Morre ex-padre das Ligas Camponesas e ligado ao atentado de Guararapes

O português Alípio Cristiano de Freitas militou em instituições contra a ditadura no Brasil, treinou guerrilha em Cuba, se envolveu no plano para matar Costa e Silva, foi torturado, inspirou canção e será enterrado no Alentejo

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Foto do author Marcelo Godoy

Morreu nesta terça-feira, dia 13, em Lisboa, o jornalista e ex-padre Alípio Cristiano de Freitas, aos 88 anos. Um dos fundadores das Ligas Camponesas no Nordeste, ao lado do ex-deputado federal Francisco Julião, envolveu-se no planejamento de um dos mais graves atentados a bomba cometidos durante o regime militar: a explosão de um artefato no Aeroporto de Guararapes, que tinha como alvo o então ministro do Exército e futuro presidente da República, general Artur da Costa e Silva. A bomba explodiu no saguão e matou o vice-almirante Nelson Gomes Fernandes e o jornalista e secretário de governo de Pernambuco Edson Régis de Carvalho e deixou 14 feridos. A bomba explodiu sem que Costa e Silva estivesse no aeroporto. Era 25 de julho de 1966.

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Somente na década de 1980 a verdadeira autoria do atentado foi descoberta. A revelação foi feita pelo historiador Jabob Gorender em sua obra Combate nas Trevas ­– recentemente a Justiça reconheceu a inocência no caso do ex-deputado federal Ricardo Zarattini (PT), que foi acusado, em 1968, do crime pelos militares.

Na época do atentado, Alípio então militava na Ação Popular (AP), que fora criada em 1963 sob forte influência da setores progressistas da Igreja Católica. Mais tarde, em 1968, o grupo racharia pela primeira vez, com a criação do Partido Revolucionários do Trabalhadores (PRT), ao qual Alípio aderiu. O PRT discordava da orientação maoísta que a AP começava a seguir ­- a maioria de seus integrantes decidiria nos anos 1970 pela fusão com o PCdoB.

Nascido em 1929, em Bragança, na região de Trás-os-Montes, Alípio foi ordenado padre em 1952. Passou a trabalhar com camponeses em Portugal e, em 1952, veio para o Brasil. Esteve no Maranhão e depois em Pernambuco, onde se ligou ao grupo do ex-governador Miguel Arraes. Rezava a missa em português, pois se recusava a fazê-lo em latim antes mesmo que a mudança fosse decidida pelo Concilio Vaticano 2º.

Decidiu organizar a resistência das organizações camponesas contra a violência de pistoleiros a serviço de coronéis do interior e da zona da mata. Em entrevista à RTP Notícias, o site da Rádio e Televisão de Portugal (RTP), o dirigente do Bloco de Esquerda, Alberto Matos, que militou com Alípio, lembrou que o então padre decidiu lançar um apelo: "Trabalhadores, ontem vos ensinei a rezar e hoje aqui estou para ensinar-vos a pegar em armas e lutar".

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Alípio treinou guerrilha em Cuba ­– sua passagem pela ilha foi detectada pelo Centro de Informações do Exército (CIE) – depois do golpe militar de 1964. Em 1970 foi preso. Acusou seus captores de tê-lo torturado e acabou inspirando uma canção de Zeca Afonso (o cantor de Grândola Vila Morena, que se tornaria o hino da Revolução dos Cravos, em 1974, em Portugal). Libertado em 1979, Alípio morou em Moçambique, auxiliando o governo comunista de Samora Machel, da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo). Voltou a Portugal nos anos 1980 e trabalhou na RTP até 1994. Deve ser enterrado nesta quarta-feira, 14, em Alvito, no Alentejo, onde morava.