Morreu o historiador, cientista político e escritor Boris Fausto. Autor de A Revolução de 30 e de outros livros que marcaram a historiografia brasileira, ele tinha 92 anos. Estudioso da história política do Brasil no período republicano, ele se debruçou ainda sobre a criminalidade em São Paulo no começo do século 20 e sobre a formação do pensamento autoritário no Brasil, de Oliveira Viana a Alberto Torres.
Doutor pela Universidade de São Paulo – onde se graduou em Direito, foi assessor jurídico, professor de ciência política e pesquisador –, Fausto foi coordenador de Ciências Humanas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e pesquisador sênior da Rockefeller Foundation, além de professor visitante da Brown University. Com sua obra, ganhou por três vezes o prêmio Jabuti. Nascera em 1930, em São Paulo, de uma família de imigrantes judeus, e era dotado de um senso de humor que o fazia repetir décadas depois expressões ouvidas na infância, como “coitada da Maria Antonieta”.
Contou que crescera lendo o Estadão para o avô. Anos depois, refletiu sobre o papel dos jornais nos anos 1930. “Precisamos levar em conta que foi uma época que não existia TV e rádio e, mesmo considerando que o número de analfabetos era grande, o jornal era o veículo que uma elite lia, mas ele se difundia na banca, nos gritos dos jornaleiros. Assim, o jornal desempenhou um papel imenso. Os jornais republicanos tiveram uma importãncia muito grande.”
Com o livro A Revolução de 1930, historiografia e história – lançado em 1970 –, provocou uma mudança nas análises sobre o tenentismo e o fim da República Velha. Fausto via nos jovens militares um espírito que “em grande linha não era democrático”. “Era militar como temos em nossa tradição. Era salvacionista e propugnaram a manutenção da ditadura do Getúlio (Vargas) tanto quanto possível.”
Seu livro se inseriu no contexto de autores como Florestan Fernandes, Francisco Weffort e Fernando Henrique Cardoso, que faziam suas críticas em outros campos à visão etapista de desenvolvimento da sociedade brasileira, defendida então pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB). Esse movimento crítico buscava compreender o Brasil em vez de tentar enquadrá-lo em um modelo importado de realidade.
Fausto confessou então que o fez de modo singular, sem ser então “muito influenciado” pelos colegas da universidade, conforme contou ao Estadão. “A minha filiação de certo modo vinha em uma explicação internacionalista. Eu não era um acadêmico que fazia uma investigação. Na época, eu não fui muito influenciado por eles. Eu vinha da raiz trotskista, mas em 1968, em 1969 eu já tinha rompido com a 4.ª Internacional. Eu tinha saído do trotskismo desde 1962.”
Eu mato a morte. Eu acho que minha obra como todas as coisas sempre serão ultrapassadas. Eu tenho muita esperança que eles (meus livros) sejam vistos como fonte de um depoimento e pensamento de uma época. A gente vira pó. Eu não vou ver isso e, talvez, essa esperança seja fugaz.
Boris Fausto
Estava então preocupado com a questão democrática, em como enfrentar a ditadura militar instaurada no Brasil pelo golpe de 31 de março de 1964. “Minha crítica de 1930, por combater o conceito da revolução democrática burguesa já nos tempos do trotskismo, foi influenciada por esse passado, embora eu já tivesse tomado outro rumo. Eu estava armado para fazer essa crítica. Era fácil para mim.”
Ao Estadão afirmou que ter afeição por outro de seus livros: História do Brasil, que era seu maior best seller. “Eu tenho afeição por ele e acho que foi um marco que pode ser aproveitado, mas muita coisa ali foi superada, como eu já superei, se fosse escrever uma nova história. Se fizesse uma outra, faria em outras condições e revisão de coisas. Escreveria uma síntese, um outro livro. Então, por isso, reivindico os que não são best sellers, como fontes para os historiadores do futuro.”
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Fausto era o mais velho de três irmãos. O mais jovem – o médico Nelson morreu em 2012 e o filósofo Ruy morreu em 2020. O historiador resolveu então escrever as memórias de um tempo em que os três viviam em Higienópolis e sobre a formação da elite cultural que marcou a história da USP. Vida, Morte e Outros Detalhes foi seu último livro. Trazia contos e as memórias e terminava com um episódio em que o autor “matava a morte” que resolvera visitá-lo. Escreveu o conto durante a pandemia de covid-19, logo depois da morte do irmão Ruy, surpreendido por um enfarte enquanto tocava piano, em Paris.
O historiador disse então sobre a última história de seu último livro: “Eu mato a morte. Eu acho que minha obra como todas as coisas sempre serão ultrapassadas. Eu tenho uma esperança que meus livros, os quatro livros que escrevi de reflexões pessoais e do meu tempo que, atualmente não têm muita incidência, exceto com um público restrito. Mas eu tenho muita esperança que eles sejam vistos como fonte de um depoimento e pensamento de uma época. E tenho esperança que meus livros sobre crimes em São Paulo sejam revisitados. A gente vira pó. Eu não vou ver isso e, talvez, essa esperança seja fugaz.”
Em nota, a Fundação FHC afirmou que Boris Fausto foi pioneiro nos estudos sociais do País e um dos maiores historiadores do Brasil. “Também teve um papel importante no desenvolvimento de pesquisas sobre a história política do Brasil no período republicano, criminalidade em São Paulo e sobre o pensamento autoritário”, escreveu.
Amigo de Boris Fausto, o historiador e colunista do Estadão Leandro Karnal afirmou que o colega “foi um grande pesquisador da Revolução de 30, da História do Brasil e, em particular, nos últimos anos, de uma história do crime das narrativas sobre o crime”. “Eu o conheci bastante. Ele tinha uma memória notável, extraordinária e era um grande narrador de histórias. Nós sentiremos muita falta do Boris”, disse ao Estadão.
O velório acontece na Funeral Home, na Rua São Carlos do Pinhal, 376, em São Paulo, a partir de 8h desta quarta-feira, 19.
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