na tentativa de encontrar os mandantes da operação que resultou na execução dos médicos que, ao que tudo indica até agora, morreram por engano. Um deles seria parecido com um miliciano. Os executores equivocados, ao que parece, foram encontrados e mortos horas depois. Não sem um julgamento. Neste caso da própria organização criminosa que fez uma reunião por videoconferência de dentro de uma penitenciária entre presos e comparsas que estavam do lado de fora. Mais igual à Colômbia impossível.

A violência se acirrou barbaramente no Rio, sitiado pelas disputas de território entre traficantes e milicianos e entre facções do crime organizado. Há poucos dias eles jogaram uma granada dentro de um ônibus com passageiros. Situação semelhante ocorre na Bahia e já aconteceu no Ceará, no Maranhão, em São Paulo. Só que nesses outros lugares o conflito se dá entre as facções, o que não diminui em nada os danos à população. Sem falar nos estragos causados por uma polícia violenta e despreparada.

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Caiado, também um dos nomes de presidenciável entre os possíveis candidatos da direita, disse ao Estadão que, antes de mais nada é preciso reconhecer, que o governo federal não consegue manter a segurança pública. Ele admite que o envio da Força Nacional poderá ajudar o Rio, mas ressalva que só isso não resolverá o problema nem lá e nem em outros Estados do País, muitos dos quais fracionados em que o narcotráfico já “governa”. “Precisamos de investimentos e que a União assuma seu papel de liderança nessa questão”, disse.

Raquel Lyra, governadora de Pernambuco, afirma que o desafio da segurança pública hoje no Brasil é enorme e não vai ser solucionado sem investimentos por parte do governo federal Foto: Werther Santana/Estadão Conteúdo

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“Temos um enorme desafio pela frente”, observou a governadora de Pernambuco, Raquel Lyra, também em conversa com o Estadão. De acordo com ela, o governo federal deixou de fazer investimentos e a situação foi se deteriorando. “Pernambuco tem o pior sistema penitenciário do país. Precisamos construir novos presídios, principalmente, quando consideramos que boa parte dos comandos vem de dentro dos cárceres”, explica.

Presídios seguros, polícia equipada e treinada, inteligência, tecnologia, o governo do Rio de Janeiro precisa resolver muitas coisas. Só não pode mais perder tempo para encontrar um caminho que asfixie as finanças do tráfico, que mostre um mínimo sinal da autoridade do Estado. No dinheiro está a força e o poder dos traficantes que, como dizia Escobar, lhes permite oferecer só esta escolha à população: “plata ou plomo”.

Opinião por Monica Gugliano

É repórter de Política do Estadão. Escreve às terças-feiras

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