O Brasil já contabilizou neste ano 26 assassinatos por motivações políticas ou pelo exercício da atividade pública. O número já é maior do que o registrado em quatro campanhas presidenciais desde a redemocratização. Monitoramento da violência política do Estadão mostra que, a partir de 2018, homicídios por divergências partidária e ideológica tornaram-se mais frequentes.
Nas eleições municipais de 2020, foram 16 assassinatos por intolerância e discussões sobre candidatos em caminhadas, panfletagens e comícios, crimes não premeditados. Nos últimos seis meses, os homicídios desse tipo ocorreram também por causa de atividade exercida no serviço público (seis), atividade comunitária ou associação de classe (quatro), denúncia de corrupção (dois) e conflito social (uma). Os demais casos se enquadram em crimes de mando, em que alguém encomendou o assassinato do agente político.
Mais do que qualquer outro tipo de crime político, o homicídio por discussão partidária tem efeito corrosivo de inibir o debate em grupos de amigos e familiares e até em grandes comunidades. Esse tipo de crime atinge políticos de vários partidos.
Em maio, o vereador Ednaldo Isidório Neto, do PP, de Serra Talhada (PE), foi assassinado numa antiga guerra de família no município sertanejo. Ele já tinha sofrido atentado dois anos antes. O parlamentar estava em frente a sua residência quando foi executado à queima-roupa por uma dupla que passava de motocicleta, clássica ação de crime de mando.
Em janeiro, outro vereador, Carlos Gabriel Ferreira Lopes, do Solidariedade, de Mocajuba (PA), foi morto na orla da cidade por dois homens que também estavam em moto. No município catarinense de Major Vieira, o ex-secretário de Obras Sérgio Roberto Lezan, do Republicanos, sofreu um atentado fatal. Meses antes, ele tinha denunciado políticos locais por corrupção.
Professor da Fundação Getúlio Vargas, o cientista político Sérgio Praça afirmou que não se pode “subestimar” a gravidade desses casos de crimes por discussão partidária. “Isso não pode virar algo normal. Um petista é atacado, depois um bolsonarista. Logo, logo, a competição violenta torna-se comum”, ressaltou.
Isso não pode virar algo normal. Um petista é atacado, depois um bolsonarista. Logo, logo, a competição violenta torna-se comum.”
Sérgio Praça, cientista político
O Estadão monitora os assassinatos na política brasileira há nove anos. É o mais antigo acompanhamento desse tipo de crime no País e o de corte mais amplo. A série histórica começa com registros de dados a partir da Lei da Anistia, em 28 de agosto de 1979, e o início da redemocratização. De lá para cá, 1.999 homicídios foram tabelados. Casos de latrocínio – roubo seguido de morte – e crimes passionais não foram incluídos. O levantamento considera para efeitos de tabelamento homicídios como a eliminação do adversário em busca de espaço de poder, por vingança política e divergências entre militantes de campos opostos. Inclui ainda assassinatos de agentes públicos no exercício do cargo.
Na última semana, o guarda municipal Marcelo Arruda, filiado ao PT, foi assassinado pelo agente penal Jorge Guaranho durante sua festa de aniversário em que o tema era o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Paraná. Segundo testemunhas, antes de cometer o crime, Guaranho foi para a porta da festa e os dois discutiram por causa das preferências políticas. “Seus filhos da p..., Lula ladrão, aqui é Bolsonaro, é mito”, teria gritado o assassino. Para a polícia, o episódio de Foz do Iguaçu não se trata de crime político.
A delegada Camila Cecconello informou que foi imputado ao bolsonarista crime de homicídio duplamente qualificado – por motivo torpe e causar perigo comum. No entendimento da policial, não há provas suficientes de que Guaranho queria cometer um “crime de ódio contra pessoas de outros partidos”.
“O que há de problemático, é que ela (delegada) quer tirar o cunho político para estabelecer que o sujeito voltou porque foi humilhado. O que ela quer é atender interesses políticos de tirar o fato da caracterização de motivação política, para dizer que foi por motivo torpe, vingança, por se sentir humilhado”, afirmou ao Estadão o ex-ministro da Justiça e professor titular sênior da USP Miguel Reale Júnior.
O monitoramento dos assassinatos mostra que raramente as autoridades do inquérito de um homicídio registram a motivação política, por temerem retaliações. Os dados mostram que as eleições municipais são as que registram mais assassinatos. Entretanto, as majoritárias para presidente, governador e senador e as proporcionais para deputado federal e deputado estadual já apresentaram picos de incidência de homicídios. Foi o que ocorreu em 2010 (73 casos), 2018 (71), 1998 (57) e 2002 (43).
O ano eleitoral de 2022 supera em homicídios as disputas diretas de 1989 (23), 1994 (17), 2006 (25) e 2014 (20). Ex-secretários e secretários municipais (cinco casos), servidores públicos (quatro), vereadores e líderes comunitários (três), policiais ligados a políticos (dois) e ativista (um) foram os principais alvos dos matadores.
Local em que o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips foram mortos em junho deste ano, o Alto Solimões já registrou assassinato por motivos políticos. Em maio, Olímpio Guedes Olavo Júnior, vereador da vizinha Tabatinga pelo PSD, foi baleado em Manaus. Ele havia sofrido um atentado em setembro, após uma série de denúncias sobre políticos e traficantes.
Outra marca do problema da violência na política é que nenhum poder assume a responsabilidade para combatê-lo. Em 2020, o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, disse numa entrevista que assassinatos do tipo eram decorrência da criminalidade em geral e não era assunto do órgão.
No começo deste ano, o atual presidente do TSE, Edson Fachin, se reuniu com líderes políticos e religiosos para pedir apoio ao combate à violência política. “A Justiça Eleitoral defronta com a decorrência da crescente intolerância e do evidente processo de degradação de valores”, afirmou o ministro.
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