BRASÍLIA - O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes concentra em seu gabinete a maioria dos inquéritos criminais em tramitação na Corte. Levantamento realizado pelo Estadão com uso do painel Corte Aberta, do STF, aponta a existência de 37 investigações em curso atualmente, das quais 21 estão sob relatoria de Moraes.
Em comparação, o segundo ministro com mais inquéritos é Luiz Fux, que relata três casos. Procurado pelo Estadão, Moraes não quis se manifestar.
O painel Corte Aberta não contabiliza os inquéritos sigilosos e em segredo de justiça. Portanto, na prática, o número de casos relatados por Moraes é ainda maior do que o indicado pelos dados oficiais, tendo em vista a existência do inquérito das fake news (sigiloso) e de uma série de petições de caráter investigativo relacionadas a esse caso.
O inquérito que apura uma suposta tentativa de golpe de Estado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), com o apoio de militares, é um exemplo de caso no gabinete de Moraes que tramitava sob sigilo e na forma de petição.
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A PET 12100 foi instaurada em dezembro de 2023 na esteira dos acampamentos golpistas em frente aos quartéis e dos atos de vandalismo ocorridos no dia da diplomação do presidente Luiz Inácio da Silva (PT). A partir dessa ação, a Polícia Federal (PF) identificou a rede golpista que planejou o assassinato de autoridades para tomar o poder após perder a eleição de 2022.
No dia 26 de novembro deste ano, Moraes suspendeu o sigilo da investigação, mas o processo permaneceu classificado como petição em vez de inquérito.
O Estadão questionou o STF sobre o número de petições investigativas e inquéritos sigilosos e em segredo de justiça em curso, mas não houve resposta no prazo estabelecido para inclusão na reportagem. O espaço segue aberto, caso a Corte deseje se manifestar.
A concentração de inquéritos nas mãos de Moraes é atribuída pelo painel Corte Aberta à “distribuição por prevenção” dos novos inquéritos instaurados no âmbito do STF. Isso significa que os casos não foram sorteados, mas, sim, direcionados ao gabinete do ministro. O principal objetivo desse modelo de escolha dos relatores é evitar a ocorrência de decisões conflitantes sobre o mesmo assunto.
Veja quem são os ministros que relatam maior número de inquéritos no STF
- Alexandre de Moraes: 21
- Luiz Fux: 3
- Cármen Lúcia: 2
- Edson Fachin: 2
- Flávio Dino: 2
- Gilmar Mendes: 2
- Nunes Marques: 2
- Dias Toffoli: 1
- André Mendonça: 1
O regimento interno do tribunal estabelece que a prevenção ocorre nos processos vinculados por conexão; ou seja, todas as ações que tenham relação entre si são conduzidas pelo mesmo relator.
Os novos casos que chegam ao STF são analisados pela Secretaria Judiciária, que identifica se estão relacionados a outras ações já em tramitação para distribuí-los aos relatores. Caso a ação não tenha conexão com outros assuntos, o processo é sorteado entre os ministros, com exceção do presidente e dos que se declararem impedidos.
O professor de direito penal da Universidade de São Paulo (USP) Gustavo Badaró afirma que distribuição por prevenção é positiva porque “permite economia processual, evita decisões conflitantes e garante uma visão global do fenômeno investigado”, mas que o problema é que a regra da conexão é “deturpada” em alguns tribunais.
“A finalidade dela é que tudo fosse reunido em um só processo ou um só inquérito. O que se tem feito é utilizar a regra de conexão para justificar que um ministro prevento continue com aquele novo inquérito, sem fazer com que aqueles inquéritos sejam reunidos ou se transformem em um único processo”, avaliou.
“O que me parece — e isso não é um mal dos casos do ministro Alexandre de Moraes —- é que não tem sentido invocar conexão se as investigações não vão correr conjuntamente”, prosseguiu na avaliação.
Inquéritos de Moraes miram bolsonaristas e maioria ultrapassa um ano de tramitação
Um fator presente na maioria dos inquéritos a cargo de Moraes é o longo período de tramitação. O caso mais antigo em posse do ministro é o inquérito das fake news, que já ultrapassa 5 anos. A investigação duradoura deriva dos sucessivos pedidos de diligências feitos pelo ministro, que, por consequência, fazem com que os agentes da PF solicitem mais prazo para cumprir as demandas.
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, reconheceu em conversa com jornalistas no início de dezembro que o inquérito das fake news, “está demorando” para ser concluído, mas ponderou que os fatos que justificam a investigação “têm se multiplicado”.
“O inquérito, com todas as singularidades que, reconheço, ocorreram, foi decisivo para salvar a democracia no Brasil. Nós estávamos indo para um abismo”, afirmou em conversa com jornalistas. “Foi atípico, mas olhando em perspectiva, foi necessário e acho que foi indispensável para nós enfrentarmos o extremismo no Brasil. O inquérito está demorando porque os fatos se multiplicaram no decorrer do tempo”, completou.
Moraes, por sua vez, decidiu prorrogar o inquérito por mais seis meses, mas sinalizou que a investigações pode estar se aproximando do fim. A expectativa é que a Polícia Federal (PF) colha os depoimentos de mais 20 pessoas e finalize as diligências necessárias.
A segunda investigação mais longa tem quatro anos e oito meses de duração. O processo em questão investiga o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o senador Sergio Moro (União Brasil) por supostas tentativas de interferência política na PF.
Existem ainda cinco inquéritos com três anos ou mais de duração, dois com mais de dois anos, nove com mais de um ano e quatro que foram instaurados em 2024, sendo dois deles relacionados ao assassinato da vereadora Marielle Franco, cujo um dos suspeitos é o deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido-RJ).
O Código de Processo Penal determina que o inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso, ou em 30 dias nas demais situações. Contudo, a leitura desse trecho da lei é flexível por causa da rigidez da regra. O professor Badaró explica que “não há na nossa legislação um prazo máximo, peremptório, absoluto a partir do qual atingido o inquérito tem que ser arquivado (concluído)”.
Ele pondera, no entanto, que “cinco anos para um inquérito policial já é um exagero”. “Quanto mais o tempo vai passando, maior a dificuldade de descobrir fontes de prova”, avaliou.
“Estamos sujeito a uma regra da Convenção Americana que diz que um processo deve ter uma duração razoável, a nossa Constituição também diz, mas esse é um conceito aberto variável de acordo com as características do caso, como número de investigados e complexidade da investigação”, afirmou, contextualizando que inquéritos longos são comuns em todos os tribunais, e não apenas no STF.
A investigação mais recente foi instaurada em agosto deste ano para apurar publicações do blogueiro bolsonarista Alan dos Santos de conversas fraudadas para atacar a reputação da jornalista Juliana Dal Piva. O caso envolve dois civis, mas, ainda assim, é relatado por Moraes. Após a publicação da reportagem, a jornalista entrou em contato com o Estadão e destacou que na petição apresentada por seus advogados é apontado ter havido ataques à reputação do ministro Alexandre de Moraes e do delegado Fábio Schoor, além de conterem misoginia na internet, também atraindo apuração com foro federal.
Em 2018, o STF restringiu o foro apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. Passados seis anos, os ministros formaram maioria em abril pela ampliação da prerrogativa de foro, nos casos de crimes cometidos no cargo e em razão dele, após a saída da função. Os ministros também poderiam julgar réus comuns envolvidos em crimes cometidos por autoridades com foro. O julgamento está suspenso por um pedido de vista do ministro Nunes Marques. Além disso, a Corte decidiu que cabe aos seus integrantes julgar os extremistas civis de 8 janeiro.
“O Supremo parece oscilar entre momentos em que quer restringir a sua competência por prerrogativa de função e momento em que quer ampliar a sua competência. Isso é ruim, porque determinar quem é o órgão competente para julgar uma ação penal integra a garantia do juiz natural, que envolve e exige, uma predeterminação de acordo com critérios claros e objetivos de quem é o órgão competente”, avaliou o professor Badaró.
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